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Opinião

Nós…a nossa história…e o dever de memória

Por: Carlos Carvalho

A história.

Nascemos há quinhentos e poucos anos.

A maior parte desses quinhentos anos, vivemos, maioritariamente, numa sociedade esclavagista. Assim sendo, querendo ou não, é inegável que somos descendentes de escravos.

Nesses quinhentos anos, os nossos antepassados sofreram as agruras dessa sociedade: trabalhos forçados, castigos corporais, violações, entre outras.

Do séc. XV, quando historicamente passamos a constar para a humanidade, até praticamente finais do séc. XX, vivemos o drama da seca, da fome, das mortandades, da emigração, etc.

Alguns de nossos mais velhos, ainda vivos, assistiram ao último triste episódio de nossa história, o desastre da assistência que ceifou a vida de centenas de pessoas.

Apesar de tudo o que passamos, resistimos. As cabras nos ensinaram a comer pedra para não perecermos, como “cantou” um dos nossos poetas.

“Construímos” a nossa própria história e a nossa cultura.

“Fabricamos” uma língua que, apesar do paradoxo da vergonha que, ao que parece, sentimos em torna-la nacional, é a nossa herança maior, pois, nos identifica onde quer que estejamos.

Nesses cinco séculos de muito sofrimento, houve sempre cabo-verdianos que não se calaram, que se rebelaram contra o status quo vigente. Tivemos os nossos vadios ou badios, tivemos os nossos quilombos e tivemos os nossos rabeladus (A nosso ver, a história dos “rabeladus” ainda não foi bem contada. Dela, um dia, faremos nossa leitura).

Como acontece em cada história, há sempre uns que acabam por assumir o papel de líderes, movidos pelo objetivo mudar o estado das coisas quando elas não se coadunam com os anseios tidos como prioritárias para todo um coletivo. Esses líderes acabam, naturalmente, por se tornar heróis de uma maioria sofredora, regra geral, muda… conformada.

No entanto, convém não esquecer que esses heróis têm também seus detratores! Uns mais cunfiadu do que outros, mas…Faz parte da história

Não sendo diferentes de nenhum povo no mundo, também tivemos nossos heróis, vários heróis em vários momentos, na maior parte das vezes desconhecidos da maioria.

Mas há um que se destaca dos demais. Esse herói é conhecido de todos, podendo até nem ser aceite por alguns. Amilcar Cabral. Um ser humano com suas virtudes e defeitos, como qualquer outro. A diferença é que ele se via como “um simples africano que quis saldar sua dívida para com seu povo e viver sua época”.

No saldar de sua dívida para com seu povo, esse herói até acabou por pagar com sua própria vida para que todos, hoje, pudéssemos viver livres e independentes. Livres, até para questionarmos se valeu a pena sermos livres e donos de nosso próprio destino!

Esse herói-maior foi Cabral.

O Dever de Memória … ou o reconhecimento 

Todos os anos, os Europeus Ocidentais comemoram, com pompa e circunstância, o dia 6 de Junho, o Dia D, dia em que os aliados desembarcaram na praia da Normandia, dando início a libertação da parte Ocidental da Europa, conquistada e dominada pelo exército de Hitler, naquele que a história registou para sempre como a 2a guerra mundial. O dia 6 é assumida, sem mínima contestação, e celebrada como o Dia da Libertação da Europa.

Já os Russos, ex-soviéticos, comemoram o 8 de Maio como um dos Dias mais importantes de sua história, pois, marcou o fim da 2a Guerra Mundial, com o suicídio de Hitler e a consequente rendição de suas tropas.

Nestes dias, ano entra ano sai, vê-se o reconhecimento pelos feitos daqueles que, duma forma ou doutra, nas frentes de combate ou na retaguarda, combateram pela liberdade da Europa. É bonito ver os heróis serem tratados com a dignidade merecida de quem efetivamente combateu pela libertação da Europa.

Nós e a nossa história.

No nosso burgozinho, amiúde, aparece um “político” ou um “intelectual” a vilipendiar a imagem do nosso herói maior e daqueles que com ele lutaram pela nossa liberdade, independência e dignidade.

Normalmente, estribados na suposta convicção de serem os detentores da verdade histórica, de uma história que, na verdade, pouco e poucos conhecem, sobem na stribu e resolvem despejar argumentações alegadamente bem fundamentadas que chegam até a conseguir audiência junto de plateias menos esclarecidas.

Perguntamos: qual o porquê desta rasteira campanha contra a figura de Cabral e de outros heróis!?

Uma análise, não necessariamente aprofundada, leva a concluir, dentre muitas outras coisas, que muitos de nós, armados em políticos e intelectuais, ou NÃO CONHECEM ou fingem ignorar a nossa história; muitos não sabem ou fingem ignorar que vivemos a maior parte de nossa história na condição de escravos ou na condição de cidadãos de segunda; não sabem ou fingem não saber que se ganhamos dignidade de ser humano normal foi graças a luta protagonizada por homens que resolveram abdicar das benesses de cidadãos de segunda para nos possibilitar ser donos de nosso próprio destino.

Se hoje somos uma Nação e um Estado reconhecidos pelo mundo foi graças a esses heróis.

Se hoje temos um Presidente, um Governo, uma Assembleia, com toda a casta de Senhores Deputados, foi graças a esses heróis.

Foi este o pecado original de Cabral e de seus companheiros de luta.

A ingratidão do povo (ou de alguns)!?

Não!! Não posso acreditar na ingratidão de teu povo, Cabral! Este povo sofredor que ajudaste a tirar do sofrimento e da escuridão não pode ser ingrato!!

Não, Cabral! Este povo não pode ser ingrato, pois, na tua luta estiveram homens de S. Antão à Brava que abdicaram de tudo para, a teu lado, nos libertar das amarras do poder colonial.

Poucos?? Sim!! Mas, estiveram!! Em todas as frentes!!

Honra a vós todos!!

Herói-Cabral, em relação à teus detractores, faça como Cristo… Perdoai-lhes que não sabem (ou fingem não saber) o que fazem ou o que dizem, pois, o mundo inteiro rendeu-se a teus pés.

O mundo inteiro sabe que homens, com H como tu, não nascem todos os dias. O  mundo inteiro sabe e  coloca-te ao lado de grandes homens que o séc. XX pariu: Mandela, Gandhi, Nehru, King, só para citar alguns dos mais ilustres.     

Mas, foste mortal! Claro!! Foste um comum mortal! Não foste isento de erros, nem de culpas! Aliás, ao que parece, só Cristo não pecou! Mas nem Ele esteve isento de recriminações… por isso mesmo, foi crucificado.

Concluindo

Só a ignorância de nossa história nos pode levar ao desrespeito à figura do herói-maior e de seus companheiros que lutaram pela independência do nosso país.

Aproxima-se mais um 5 de Julho, dia de nossa independência. Normalmente, num qualquer país normal, o dia da independência é o dia da celebração com honra dos feitos daqueles que em todas as frentes sacrificaram por essa independência.

Sonho, ainda, um dia ver, num 5 de Julho qualquer, ser inaugurado um verdadeiro memorial em honra à todos os que, duma forma ou doutra combateram pela dignidade e independência deste povo.

E … Senhor! nos perdoe … e nos dê ciência para pararmos de questionar se valeu a pena sermos donos de nosso próprio destino!!

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