Por: José Pedro Oliveira
Estando em Democracia, você pode livremente opinar em contrário, mas minha convicção é de que nunca o país esteve tão bem governado, apesar de pormenores que devem e têm de ser acautelados e acertados. Aqueles que manifestam, provando como é bom usar a liberdade, infelizmente ferem essa mesma liberdade, pela madrugada, vandalizando as obras do povo resultantes de uma boa e ocasional governação. A isso poder-se-ia chamar, sem qualquer dúvida, de “obra de alguns (poucos felizmente) anti-democráticos no gozo irracional dos frutos da democracia”.
Coisas da Democracia que o próprio Platão já observava em Atenas!
Mas com este manifesto aumento da vivência democrática, nas nossas ilhas, e com a aproximação de mais um período de consulta aos cidadãos, é também minha previsão de que a nível das autárquicas e das legislativas muito pouca coisa deverá mudar. Então, as presidenciais poderiam e deveriam sair da tradicional polarização para trazer ganhos enormes à democracia nestes tempos em que a classe política, também em Cabo Verde, vem experimentando muitas dificuldades e mostrando inaptidão em criatividade para acompanhar as normais e legítimas exigências das populações da era digital.
Por exemplo, na minha opinião, a tentativa de se copiar o figurino das primárias (USA) dentro de cada partido, paradoxalmente, reduz significativamente a utilidade da vontade do cidadão/eleitor pois no final ele fica com apenas duas opções que foram filtradas, sem sua participação, apenas por alguns dos mais influentes militantes de cada um dos partidos.
No caso de Cabo Verde, esse cidadão/eleitor poderia ter a hipótese de escolher entre 10 ou mais candidatos oriundos dos dois quadrantes partidários dominantes mais algum outro não enquadrado ideologicamente: do lado do MpD, que viessem o Carlos, o Jorge, a Helena, o Eurico, …. e do do PAICV, o JMN, o Felisberto, a Cristina, o Aristides, …. e do lado da espontaneidade, o Manel, o Juquim, a Joana, o Jacinto…. Permitindo ao menos uma vez, entre as três consultas populares, que fosse da responsabilidade directa do cidadão/eleitor a triagem para uma segunda volta do pleito.
Mas, infelizmente, sabemos bem lá no fundo que nada disso será posto ao sabor do cidadão/eleitor porque no interior dos partidos a democracia tende a tornar-se diminuta quando se desencadeia a luta pelo apoio formal do partido, seja qual for, e a utilização de “armas” pouco convencionais, entre “compagnons de route”, vai se tornando cada vez mais agressiva com a aproximação dessa provável bênção partidária, sem a qual a grande maioria não ousaria se apresentar ao plebiscito. Aliás, nesta nossa jovem democracia, já tivemos alguns exemplos bem elucidativos e, talvez tenha sido por aí que a polarização assentou profundamente seus arraiais. Passou-se a mensagem, esperemos que não definitiva, de que um candidato a PR só será vencedor se contar com a graça de uma bandeira verde ou amarela. Para ser o guardião da AZUL de todos nós! É interessante, não é?
Pois, é neste ponto que continuo achando que os partidos e respectivas lideranças jogariam uma grande cartada a favor da Democracia, assumindo o compromisso com o povo de não indicar o apoio formal a qualquer candidato. Quem sabe, se em liberdade total, não viéssemos a ter um embate final na segunda volta, inédita, entre duas mulheres?
Todavia, esquecendo o género, e reentrando na realidade nua e crua dos interesses estritamente partidários, castradores da liberdade que tanto propalam, essa selecção com ou sem primárias irá determinar dois homens para disputar o cargo de mais alto magistrado da Nação, presidente de todos os cabo-verdianos, sem que estes tenham tido sequer uma palavra para influenciar a nomeação de candidatos à tal disputa.
Ao fim e ao cabo, a sociedade restringe-se à vontade dos dois maiores partidos que lançam para a arena os directos representantes nascidos de jogadas alheias ao destinatário povo. E o que se ganha ou se perde?
Primeiro, garantia da unidade interna – as lideranças dos partidos ficariam a ganhar se não tivessem essa batata quente, às vezes muito quente, capaz de provocar algum desgaste interno ou mesmo fracturas sérias – que o diga o PAI que até hoje não se recompôs do desajeitado processo das presidenciais 2011.
Segundo, e fosse qual fosse a escolha popular, com maior ou menor influência das máquinas partidárias, outra vantagem seria no pós-eleição em que, durante o mandato ora conquistado, o diálogo PR/qualquer liderança partidária estaria naturalmente facilitado por não ter havido confronto directo partido A ou B versus candidato que se tornou PR de todos os cabo-verdianos.
Concluindo, maior democracia vivenciada, mais liberdade e independência de actuação ao cidadão/eleitor, menos fricções internas nos aparelhos partidários e maior harmonia sócio política proveniente do clima cordial e da confiança estabelecida entre o mais alto magistrado da Nação e a classe política que teria menos razões de duvidar de sua imparcialidade na arbitragem desse jogo que, felizmente, o sistema democrático mantém vivo e competitivo.
As coisas da Democracia devem ter sempre em conta que as ameaças ao sistema estão contidas na própria democracia e no seu exercício principalmente no interior dos partidos que a enformam e a suportam.