Por: José Manuel Fragoso (Zefra)*
Não tenho pretensão de ser escritor, muito menos de ser compositor: são meras considerações de um Praiense inconformado e desenraizado na sua cidade natal.
De todos os males que assolam o nosso jovem País, a droga, a insegurança e a violência urbana (sob diversas formas), são as maiores; a seca é um flagelo comandado pela natureza, imprevisível e de combate aleatório. Ao contrário em relação aos outros males exige-se a quem de direito o dever e o empenho no seu combate implacável com tendência a erradica-los, a fim de tornar o nosso País ainda mais atraente. I
Era tudo na paz
Na harmonia
Sem “cassu bode”
Nem violência.
Era tudo na paz
Na harmonia
Na Pré-independência
II
No Liceu Adriano Moreira (atual Domingos Ramos),
O lema era rigor e disciplina
Assegurados com dedicação e competência pelos “continos” Nhô Armando, Senhor Vicente (Tuia), Senhor Osvaldo, e Nhô Chiquinho. Ali, de tabaco nem fume se sentia; “Padjinha” (Canábis), era desconhecido, mesmo se os canteiros de jardins estivessem floridos pelos cuidados de Nhô Manito.
Adolescente, de barriga, era inconcebível.
III
Nas noites escaldantes de Verão, o Cineteatro municipal, cujas entradas eram controladas pelo Nhô Gregório na Plateia, e Sankudja na Geral; o projecionista era Fefa com os dois assistentes Chindo e António Fauto, e carinhosa vendedora de bilhetes Iracema, era uma figura em destaque não só pela qualidade dos filmes exibidos, mas também pelo convívio a que davam origem na Esplanada da Praça, onde a multidão se apanhava, a procura do famoso cachorro quente e de uma bebida refrescante, na saída do cinema.
As quintas e aos domingos, à noite, a Praça era lugar de “peregrinação”, quase obrigatório, com o tradicional passeio onde namorados e apaixonados, trocavam mimos e palavras de amor ao som da Banda Municipal, vindo da simbólica “Gurita”, brilhantemente dirigida pelos maestros Jotamonte e Manuel Clarinete.
IV
Da radio club de Cabo Verde (RCCV), se ouvia os programas, onde, se ainda não havia “Nhô Puxim” eramos contemplados com maravilhosas aventuras de “Nhô Compadre Badio”, programa satírico sobre o santiaguense. Também escutava-se atentamente o programa “Lembranças pela Rádio” que celebrava eventos diversos tais como aniversario de familiares e amigos, ou despedidas das partidas…
No comércio de Plateau, quem mais se destacou foi a família Serbam, que emprestou um dos edifícios para a criação de Liceu da Praia; vendia mais barato e conseguia créditos amortecidos por letra bancaria, e até organizava “Cabaz de Natal”, através de prestações mensais para ajudar as famílias modestas a passar um bom quadro natalício.
V
No bairro de Achada Santo António (ASA), era palco de múltiplas atividades:
Na rua da capela a (atual largo Eusébio da Silva Ferreira), se, aos domingos, havia grande azafama devido a missa dominical, nos outros dias, a rapaziada estudantil e jovens desempregados, se confraternizavam alegremente no” Carro de Coreia”, sem cigarro e muito menos “Padjinha”, embora as vezes houvesse um pouco de AGT, ao lado do “Chafariz Municipal”, autentico centro satélite de inúmeras noticias (uma espécie de CNN do bairro).
A celebração da Santa Padroeira Nossa Senhora do Socorro durava uma semana com Feira Popular, teatro, concurso de canto e rifas diversas.
Na noite serena de lua cheia organizavam-se melodiosas serenatas perturbadas apenas pelas reações de “Sr. Bong”, analfabeto e ricaço: serenata é andar não parar! ou por “Cacarino”, elemento zeloso da PSP, chefe da esquadra de ASA, líder na distribuição da “Contra Fé”.
No período de carnaval, desfilavam em competição vários grupos exibindo as suas indumentárias exóticas, seguido do tradicional baile, do qual destacamos o grupo Estrela do Oriente jovialmente conduzido por “Nené Boti”. Igualmente, no desfile individual, tornou-se celebre “Jofre”, o Chucho de corrente de ferro, todo pintado de negro.
Não podemos deixar de assinalar que depois da fartura de Cinzas havia um sagrado rolar na areia” Arreiona”, puxado por corda de “Lakakan” na rampa de Nhá Maria Branca!
Também não podemos esquecer os famosos bailes populares, intitulados “baile nacional”, em que se distingui a sala mítica de “Preto Sena”, nem tão pouco a sala de Dji di Mimita, onde brilhou o primeiro DJ, Cesar Pantalon com a sua celebre aparelhagem, moderna para a época, e cujo potencia se fazia sentir aos Domingos, da varanda da sua casa ate o Djeu di santa Maria.
VI
O Bairro Craveiro Lopes, com sua arquitetura (Sui generes) destacava-se o Clube Desportivo do Chile, com a sua prestigiosa marcha – A La Chile ta Bem…, presidido pelo carismático Avelino Barros carinhosamente chamado pai do Chile. O cinema não só apresentava cessão de filmes, mas também era palco de outras diversões como os celebres bailes populares sempre abrilhantados por um conjunto musical em voga, como foi o caso de “Bulimundo”!
A Floresta servia de lugar de encontro de pares de namorados e apaixonados, e para piquenique de particulares ou grupos organizados.
VII
O Bairro da Várzea Companhia, celebre pelo Cemitério do mesmo nome, que tinha como figura importante o seu guarda e coveiro “Varela”.
Nos Domingos a tarde, era palco de reunida disputa de futebol entre “índios” e sporting da Praia no campeonato Praiense, e de palpitante encontro na final de campeonato nacional entre Praia e São Vicente. Outras atividades se destacavam também como a gincana automóvel, prova de habilidade, em que tornou-se celebre o gorducho “John Melo Tuta”. A cerimonia de juramento de bandeira dos nossos soldados que terminava com uma verdadeira demostração de atletismo. Ainda celebre era “Carreira de Tiro” centro de treino de Militares e Milicianos.
VIII
O Bairro de Achada Grande (AG), eram um vasto descampado que se tornou conhecido pelo seu aeródromo “Gago Coutinho”.
“Achada São Felipe”, era bairro praticamente deserto, mas que entrou no mapa porque era rota obrigatória de acesso para o interior de Santiago.
IX
A orla marítima começava na Praia Negra, celebre pelas sua enxurradas, continuava com Cavalariça e Cais Velho, que servia de lugar de treino militar; a ponte cais e o seu imponente guindaste; personagem importante deste cais era “Ceguinho Ka Pinton”, exímio tocador de violão, carregador de saco destemido, perfil mesmo de trabalhador honesto; a fabrica de peixe com o seu esgoto nausiabundo, afastando mesmo os cães famintos; Gamboa Praia, dando acesso ao histórico ilhéu de Santa Maria; o pesado Edifício de Cadeia Civil, com o seu celebro guarda Manuel Carcereiro; a Prainha, de pequena dimensão, mas muito frequentada, servindo de piscina natural aos hóspedes da Pausada Praia Mar; Quebra Canela, praia de maior dimensão, lugar de desova de tartaruga e porto de abrigo dos botes de pesca, com especial atenção as partidas do futebol de praia, em que Zeca Nhô Filipe e Zé Fragoso se destacaram entre outros como os melhores marcadores de sempre; o seminário de São José, cujos estudantes, os seminaristas, se distinguiam pela sua indumentaria típica e sua marcha em grupo em direção a Igreja Matriz do Plateau no momento das celebrações religiosas importantes com o Natal e a Páscoa, atraindo muito “meninada” atras deles; finalmente o Farol” importante torre orientadoras dos barcos cujo guarda e manutenção estava a cargo do exímio tocar de violino Djonsa Farol.
Palmarejo só servia de porto abrigo dos pescadores.
X
Era tudo na paz
Na harmonia
Sem “cassu bode”
Nem violência.
Era tudo na paz
Na harmonia
Na Pré-independência
FIM
PS1: uma palavra de apreço, de amizade e de agradecimento ao colega e amigo Dr. Osvaldo Lisboa Ramos que me incentivou a escrever essas linhas, fruto de nossas tertúlias de brincadeira!
PS2: alguns amigos mais próximos que leram o manuscrito, fizeram chegar até mim as suas criticas, em relação ao bairro de Achada Santo António de que, por exemplo, não falei de Marconi?! Ora eu replico: por que não falar também de Monti Mosca que agora tornou-se uma zona urbana de prestigio?! É que falar de Marconi, por si só, merece um artigo inteiro, porque haveria muito por dizer, e muitas personagens entre outras Fernando … … Barata Feio, que tornou-se celebre pela sua irreverencia, e o barulho que fazia com a sua poderosa mota “Norton”, e as acrobacias que fazia com a avioneta de aeroclube nos fins de semana, que nos dava calafrios. – Mas esta será uma outra aventura para contar.
*Médico-Cirurgião no Hospital “Dr. Agostinho Neto”, na Cidade da Praia
Email: jomafra@hotmail.com