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Uma pedrinha chamada Obiang

Por: Natacha Magalhães

Quem já passou por isso sabe que uma pedrinha no sapato é capaz de incomodar muito mais do à partida se possa imaginar. Nessa situação, duas opções tem a pessoa incomodada: ou retira a pedra, libertando-se do incómodo ou segue com esta, aguentando os incómodos, até onde poder. Uma comparação melhor não poderia haver para explicar o que se passa atualmente no seio da CPLP. Pelos sinais de impaciência que começam a se fazer sentir, e pelos pronunciamentos de alguns atuais e antigos altos dirigentes de alguns Estados membros, claro está que Obiang e a Guiné Equatorial se tornaram a pedrinha no sapato da CPLP. A essa altura, a maioria de nós, comuns cidadãos deste Espaço, estará a perguntar, mas afinal, como conseguiu a Guiné Equatorial fazer-se membro de pleno direito da CPLP se já se sabia que o país sempre foi classificado como das piores ditaduras mundiais? E há mais: o que quer e como serve a CPLP às pretensões de Teodore Obiang Mbasogo? 
O que tem a Guiné Equatorial, país inexpressivo na arena política africana e mundial, considerado como dos mais corruptos países do mundo, liderado por um homem há quarenta anos no poder e que aposta no filho para o suceder e que possui os piores índices de liberdade e de respeito pelos direitos humanos? Resposta: tem petróleo. E quem tem petróleo, tem dinheiro, tem poder de influenciação. Não obstante a sua pequena dimensão geográfica, o país é um dos países mais ricos de África, o terceiro maior produtor de petróleo da África Subsaariana, facto que contribuiu para a atração do investimento estrangeiro. Por outro lado, tem o maior PIB per capita do continente. É, inegavelmente, um mercado apetecível e interessante para a maioria dos estados membros, e os seus “irmãos”, designadamente, Portugal, Brasil e Angola sabem bem disso. Os outros também. Aliás, Cabo Verde já tem interesses declarados, mormente a farmacêutica Emprofac, cujo presidente do conselho de administração, numa entrevista dada à Imprensa, manifestou o interesse da empresa em entrar no mercado equato-guineense como início da sua estratégia de internacionalização. Empresários da CPLP querem a manutenção da Guiné Equatorial na Organização e considera que isolar diplomaticamente aquele país é condena-lo “ao pior”.
Obiang é bicho politico. E é astuto. Sempre soube que os cifrões foram e são o seu maior trunfo. E qual é o problema? O problema é que o que o ditador faz não difere do que outros já fizeram e continuam a fazer, em maior ou menos proporção, mas que nem por isso são ostracizados. O governante é ciente de que as relações diplomáticas entre países são, hoje, cada vez movidas por interesses económicos e cada vez menos pela observância de questões como o respeito pelos direitos humanos e liberdades individuais. O que importa é ter aliados. E aliados credíveis. Obiang jogou com isso. Sabia que a sua entrada na CPLP seria uma grande vitória pessoal já que quer, a todo o custo, limpar a sua imagem e granjear reconhecimento e protagonismo políticos. O ditador veio com tudo. Conseguiu fazer com que todo o Brasil passasse a conhecer, ainda que apenas de nome, o seu país quando, num golpe de génio, patrocinou a escola de samba Beija-Flor com cerca de dez milhões de reais para que aquela escola enaltecesse o seu país durante o desfile oficial do carnaval do Rio. Não foi a primeira vez que Obiang foi aos bolsos para lavar a sua imagem. Acusado de narcisismo extremo e de fazer o culto da personalidade, propôs e conseguiu que, em 2012, a UNESCO instituísse o Prémio Internacional UNESCO-Obiang Nguema Mbasogo para Investigação nas Ciências da Vida, para o qual concedeu três milhões de dólares. Com a Organização Internacional da Francofonia, tentou uma aproximação indo ao ponto de tornar o francês língua oficial, hoje, de uso praticamente nulo naquele país. Gorados os planos, Obiang faz outra investida. Tenta a Organização dos Estados Ibero-americanos mas também é-lhe negada a pretensão, por não possuir “critérios democráticos. Com a CPLP, houve hesitações iniciais, com Portugal a forçar um longo debate, que terminou quando Obiang se comprometeu a promover a língua portuguesa, a oficializa-la e a abolir a pena de morte do ordenamento jurídico do país. Cinco anos depois, o que mais importa continua no plano das intenções. Obiang vai driblando os seus pares e continua em promessas. A nós, veio nos dizer que quer professores cabo-verdianos a ensinar o português no seu país. Mas há quem já não vai nessas e em outras conversas. Ramos Horta, antigo presidente de Timor Leste e Prémio Nobel da Paz acusa irritação e não quer Obiang na próxima Cimeira da Comunidade (que se realiza precisamente em Dili) se o país não abolir a pena de morte. Por sua vez, o primeiro-ministro português, António Costa, avisa que se quer permanecer na Comunidade a Guiné Equatorial terá que “se rever num quadro comum” que não inclui a pena de morte. 
Entretanto, nesse chove não molha, há quem sempre queira dar o benefício da dúvida. O Presidente da Republica, Jorge Carlos Fonseca, que sabe que o sucesso da sua presidência rotativa depende essencialmente de conseguir resolver duas grandes questões que “incomodam” os Estados membros, nomeadamente, a mobilidade de pessoas dentro no espaço Lusófono e o dossiê Guiné Equatorial, mostra-se esperançado de que, até outubro, Obiang cumprirá com as suas promessas. Mas Fonseca deve saber que não se canta os parabéns antes de se fazer anos, pelo que jamais um anúncio, bastas vezes repetido, poderá ser classificado como sendo uma grande vitória. 
Enquanto isso, a pedrinha segue incomodando. Cabe a quem com ela convive saber até onde poderá suportar.  

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 608, de 25 de Abril de 2019

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