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Opinião

As coisas sérias de Março

Por. Natacha Magalhães

1. Quantas flores em março? Bem…quem as tiver que as dê. Mas o 8 de março não é para flores nem poesias. Muito menos para se questionar do porquê de haver um dia especialmente dedicado às mulheres. A falta de conhecimento ou simplesmente o não querer ir ao passado, geram interpretações erróneas, por vezes inconvenientemente erróneas. O 8 de março é essencialmente de reflexão sobre a luta de todas as mulheres, em todo o mundo. É um dia para recordar os restantes 364 em que os direitos das mulheres lhes são negados; para refletir sobre as barreiras impercetíveis que impedem as mulheres de aceder cargos de liderança em organizações publicas e privadas ou de participar e estar representada na vida politica do seu país; para relembrar que a mulher tem direito a fazer escolhas sobre o seu próprio corpo e sobre o seu destino, de sair à rua ou ir trabalhar sem ser sofrer assédio, de querer ser aquilo que quiser.  O 8 de março é sobre as desigualdades, a desvalorização e o desrespeito; é sobre os estereótipos machistas e culturais, nem sempre vindos de homens; é sobre a violência e o assassinato das nossas mulheres. Não é data para posts de humor de péssimo gosto, como alguns que, por estes dias, circularam em redes sociais, com subliminares mensagens machistas, preconceituosas e carregadas de estereótipos, numa camuflada tentativa de, por um lado, menorizar a data e, por outro, voltar à gasta e falsa questão de que a mulher quer competir com os homens, brigar com os homens, roubar o lugar dos homens, ser igual aos homens. Nada mais falso. Malala Yousafzai não quer ser como um homem. Só quer que as meninas tenham direito de ir à escola e ter futuro. Nadia Murad não quer brigar com os homens. Quer continuar a lutar para acabar com o uso da violência sexual como arma de guerra e conflito armado. O Movimento #Metoo não quer acabar com os homens, apenas que pare o assedio sexual sobre mulheres nos seus locais de trabalho; as nossas deputadas, que estiveram na linha da frente para a aprovação da Lei Especial contra a VBG, e voltam a estar na mesma linha para que seja finalmente aprovada a Lei da Paridade não querem roubar o lugar dos homens. Querem que nós, nossas filhas e filhas destas tenham igual direito de estar no centro das decisões mais importantes do país. E isso não é para gracinhas nem posts de péssimo humor. É uma questão de Justiça. De Direitos Humanos

2. Post Carnaval I. Para quem não ia à avenida há uma dúzia de naos, confesso que tinha alguma expetativa. Não que tenham ficado completamente desapontada, mas esperava mais. É inegável o esforço e a vontade dos grupos em proporcionar à capital um bom carnaval. Não irei aqui esmiuçar sobre os grupos que desfilaram na avenida. Diria que vi um pouco de tudo, mas senti falta dos espontâneos, o sal do carnaval. Mas persistem os calcanhares de Aquiles do carnaval praiense: a finalização/acabamento e alguma criatividade. Não houve como não reparar na ausência de algum esmero no acabamento dos carros alegóricos, injustificável quando se quer um carnaval com qualidade e quando se sabe que a estética dos carros alegóricos é um dos elementos que concorre para a premiação dos grupos; vi  grupos cujos trajes, alas e carros alegóricos sem correspondência com os temas escolhidos, logo, sem coerência; vi trajes mal executados, adereços sem criatividade e sem originalidade; vi alas vazias, com meia dúzia de foliões, distanciamento considerável entre alas, criando um vazio que apenas serviu para impacientar assistência; houve quem não merecesse ali estar por não ter com seguido sequer  mostrar razoável qualidade; e se carnaval é festa da alegria, em certos grupos, para não dizer na maioria deles, os foliões mais pareciam estar num funeral do que num carnaval. Isso não é uma critica de bota-abaixo, antes sugestões para melhorias. É urgentemente necessário investimento, deixar o amadorismo e apostar na qualidade. E a qualidade engloba tudo: dos carros alegóricos ao tema musical, da composição e traje das alas aos adereços. E sobre tudo isso têm as escolas da capital uma grande lição a dar, seja de criatividade seja de beleza. Inventem-se ou reinventem-se carnavaleiros para o carnaval da capital. E se formar for preciso, pois que assim seja! Este investimento terá certamente retorno de valor.

3.Post Carnaval II. Pronto, acabou. Domingo foi a enterrar o carnaval. Agora, ressuscita-lo será dentro de mais ou menos um ano. Prémios atribuídos, debates serenados, a hora é para alguma reflexão. E agora, Mindelo? Li recentemente uma crónica que vem mesmo a calhar para um olhar ao carnaval do Mindelo. Leonardo Bruno, cronista brasileiro, escreveu um dia após o desfile do maior carnaval do mundo, um artigo de opinião na qual ele dizia que “carnaval é para quem tem o que dizer”. E ter o que dizer é, segundo o cronista, aquilo que fizeram as escolas Mangueira – campeã do carnaval carioca 2019-  e Tuiuti, E porquê? Porque ambas tiveram algo a dizer. E disseram-no na Sapucaí. A primeira, ao levar para o sambódromo a Historia do Brasil, aquela que não se conta ou se conta distorcidamente, a do passado aos dias atuais, apresentando o Brasil do índio, do negro, do pobre; a segunda, a Tuiuti, que com o seu samba-enredo, falou de um salvador da pátria que o Brasil espera ao mesmo tempo que alguém arrancava a faixa presidencial de alguém que o Brasil elegeu, uma clara alusão ao presidente Bolsonaro. É exatamente esse que, doravante, deverá ser o grande desafio do Carnaval de São Vicente. Ter o que dizer. Deixar de ser uma mera competição sobre quem tem o carro alegórico mais bem adornado, a rainha ou o rei mais pomposos, a comissão de frente mais original ou a rainha de bateria com mais samba no pé. Ao nível que já chegou, agora é a hora deste carnaval ter algo mais a mostrar para que de facto seja capaz de provocar reflexões e debates em tornos de temas que tocam os cabo-verdianos ou a própria sociedade são-vicentina. Ou então ser um veiculo capaz de resgatar o nosso passado, a nossa cultura, a nossa História, para que as novas gerações e os que nos visitam, aprendam um pouco mais sobre esse país. Porém, sabendo nós que a politica entranha-se em quase tudo nessa terra, como pode este carnaval ser um “meter de dedos em certas feridas” se a maior fatia do financiamento dos grupos vem do Estado, dos poderes central e local? Como mexer com o status quo quando se é financeiramente dependente? Entretanto, uma delegação composta por representantes dos grupos e encabeçada pelo presidente da autarquia mindelense foi ao Rio de Janeiro, assistir ao desfile das escolas campeãs do carnaval carioca. Pode ser que dê para entenderem que o carnaval é a expressão do povo. E como é carnaval, não se deve levar a mal.

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