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Opinião

Mobilidade Vs. Dignidade

Por: Carlos Carvalho

Dignidade – definição

Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo, Dignidade, do latim dignitas, significa: “Título ou cargo de graduação elevada. Honraria. Qualidade daquele ou daquilo que é nobre e grande. Modo de proceder que se impõe ao respeito público. Respeitabilidade. Nobreza”.

Não foi necessário consultar outros dicionários, pois, segundo Júlio Dantas, no Prefácio à Edição do citado Dicionário, O Dicionário de Cândido de Figueiredo era já … o melhor dicionário da língua portuguesa; o mais opulento…e, tecnicamente, o mais perfeito”. Por conseguinte, outros dicionários não divergirão certamente da definição aqui transcrita.

É, pois, na base desta definição que nos “ancoramos” para a abordagem de um dos conceitos, objecto deste artigo, Dignidade. Um dos vocábulos mais nobres do nosso léxico!

Mobilidade é definido como: impermanência, inconstância, instabilidade, movimento, etc.. Vocábulo um tanto quanto truculento! 

Portanto, Mobilidade e Dignidade são dois conceitos aparentemente “inconjugáveis” para a presente reflexão. Mas lendo entenderão o porquê de os juntar aqui. 

Da Dignidade

É comum ouvir-se que “pode-se perder tudo, menos a Dignidade”.

É certo que não nascemos dignos, porque é uma condição que se adquire, que nos é inculcada de menino. Os nossos pais nos ensinam desdi mininu que: menino não deve mentir; menino não deve ser malandro; menino não deve roubar; mininu debi ser ruspetador e outros pertinentes ensinamentos.

Crescemos, sempre guiados por estes conselhos dos mais velhos, cimentando, assim, nossa personalidade.

Si kre pobri, ma dignu!!!

Já adultos, donos de nossos próprios pensamentos e acções, mais dignos devemos ser, mais dignidade na nossa postura devemos observar… para que nos respeitem!!

Homem deve ser digno!!

É pela dignidade que os homens se batem… revoltam… lutam!

Mobilidade – Dignidade e nossa história recente

Venho insistindo na necessidade de conhecermos a nossa história para melhor compreendermos quem somos e como devemos nos posicionar neste mundo de “fariseus e hipócritas”, citando Manuel D’Novas.

No passado recente, fomos, à semelhança de outros territórios africanos, colónia duma, na altura, “potência” europeia. Hoje, independentes, potência e colónias constituíram-se numa comunidade, a CPLP, que todos  conhecem. Bom, pelo menos todos deviam conhecer!

De vez em quando, essa CPLP realiza encontros, nas quais são tomadas decisões “com muito interesse” que irão mudar nossas vidas, tornar-nos felizes, para sempre… só que acabam as reuniões, abraços fraternos, alguns comes e bebes, pelo meio, para animar uns e outros… cada um vai para sua casa … e tudo volta ao normal.

Os afazeres caseiros de cada um a isso obriga. Primeiro, há que, cada um no seu rincon, lutar para melhorar a vida das populações: combater o desemprego que grassa, a criminalidade, a corrupção, a fome, os desmandos, os desvios, etc. etc. … e, só depois, quando alguém se lembra que chegou o tempo de voltar a reunir-se… torna-se a falar da nossa querida CPLP.

A Comunidade e seus cidadãos

A substância dessa mesma Comunidade é, para todos os cidadãos a ela pertencentes, a possibilidade de todos poderem livremente circular no seu espaço. E é o circular livremente no seu espaço o busílis da Comunidade. Em todas as reuniões  e cimeiras ele aparece e é objecto de uma série de discussões, mas ruzultadu k balé … kela nunca. Vai-se “pintxandu k barriga”, encontro sim, encontro não!

A história voltou a repetir-se na nossa linda e acolhedora Mindelo. Diz-se que a história não se repete, mas …

Mas, a quem efectivamente interessa a CPLP e essa tal de Mobilidade??

Se as minhas análises não falham, só a nós, pequenas ilhas no meio do Atlântico, interessa a Comunidade e a bendita/maldita Mobilidade.

Senão vejamos.

Ao gigante do outro lado do Atlântico, a CPLP não interessa. Suas prioridades são outras. Para quê abrir suas portas, para cada um entrar quando quiser? Ainda mais agora com aquele novo Cabo Chefe que têm por lá, admirador do Mister “dos Muros”.

Aos nossos antigos “donos” dá-lhes um jeitinho só porque podem sempre bazofiar como antigo “grande império”, lembrar os tempos dos heróis do mar e … das “descobertas”. Mas como se dar ao luxo de abrir suas portas para a “pretalhada” toda entrar?? E … vão nos enganando… sima nosentis… dando-nos a esperança de que um dia…sim!! Um dia…vocês serão nossos outra vez! E… nós, ilhéus, ficamos contentes porque finalmente vamos todos pra Metrópole, como nos bons velhos tempos… de colónia!!

Os “Mangolés”, esses são ricos para se importarem a sério com a Comunidade.

Vejam só, bastou que as coisas “compossem” um pouco no tempo do “Zédu”, para que meia antiga Metrópole procurasse o “retorno dos retornados” ao eldorado colonial do passado. E muitos cabjuns, catanhôs, como somos irmãmente apelidados, aproveitaram a boleia.

Os “Índicos” estão mais preocupados com seus vizinhos, um deles a maior potência de África, e os ganhos que podem tirar dessa vizinhança. Estão muito longe dos irmãos do passado colonial comum. Ainda mais agora que dinheiro vai jorrar, com as riquezas que estão sendo descobertas, tudu santu dia. Para quê lhes interessa a Comunidade?? Se abrir as portas, breve, todo o mundo vai sair correndo para lá.

Os nossos irmãos de sangue, de passado longínquo e recente comum, esses, para não variar, continuam metidos na sua confusão e decididos a sempre ficar para trás. Dá até dó… mas, com eles, ninguém, sério, conta! Dói!!…mas é verdade. Talvez até um dia. Porque…um dia…quando finalmente entenderem que já chega… e entenderem-se, nem eles precisarão da CPLP.

Bom, falta quem?

Os asiáticos do Xanana e do Horta. Esses, por sorte, podem passear pela Europa sem problemas. E… são ricos! Portanto…

Os ilhéus “equatorianos”?

Também sempre nas suas guerrinhas de famílias desavindas, a Comunidade é, a meu ver, coisa secundária. Têm os mais velhos “mangolés” por perto para o que der e vier. Infelizmente, é recorrente sempre “der e vier” e lá vão resolvendo seus problemas. E ao que parece têm petróleo!! Mais dia, menos dia, com petro-dólares a jorrar, perguntarão para que serve a Comunidade!!??

Mas, ainda falta el Senhor, Teodoro Obiang.  Um dia escreverei sobre sua terra e sua pertença a CPLP.

E o que tem a ver a Mobilidade com nossa Dignidade??

Como dito anteriormente, só a nós interessa a Comunidade, ao ponto de perdermos a postura de um Povo Digno. Vemos na “Comunidade-Mobilidade” a única saída para nossas vidas; todos os nossos problemas resolver-se-ão, pois, é a nossa porta para o paraíso celeste na terra.

Alerta a navegação

“Cambar” na Europa tornou-se o nosso maior sonho. Tornou-se quase um desígnio nacional… panaceia para os nossos males. Nem pensam os nossos políticos que, se nos deixam entrar, correm o risco de faxi faxi não terem governados porque tudu fidju des ilhas ta capri… não fica ninguém. Será como aquela famosa canção do Montrond: “Oh mama, es kaba ba…é mi so k fika li” … para tomar conta do cutelo. Não haverá … nem dirigentes… nem dirigidos, como sabiamente escreveu um compositor nosso. Nossas ilhas correrão o risco de num futuro não muito longínquo ter que ser de novo povoadas, como no passado. E será tarde, pois, elas pertencerão a outras potências, potências di mé di vera.  Não seremos mais donos delas!!

5 de Julho – o Dia de nossa Dignidade

Acabamos, tout juste, de comemorar o nosso Dia Maior! O Dia de nossa Dignidade como Povo Livre, Independente … num Estado Soberano.

Desde o dia 5 de Julho de 1975, temos:

Uma Pátria, nossa; um Hino; uma Bandeira; um Presidente; um Governo; uma Assembleia!!!

Somos uma Nação!!

Somos “pequenos”, sim!! Mas…admirados e respeitados no Mundo!!   

Somos ouvidos e tidos em devida conta no concerto das Nações.

Tudo isto nos devia encher de orgulho.

Porquê então mendigar, hipotecando nossa Dignidade!!??

Depois de nossos antepassados se revoltarem e lutarem para seremos livres, para sermos dignos e donos de nossos destinos:

Custa-me, hoje, ver a nossa postura de não dignos, pedinchando que nos abram a porta dum suposto idílico paraíso;

Custa-me, hoje, ver que quase ajoelhamos e mendigamos para nos deixarem entrar, sem dignidade, num castelo dourado, logo nós que as “cabras ensinaram a comer pedras…para não perecermos”. E… sobrevivemos!! Com Dignidade!!;

Custa-me ver dirigentes de meu país quase a se humilhar suplicando tratamento especial, reservado à cidadão de segunda, “à socapa” de sermos membros da Comunidade.

Nós … o mundo e a nossa Dignidade.

As portas do “paraíso terrestre”, provavelmente, NUNCA se abrirão para nós.

Para piorar, M. Trump já decretou o fecho de suas portas para muitos de nós.

Mas, sobreviveremos… somos resilientes!! É só sermos inteligentes.

Os nossos vizinhos, donde, aliás, provem grande parte de nossa origem, e onde sempre refugiamos nas horas más de nossa amargurada história passada, estão crescendo e têm futuro.

Os nossos irmãos longínquos, mas de história passada comum, estão crescendo e também têm futuro.

As portas das casas desses nossos irmãos e vizinhos seguramente NUNCA se fecharão para nós.

É prepararmo-nos e prepararmos a nossa juventude para trabalhar com mãos, com Dignidade! Não continuarmos a “fabricar” doutores que ninguém precisa e que pouca mais-valia nos trarão no futuro … que já chegou.

Desta forma, não precisaremos hipotecar nossa Dignidade!!

Concluindo

Citando outra vez Manel d’Novas, num dos seus incontáveis momentos de inspiração, escreveu e o incomparável Ildo soberbamente interpretou a Biografia dun Kriolu. Nessa divina composição, d’Novas narrou o nosso percurso e transmitiu-nos o orgulho de sermos quem somos e … felizes de termos nascidosquem somos!! 

Com Dignidade!!

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