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Sociedade

Clero e fiéis no adeus a Dom Paulino Livramento Évora, Bispo Emérito de Santiago de Cabo Verde: Uma figura marcante e incontornável na “renovação da Igreja”

Pró-Catedral foi pequena demais para acomodar a quantidade de gente que participou, na manhã de quarta-feira, 19, na Missa Exequial do Bispo Emérito de Santiago, Dom Paulino Livramento Évora, rezada na Igreja de Nossa Senhora da Graça, no Platô (na Cidade da Praia).

Entre os participantes na Eucaristia, presidida pelo Cardeal Dom Arlindo Furtado, estiveram os bispos de Mindelo, de Bissau (na Guiné-Bissau) e de Dacar (no Senegal), respectivamente, Ildo Fortes, Pedro Zilli e Benjamim Indjaie, dezenas de padres e diáconos, membros de diversas congregações religiosas e fiéis, além de autoridades civis e personalidades do mundo da Política, Justiça e Cultura.

Os restos mortais de Dom Paulino Évora repousam, temporariamente, dentro da Igreja de Nossa Senhora da Graça, num jazigo preparado para o efeito, do lado esquerdo do altar (para quem entra), mais concretamente, defronte ao ambão e “vigiado” pela imagem do Sagrado Coração de Jesus.

O Governo decretou Luto Nacional de dois dias e Tolerância de Ponto aos funcionários do Estado, dos Institutos Públicos e das Autarquias Locais na ilha de Santiago, no dia 19, por forma a permitir a participação dos fiéis na cerimónia das exéquias fúnebres.

 Diligências

 Para ser sepultado na Pró-Catedral, a Diocese de Santiago fez articulações com as autoridades civis, com destaque para as sanitárias e camarárias, de modo a que, em respeito pelo consagrado no Direito Canónico, se fizesse o sepultamento fora do Cemitério Municipal. Aliás, inicialmente, chegou a ser anunciado para o “Campo Santo” da Várzea da Companhia. 

“Nas igrejas não se sepultam cadáveres, a não ser que se trate do Romano Pontífice, dos Cardeais ou dos Bispos diocesanos, mesmo eméritos, que devem ser sepultados na igreja própria”, explica, em Comunicado, a Diocese de Santiago, pastoreada pelo Cardeal Dom Arlindo Furtado.

Este remarcou que, “de facto, os bispos que morreram e foram sepultados em Cabo Verde estão alguns na Sé Catedral de Santiago de Cabo Verde, e na própria Igreja de Nossa Senhora do Rosário sita na Ribeira Grande Santiago” (Cidade Velha, na hoje Paróquia de Santíssimo Nome de Jesus).

Entretanto, Dom Arlindo já fez saber que será um sepultamento provisório, pois que, futuramente, os restos mortais de Dom Paulino poderão ser transladados para a tão almejada Sé Catedral.

O Bispo Emérito de Santiago faleceu a meio da manhã de domingo, 16 – no Dia da Solenidade da Santíssima Trindade – , no Convento (Residência) das Irmãs Franciscanas “Imaculada Conceição”, na Achada de Santo António (na Paróquia de Nossa Senhora do Socorro), vítima de doença prolongada.

Deixou o mundo dos vivos a seis dias de fechar 88 anos de vida e a 44 de celebrar a entrada triunfal na Diocese de Santiago de Cabo Verde, enquanto Bispo, em 1975.

O seu corpo esteve a ser velado até à tarde terça-feira, 18, no local onde faleceu, de onde seguiu para a Pró-Catedral (no Platô), onde ficou em câmara ardente, seguida da Oração de Vésperas e Missa de Sufrágio.

  Reacções…

 A Diocese de Santiago lamentou a morte do Bispo Emérito, que “dedicou sua vida ao serviço da Igreja e de Cabo Verde”, reconhecendo nele “uma figura marcante na renovação da Igreja em Cabo Verde pós-Independência”.

Dom Arlindo cognomina o seu antecessor como “o Bispo da Independência”, que ajudou “a construir uma Sociedade imbuída de valores cristãos, e em ambientes “particularmente difíceis”, tanto em termos políticos, ideológicos, como culturais e religiosos. “Sentimos uma perda enorme”, destaca o primeiro Cardeal de Cabo Verde (e ainda único!), também ele, Bispo de Santiago, notando que a última vez que a Diocese de Santiago perdeu um Bispo foi em 1847.

Os chefes de Estado e do Governo, respectivamente, Jorge Carlos Fonseca e Ulisses Correia e Silva – que até suspendeu uma visita oficial à Ilha de São Nicolau – , partidos políticos e várias personalidades lamentaram o passamento de Dom Paulino.

“Cabo Verde perde uma personalidade que teve uma importância crucial na afirmação da Igreja Católica em Cabo Verde, figura de referência na missão de Evangelização da Igreja”, destaca Fonseca, citado pela Inforpress.

Por sua vez, Correia e Silva considera que  foi “um homem discreto, sereno e uma personalidade muito forte e marcante, cujo pensamento contribuiu inegavelmente para um certo percurso que o País teve”.

O Presidente da Assembleia Nacional releva que “o momento é de luto e também para recordar os feitos positivos e todo o projecto de evolução da Igreja Católica conseguidos com o contributo do Bispo Paulino Évora”.

O Governo decretou dois dias de Luto Nacional, a partir de segunda-feira, 17.

Desacertos e… polémicas

O consulado de Dom Paulino foi marcado por vários acertos, mas, também, por desacertos, polémicas e…também, talvez, por incompreensões por parte de alguns dos seus interlocutores, que o viam como uma “pessoa dura, controversa e polémica”.

Os que privaram de perto com Livramento Évora, rebatem os seus detractores, sustentando que foi a “sua frontalidade”, “clareza, independência de pensamento e de actuação” que lhe valeram, em alguns círculos, “esses falsos e injustos epítetos”.

A este propósito, na sua Rede Social no “Facebook”, o antigo Primeiro-Ministro, José Maria Neves (JMN), confessa que se rejubilou “de alegria, quando, nas vésperas da Independência”, Dom Paulino foi nomeado Bispo pelo Papa Paulo VI, e que como “primeiro Bispo cabo-verdiano, veio trazer-nos a mensagem da libertação”.

JMN nota, no entanto, que nem sempre estiveram de acordo, mas que sempre falaram com “muita sinceridade e respeito mútuo”.

“Foi assim, em 2000, quando fui eleito presidente do PAICV, foi assim durante todo o tempo em que exerci as funções de Primeiro-Ministro e ele de Bispo de Santiago de Cabo Verde”, revela.

Contudo, a polémica maior no episcopado de Dom Paulino é a que ficou “tristemente baptizada” pelo  “Caso das Profanações de Lugares de Culto e de Quebras de Santos”, ocorridas na década de 1990 – do século passado – , que até ainda faltam esclarecer muitos meandros.

 Revisitação

 Numa entrevista ao jornal “Terra Nova”, de Setembro de 2015, Dom Paulino “nega ter sido um Bispo interventivo”, afirmando que, aquando da sua chegada a Cabo Verde, em Junho de 1975, “o imperativo era a Evangelização”. Crítico (re)conhecido do Regime de Partido Único (que vigorou entre 1975 a 1991), questionado por aquela publicação de orientação cristã, sobre se tinha ou não “tendência partidária”, respondeu: “A filhação partidária é um perigo que nunca deixa evangelizar”.

Na mesma entrevista, revela que deixou “de votar porque as eleições foram feitas de tal maneira para eles se perpetuarem lá”.
E acrescenta, a modos de questionamento: “Quantas corrupções foram feitas em todas as eleições? Em todas elas. Quem é o responsável disto? Eu não. Tiraram uma estrela e colocaram dez. Tiraram o artigo quarto e houve aquela transição apenas”.  

 
 

Pinceladas biográficas

-Nascimento: Cidade da Praia, a 22 de Junho de 1931;

-Pais: Maria do Livramento Ramos Évora e João Sátiro Évora;

-Nome de Baptismo: Paulino Livramento Évora;

-Partida Para Portugal: 25 de Agosto de 1949;

-Tomada do hábito religioso: No Dia da Festa do Corpo de Deus (em 1954);

-Profissão Religiosa: 08 de Setembro de 1957;

-Votos perpétuos: 09 de Setembro de 1960;

-Ordenação Presbiteral: 16 de Dezembro de 1962;

-Missa nova em Cabo Verde: 04 de Agosto de 1963;

-Funções em Portugal: Vice-Director e Professor no Seminário de Fraião (Braga, de 1963 a 1965);

-Partida para Angola: 08 de Setembro de 1965. Trabalha na Missão de ex-Duque de Bragança (actual Calandula,  Diocese de Malange);

-Férias em Cabo Verde: 1970. Trabalha como vigário-cooperador na Paróquia de Santa Catarina (Ilha de Santiago);

-Vai para Cacuso (Malange, Angola): 1972 a 1975;

-Eleito Bispo de Cabo Verde : 21 de Abril de 1975;

-Ordenação Episcopal: Cacuso, Angola, a 01 de Junho de 1975 (Sob o lema: “‘N mandado da nhôs noba di Deus djunto ku notícia di libertaçon”); e

-Entrada na Diocese e tomada de posse: 22 de Junho de 1975.

Datas e Eventos Marcantes no seu Episcopado 

.Assembleias Diocesanas: 1977, 1983 e1989;

.Duas assembleias diocesanas de Jovens;

.Acolheu a Visita do Papa João Paulo II: 25 a 27 de Janeiro de 1990;

.Grande Missa do Jubileu do Ano 2000: Quebra-Canela, Praia: 26 de Março de 2000;

.Peregrinação Diocesana durante a qual celebra os 25 anos de Ordenação Episcopal: 18 de Junho de 2000, Santa Catarina (Ilha de Santiago);

.Ordenou todos os padres diocesanos que agora estão na Diocese de Santiago e alguns da Diocese de Mindelo;

.Era o decano dos Bispos da Conferência Episcopal: Da qual  fazem parte Senegal, Mauritânia, Guiné-Bissau e Cabo Verde; e

.Foi o Bispo que ordenou o actual Bispo da Diocese de  Bissau, Dom José Camnate, Dom Arlindo Furtado,  actual Bispo da Diocese de Santiago de Cabo Verde e co-ordenante do Bispo Dom Teodoro Tavares (que missiona no Brasil).

(Fonte: “Facebook” da Diocese de Santiago de Cabo Verde)

 
AS
(Publicado no A NAÇÃO impresso, nº 616, de 20 de Junho de 2019)

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