A comunidade portuguesa em Cabo Verde está pela primeira vez organizada numa associação que, quase sempre a pretexto de assistir a uma partida de futebol, se reúne para saborear a gastronomia lusitana e partilhar saudades.
Na cidade da Praia, a Associação Recreativa dos Portugueses em Santiago (ARPS) está a dar os primeiros passos, numa tentativa de juntar os portugueses que, até agora, se reuniam em cafés e restaurantes, sem um espaço próprio onde pudessem fazer o que mais gostam: comer e conversar.
Em Cabo Verde residem 21.553 portugueses e o objetivo da associação é “reunir as pessoas, no âmbito recreativo e cultural”.
Uma das maiores impulsionadoras desta organização e vice-presidente cultural da ARPS, Helena Amante, explicou à agência Lusa que a associação propõe-se ser “aglutinadora dos portugueses a residir na Praia e na ilha de Santiago, porque era um espaço que não existia”.
Para Helena Amante, em Cabo Verde há oito anos e sem vontade de regressar, a dificuldade em juntar os emigrantes portugueses deve-se às suas características: “É complicado porque há pessoas que já estão cá há muito tempo, outras passam em missões muito limitadas, outras vêm e vão-se embora depressa”.
Com uma direção composta maioritariamente por mulheres que “quando metem uma coisa na cabeça não esquecem”, a associação já dispõe de um espaço próprio na capital e a Lusa foi assistir a um encontro que, tal como outros, teve como pretexto assistir ao jogo de futebol Portugal-Suíça, cuja vitória portuguesa alegrou os convivas.
Bifanas, salada de orelha e moelas não pararam de sair durante o jogo, acompanhadas de cerveja fresca de uma marca portuguesa.
A decoração, com camisolas do Benfica, do Sporting, do Porto e da Seleção Nacional, expostas na parede, ficou mais completa com as bandeiras de Portugal que, entretanto, foram chegando pelas mãos dos portugueses.
Francisco Gonçalves, professor a viver em Cabo Verde há quase dois anos, chegou animado com uma bandeira verde e vermelha, a qual manteve ao pescoço até ao final da partida.
Comeu salada de orelha e torceu pela seleção lusa. “Hoje somos todos da seleção”, disse à Lusa, reconhecendo que a comunidade portuguesa sente a necessidade de estar com os seus conterrâneos.
“Quando nos juntamos falamos do nosso trabalho e do nosso país, de onde somos e o que fazemos”, referiu, afirmando que à mesa destes convivas não pode faltar um bom petisco e, claro, “falatório”.
As saudades da família e dos amigos vai moendo, mas Francisco Gonçalves já se apaixonou por Cabo Verde. “É como se estivesse a viver numa qualquer vila portuguesa”.
Nesta época do ano, sente a falta das cerejas de Portugal, mas o verão durante todo o ano e a praia compensam.
Ainda esta festa não estava terminada e já outra está marcada no calendário: os Santos Populares.
Na noite de quarta-feira, os manjericos serão de papel, mas a sede da ARPS vai cheirar a sardinha assada, a servir no pão. Do menu vai constar igualmente caldo verde, entremeada e febras, será feita uma quermesse com rifas e o som das marchas populares será a música de fundo.
Se a tradição continuar a ser o que era, não faltará ruído nessa festa, como afirmou a presidente da ARPS, Marta Fonseca, para quem num convívio português o que não falta é barulho.
Em Cabo Verde há 15 anos, a empresária afirma que o futebol une mais os portugueses do que os separa, apesar de a associação ter sócios de vários clubes.
Em comum, têm o facto de serem “um excelente garfo” e por isso, na hora de cozinhar, ninguém quer ficar aquém das expectativas dos convidados.
Questionada sobre o que ofereceria ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, se estes visitassem a associação, Marta Fonseca não hesitou: “Um bom caldo verde e uma boa bifana”.
“E diria que esta é também a casa deles. É a casa dos portugueses”, acrescentou.
Sância Lopes é uma das portuguesas há mais tempo em Cabo Verde e também está na direção da ARPS.
“Vim para cá em 1968, com os meus pais. Já vi um pouco de tudo. Cresci com este país, do qual tenho saudades quando estou em Portugal e, quando estou cá, tenho saudades de Portugal. É um misto. Não sou nem 100% de Cabo Verde nem 100% portuguesa”, disse à Lusa.
De Cabo Verde sente saudades do clima e de não haver tanto stresse como em Lisboa. De Portugal sofre com a distância e suspira pelos espaços verdes, a música, principalmente o fado, e o teatro.
Sobre este encontro de portugueses, em torno de uma associação que “ainda é um bebé muito pequenino”, Sância Lopes considera que já tardava e que a ideia tem sido bem acolhida, inclusive pelos cabo-verdianos com dupla nacionalidade.
E tem esperança que, para o ano, o próximo Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades seja festejado com ainda mais portugueses, quem sabe num espaço ainda maior, e preferencialmente a ouvir música portuguesa.
“O que nos faz falta é a nossa música, o nosso fado”, disse.
Fonte. Lusa