PUB

Opinião

A deriva da política externa

Por: Mário Matos

A CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) esteve reunida nos dia 29 p.p. em Cimeira de Chefes de Estado e de Governo. Na agenda, temas de elevada oportunidade e importância, entre os quais a análise da situação política na região, o terrorismo como uma das maiores ameaças à estabilidade, à integridade territorial e à união em alguns países, a crise política na Guiné-Bissau e a Moeda Única da Comunidade.

Cabo Verde primou por uma representação com baixo poder negocial e de influenciação. Tanto quanto foi-nos dado saber, chefiou a nossa delegação o Ministro- Adjunto do Primeiro-ministro para a Integração Regional. Sem desprimor por esse membro do Governo, numa Cimeira desse nível, ademais cujos Estados membros da Organização são, na sua quase totalidade, regimes presidencialistas, uma delegação como a que representou Cabo Verde, tem reduzida probabilidade de afirmar posições, influenciar e negociar, mormente em dossiers de tamanha importância e acuidade.

Recorde-se que, no concernente à Guiné-Bissau, a CEDEAO tinha colocado o PR José Mário Vaz perante um calendário que o mesmo não cumpriu. Este viu-se recentemente destituído do cargo por votação parlamentar e, assim mesmo, terá participado na Cimeira.

Na declaração final da Cimeira, entre outras recomendações como o alargamento por mais seis meses do calendário da permanência do contingente militar da CEDEAO, ECOMIG (sigla em inglês), para continuar a assegurar a estabilidade, optou-se pela manutenção de José Mário Vaz na função presidencial até o empossamento do próximo PR, mas deixando a gestão integral da governação ao novo governo; estipulou-se a data de 3 do corrente para que o mesmo dê posse ao novo Governo apresentado pelo PM, Aristides Gomes, e nomeie o novo Procurador-Geral da República, mediante consenso entre o PR e a nova Maioria.

O nosso Presidente da República que, com a actual Maioria, passou a chefiar as delegações às Cimeiras de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade, esteve no Sal a participar no Festival “Literatura Mundo”, cuja abertura presidiu, tendo igualmente tomado parte numa das mesas redondas do evento. Assegurou, contudo, que vem seguindo com atenção o desenrolar da crise na Guiné-Bissau…

Registe-se que o PR parece estar “de mal” com a CEDEAO, desde o desaire da Cimeira para a eleição da Presidência da Comissão.

Do Primeiro-ministro não soubemos a agenda que, certamente terá sido considerada pelo próprio e pelos seus conselheiros, mais importante que a Cimeira. Quanto ao

Ministro dos Negócios Estrangeiros, “kel óki bentu pánha pilon, balaiu k’ó pergunta pa el”…

Cabo Verde detém a presidência em exercício da CPLP. Cabo Verde e a Guiné-Bissau são membros da CPLP  (Comunidade dos Países da Língua Portuguesa) e da CEDEAO.

Como entender esse posicionamento das mais altas autoridades cabo-verdianas?

Que relatório ou informações prestarão aos seus pares na CPLP sobre o “caso” Guiné- Bissau para além do “estamos preocupados” que o MNEC de Cabo Verde respondeu numa entrevista dada a uma rádio aquando da recente cerimónia da segunda condecoração que o Brasil achou por bem lhe agraciar? O senhor MNEC elidiu a responder se reconhecia o PR da Guiné-Bissau como legítimo, atendendo as recentes deliberações no Parlamento guineense, com uma inusitada e inócua “resposta” de que ia ter um encontro com “alguns” dos Ministros da CPLP, depreende-se, dos Negócios Estrangeiros, para decidirem que fazer…

O outro ponto da agenda da Cimeira era a decisão sobre a moeda única que, parece, tem 2020 como prazo para entrar em vigor, com o cepticismo dos analistas económicos e políticos. Cabo Verde não está interessado a aderir a essa moeda, por estar ligado ao Euro através de um Acordo de Cooperação Cambial, com um peg fixo, desde os anos 90, e que tem funcionado bem. Mas, a diferenciação da posição de Cabo Verde exige, do nosso lado, um player ao mais alto nível, com competência de decisão e, repita-se, capacidade negocial e de influenciação. Aliás, a nossa posição certamente estará a ser trabalhada através da habitual rede de contactos inter pares, com muita antecedência. Pelo menos essa é uma das lições que os actuais titulares de cargos políticos terão extraído do desaire anterior.

Que mensagem Cabo Verde, ou melhor, esses altos dirigentes querem passar à CEDEAO, à CPLP e à UE? Será que para os mesmos ainda não está claro o “efeito sistémico” da nossa participação simultânea nessas organizações regionais e a nossa relação com a União Europeia?

Estarão em desacordo com o facto da relevância de Cabo Verde junto da UE depender sobretudo da sua condição de membro da CEDEAO? Onde fica o badalado “objectivo estratégico” de “Cabo Verde plataforma logística” e de transacções várias entre os três Continentes?

Os nossos dirigentes, com esses sinais de afastamento de África, tiveram em conta as teses e previsões de Carlos Lopes ex-Presidente da Comissão Económica da ONU para África, e da posição do do ex-Subdirector-geral do FMI, Min Zhu, que vaticinam um futuro extraordinário para África nos próximos tempos? Queremos voluntariamente perder esse comboio? Para servir que interesses? Ou será por mero amadorismo e preconceito?

A nossa Diplomacia não merece isso! A credibilidade, a boa imagem e o bom-nome de Cabo Verde, conquistados a duras penas e por um empenho extraordinário da nossa Diplomacia, exigem dirigentes à altura e não amadorismo e imaturidade na política externa que, é preciso dizê-lo, chega a tocar as raias da irresponsabilidade.

marzim54@gmail.com

PUB

PUB

PUB

To Top