A lista “positiva” de pesticidas/agrotóxicos autorizados no país data de Fevereiro de 2012 e foi elaborada pela Direcção Geral da Agricultura, Silvicultura e Pecuária. A lista contém insecticidas, fungicidas, acaricidas e ainda “diversos” para combate de moluscicidas e raticidas.
Ao todo, são 87 pesticidas homologados como produtos fitossanitários autorizados para tratamento agrícola no país. Em teoria, essa lista informa sobre a toxicidade, a quantidade de produto a ser utilizado, por cada 10 litros de água, como deve ser feito o modo de aplicação, quais as pragas e doenças que combate e quais as culturas a que se destina. Mais importante, a lista indica o intervalo de segurança que os agricultores devem respeitar. Ou seja, o tempo que devem esperar entre o tratamento e a colheita para consumo.
Na prática, porém, quer a quantidade colocada de insecticida, quer o intervalo de segurança são deixados nas mãos dos agricultores. E é aqui que as coisas começam a complicar. Pois, como A NAÇÃO sabe, os agricultores usam os insecticidas “como bem intendem”, contrariando, muitas vezes, as indicações do Ministério da Agricultura Ambiente (MAA).
Questionado, o técnico Celestino Tavares garante que os agricultores “recebem assistência técnica dos extensionistas que estão nas delegações do MAA”, espalhadas pelo país, num total de 13. Esse responsável remete ainda para as “principais infirmações” da lista “positiva” que deviam ser cumpridas pelos agricultores. Mas, da teoria à prática, vai uma grande diferença.
“O que muitas vezes acontece é que os agricultores fazem tratamento e depois aparecem as rabidantes e vendem produtos sem respeitar o intervalo de segurança. Outras vezes utilizam um pesticida não para o fim recomendado”, admite.
Sem LMR
Consciente da necessidade de um maior controlo sobre a quantidade de pesticidas presentes nos hortícolas, Tavares defende que “na verdade”, “o controlo do LMR (limite máximo de resíduo) deveria ser feito de forma sistemática, durante todo o ano, o que não se verifica em Cabo Verde”.
Segundo esse técnico “a nossa lei”, ou seja, “o Decreto lei nº26/97 é omisso” em relação ao LMR. Mas o país segue o LMR do CODEX Alimentarius e possui ainda uma Comissão Nacional do Codex Alimentarius (CNCA). Tavares reforça que “a única maneira de saber se os agricultores respeitam o intervalo de segurança é através do LMR, razão pela qual defendemos que isso deve ser feito de forma sistemática”.
Apesar da ausência desse controlo sistemático do LMR, Cabo Verde tem realizado alguns controlos. Um, em 2012, com apoio da FAO, sobre os produtos vegetais e animais das ilhas de Santiago, Fogo, Santo Antão e São Vicente e, outro, em 2014 e 2015, que envolveu a ARFA e MAA, através de um projeto regional da Macaronésia, conhecido como o PERVEMAC, que visa analisar os níveis de pesticidas em produtos vegetais produzidos no país e importados.
Mais recentemente, em 2017 e 2018, Celestino Tavares revela que a ARFA e MAA, através do projecto PERVEMAC 2, realizaram alguns controlos e que, de uma forma geral, as conclusões são positivas. “Os resultados mostraram que os produtos nacionais têm, de longe, menos resíduos de que os produtos importados e que os resíduos dos pesticidas autorizados estão todos abaixo dos respetivos LMR”, de cada produto.
Detectados pesticidas não autorizados
Porém, em relação aos hortícolas nacionais, foram encontrados resíduos de dois pesticidas – Dimetoato e Ometoato – que não estão autorizados no país. “Isto significa que existe uma introdução e utilização fraudulentas de pesticidas. No entanto, como as amostras foram recolhidas no mercado não foi possível identificar o produtor”, constata Tavares.
Questionado sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos por parte de alguns agricultores, especialmente, em Santiago, Tavares desvaloriza: “Tecnicamente essa informação não tem nenhum fundamento. A verdade é que cada vez que uma nova praga entra em Cabo Verde isso coloca mais desafios ao MAA e aos agricultores. E nesses caso os agricultores são obrigados a utilizar mais pesticidas”.
A título de exemplo, um dos casos mais recentes e que foi tratado pelo A NAÇÃO (Nº 603, “Agricultores utilizam agrotóxicos desaconselhados pelo INIDA”) foi o surgimento da “cochonilha farinhenta”, uma praga que atacou sobretudo as papaieiras. Neste caso, como denunciamos alguns agricultores chegaram a utilizar uma substância química, conhecida como remédio das ninjas (comprado nas lojas chinesas) para combater essa praga. Um produto que não é aconselhado para uso agrícola. Este semanário sabe ainda que há alguns agricultores em Santiago que estão a fazer misturas de agrotóxicos, como, por exemplo, do Turex com DECIS, o que segundo um especialista “é extremamente perigoso para a saúde humana”.
Gestão de Pesticidas precisa-se
Informações facultadas ainda por Celestino Tavares mostram que no país ainda há delegações e/ou técnicos do MAA envolvidos na comercialização de pesticidas e que as próprias autoridades têm dificuldade em combater a importação e comercialização “fraudulentas” de pesticidas. O país também não dispõe de um Comité Nacional de Gestão de Pesticidas, que poderia servir para uma fiscalização mais sistemática.
Em suma, como ficou patente, não há um dispositivo permanente de verificação de resíduos de pesticidas sobre os hortícolas nacionais. Algo que precisa ser revisto, com urgência, pois, a nível mundial, está provado que o consumo contínuo, e em excesso, de agrotóxicos pode causar câncer, sendo os mais comuns da mama, cerebral, pulmonar e da próstata. Em Cabo Verde não há ainda (ou se existem não foram tornados públicos) estudos sobre o impacto do consumo ou exposição aos agro-tóxicos na saúde pública, nem a sua relação com o aumento de casos de cancro no país.
GC
(Publicado no A NAÇÃO impresso, nº 615, de 13 de Junho de 2019)