Por: Mário Alberto Galina Pais*
As reflexões que aqui se apresentam resultam de um conjunto de observações do dia-a-dia e constatadas nos diversos requerimentos para solicitação de serviços prestados pelo Estado, pelos cidadãos no país e na diáspora, de muitas críticas construtivas de imigrantes, etc, do conhecimento da formação que tivemos e das experiências acumuladas no exercício de funções que desempenhamos. Por tudo isso, temos a ousadia de discorrer sobre esta temática.
Para iniciar, começamos por dizer que a grande origem desta crise económico-financeira está no déficit público. Em seguida, no tamanho do governo, que é desajustado para responder os imensuráveis desafios que o país enfrenta, no excesso de funcionários, na proliferação de instituições e entidades que são muitos dos aspetos ora questionados.
Na realidade, e paradoxalmente aliada à crise económico-financeira, deparamos com a debilidade do Estado como administrador, regulador e fiscalizador na exploração desta debilidade por setores, com interesses corporativos, omissos e não confessados.
O Estado não é estático, deve ser bastante sistémico. É o principal indutor e promotor da dinamização de políticas públicas em Cabo Verde. Rodeado de relações inter e intra-multisectorial bastante complexos e opacos, essas relações precisam de ser desbravadas cuidadosamente, com o objectivo de desvendar os conchavos que ocorrem nessas relações e procurar eliminá-los, contê-los ou evitá-los, de modo a transmitir mais confiança, dentre outras atitudes, no sentido de proporcionar o mais amplo entrosamento entre o Estado e o cidadão, para a felicidade e o bem estar da nação.
Este documento tem como intuito pôr a descoberto, de modo sucinto, a intervenção do Estado e o impacto das modernas teorias de organização na estratégia de reforma do Estado, de reconhecer que existem disfunções graves que estão a enfraquecer o Estado atual e propor um Guião para orientar a montagem de um futuro redesenho de um modelo esquematizado dos fatores que estão impedir a eficiência e eficácia do desenvolvimento do papel do Estado Cabo-verdiano. Para isso, entretanto, parece esclarecedor mapear e identificar esses fatores que estragulam o desenvolvimento e propor soluções ascertivas para corrigi-los ou eliminá-los, através da Reforma do Estado como novo modelo de reforma administrativa.
Reeforma do estado: Um novo paradigma
As teorias modernas de organização foram elaboradas em países desenvolvidos e altamente industrializados, sobretudo nos Estados Unidos, e exprimem-se em alguns conceitos teóricos já suficientemente conhecidos e discutidos em Cabo Verde. Recordando Max Weber, que com a sua teoria burocratizou a Administração Pública, torna-se necessário aplicar a filosofia do New Public Manegement (NPM) para dar uma dinâmica nova à Administração Pública, com o compromisso de prestar um serviço de maior qualidade, associado ao New Public Service (NPS) que centra a ideia no cidadão, que é portador ativo de valores, isto é, a Administração Pública deve estar ao serviço do cidadão e da organização para torná-lo mais competitivo. Apesar dos enfoques diferentes de cada uma dessas teorias, a verdade é que elas indicam os seguintes impactos nos modelos organizacionais:
. estabelecem rutura no modelo de organização burocrática, caracterizada pela especialização e impessoalidade dos cargos públicos e estruturas rígidas estabelecidas por função, processo ou clientela;
. dão maior ênfase ao produto ou objetivo da ação final do Estado, ou seja, o conceito de eficácia sobrepondo-se ao de eficiência;
. preconizam tipos de organizações flexíveis e adaptáveis, sem muitos riscos ou carentes de subordinação hierárquica, como é o caso da organização matricial;
. enfatizam o valor das pessoas em contraposição ao conceito do cargo;
. induzem a uma participação maior dos membros da organização na condução administrativa;
. induzem a um tipo de organização de equipas interdisciplinares; e
. evidenciam a necessidade de melhoria dos membros da organização em termos de profissionalização e preparo para funções de natureza executiva.
Entendemos que as condições básicas que possibilitam e/ou viabilizam a introdução dos novos modelos organizacionais são:
. do ponto de vista organizacional, em que a complexidade do sistema decisório e as mudanças rápidas que estão a ocorrer na sociedade e virados aos avanços tecnológicos, determinam, basicamente, um processo de descentralização maior das organizações e a necessidade de criação de fórmulas de correção dos rumos da organização, com base nos objetivos referidos; e
. do ponto de vista psicológico e sociológico, além do impulso natural de todos os indivíduos no sentido de uma necessidade de reconhecimento e de participação, se deve considerar fatores como tradição cultural, formação profissional e evolução das técnicas gerenciais.
Acreditamos, pois, que existe uma forte tendência de uma rutura radical com o modelo de organização tradicional, direcionando e funcionando o sistema para uma descentralização maior, para o desenvolvimento e uma adoção de técnicas gerenciais caracterizadas por um instrumental que exige bastante sofisticação. No entanto, diante das peculiaridades culturais, a mudança, possivelmente, desenvolver-se-á a partir dos princípios propostos nos novos modelos (já incorporados à prática cabo-verdiana de administração), dentro de um processo adaptativo.
O caminho para galgar a nova Administração Pública é apostar no homem, como cidadão e empreendor, dando-lhe mais espaço e protagonismo, como agente ou funcionário, abrindo-lhe caminhos de maior realização.
Fixados estes pontos de tendência, consideramos que a perseguição do caminho para se chegar a uma nova estratégia de reforma/modernização administrativa teria, em resumo, as seguintes características:
– a reforma (ou outro nome que se queira adotar) acompanharia a programação governamental e estaria voltada para eficácia, sem descuidar dos aspectos de eficiência;
– desta forma, a reforma administrativa deveria ser entendida como um instrumento de viabilização do planeamento, ou seja, instrumento ao serviço da efetivação de planos, programas e projetos que precisam ser bem elaborados e estruturantes;
– o processo decisório da reforma administrativa estaria relativamente descentralizado, pois, a ênfase à eficiência e aos produtos finais exige conhecimentos específicos sobre a área em reorganização, contra-indicando a fórmula centralizadora;
– a atividade da reforma administrativa é complexa e multifuncional porque lida com mudança e exige aplicação interdisciplinar, especialmente, de outras ciências sociais, além da administração;
– do ponto de vista de instrumentação, a ênfase seria no sentido da realização de intensos programas de desenvolvimento sistemático do pessoal, com o objetivo de preparar executivos, planificadores e profissionais especializados, de um modo geral.
Na realidade, a reforma do Estado já se iniciou no país, com a última revisão Constitucional que procurou traduzir os anseios da sociedade cabo-verdiana, em construir um Estado correspondente ao seu nível político, económico e cultural. Cabe-nos agora, após a revisão Constitucional, levar essa reforma à Administração Pública, através da mudança de suas políticas, sistemas e procedimentos. Mas, quando se recrutam indivíduos incompetentes e incapazes apenas para preencher a cadeira, em vez de estar a conduzir a mudança que se procura, o efeito é o contrário, afunda-se, ainda mais, o resgate dessa aspiração.
As disfunções do estado atual
É necessário mapear, detalhadamente, as atuais disfunções do Estado cabo-verdiano e identifacá-las, tais como os exemplos que se seguem, e, inclusive facultando aos cidadãos comum, futuros administradores, interessados pela matéria, estudiosos e autodidactas a compreensão dos instrumentos para sua participação no exercício do controlo do Estado:
– quanto maior for a sua intervenção e mais diversificada a sua atuação, menores serão os graus de manobra do Governo em promover o reordenamento e a racionalização do gasto público;
– redução das despesas e cortar benefícios que se constituem mais em privilégios do que incentivos para melhoria do desempenho;
– a influência dos grupos de interesse torna-se praticamente incompatível com os gastos públicos, criando-se uma inércia orçamental e fiscal que enfraquece a capacidade de intervenção do Governo na promoção de políticas sociais mais ativos e eficazes, voltadas, precisamente, para os segmentos menos capazes de impor, politicamente, o atendimento das necessidades básicas ao Estado.
– muito já se fez, mas continua excessiva a burocratização do setor público;
– por mais que o governo se esforce, ainda continua a ineficácia no planeamento governamental;
– deficiência de mecanismos de implementação, coordenação e avaliação das ações de reforma/modernização das instituições;
– dissociação entre planeamento, modernização e recursos humanos e financeiros;
– atuação pouco integrada e coordenada de instituições ligadas às áreas transversais;
– o governo continua a dar pouca atenção e prioridade à área dos recursos humanos;
– sem polítiquices, pelo amor a Nação Cabo-verdiana, deve-se trabalhar mais e aumentar o nível de competência, no geral;
– proliferação das agências, duplicam-se as funções, aumentam-se os setores do funcionalismo ocioso e/ou pouco qualificados–“Jobs for the boys”;
– o Governo deve ser uma ferramenta perfeitamente adequada à tarefa dos governantes que é pôr em prática uma série de programas e metas que, durante as campanhas eleitorais, utilizou para conquistar a adesão dos cidadãos, gerando um consenso necessário para eleger o partido e os seus dirigentes à condição de mandatários do povo;
– o “saber fazer” e o “saber executar” estão sujeitos a vicissitudes de toda a natureza que acabam resultando na lentidão, em termos de satisfação dos compromissos que os governantes assumiram com a população;
– inadequação da máquina administrativa às exigências de uma sociedade que se quer moderna, dinâmica, saudável e contraditória, que, paradoxalmente, encontra no Estado entraves ao seu desenvolvimento;
. crise económico-financeira contribuíndo para ineficácia na arrecadação e evasão fiscal;
. estamos no Estado de Direito Democrático. O Setor Público, árbitro do conflito distributivo, torna-se um dos seus agentes, seja porque se vê forçado a aumentar a receita tributária, seja porque reforça a reapropriação privada de recursos à sua disposição pelos grupos melhores providos de capacidade de reivindicação, aumentando as desigualdades distributivas ainda mais;
– a precariedade da estrutura Jurídica de definição da ação do Estado, está a levar ao colapso total da administração pública em todos os níveis;
. as empresas públicas são organizações mantidas com recursos públicos mas sujeitas às normas de direito privado. Em alguns casos, essa forma de constituição jurídica e funcional mais a sua generalização, sem uma eficiente estrutura de controlo da administração central, permite a ocorrência de muitos desvios e corrupção;
. os governantes estão com enormes dificuldades de colocar em andamento os seus projetos, limitando-se ao controlo de aplicação dos recursos financeiros que, direta ou indiretamente, são da responsabilidade do Tesouro;
– não há consequência prática do controlo político dos aspetos concretos da atividade do Governo, e de nada adianta o crescimento dos controlos formais, voltados para as contas de um sistema de contabilidade que a tudo encobre sob um emaranhado de elementos de despesas;
Tem muito mais para se dizer e elencar mas, não pretendo esgotá-las.
Uma proposta para reforma do estado
A proposta da Reforma do Estado surgiu a partir do novo papel que o Estado assumiu, rutura quase total com o passado recente, e da necessidade de melhorar a sua capacidade de gestão. Foi, com efeito, a perceção dessa realidade que levou à conceção de amplos programas de Reforma Administrativa a decorrer, com resultados, no mínimo, duvidosos.
Mas, a revisão desse papel do Estado e, especialmente, dos enfoques tradicionais da Reforma inicia-se, a partir de uma reavaliação teórica e conceitual, do transplante das noções de racionalidade e eficiência herdadas das sociedades industriais, assimiladas pelo nosso país sobre políticas de gestão pública e o papel do Estado na presente situação. E ainda, sobre a Modenização Administrativa, nem sempre bem assimilada e incorporada. Partimos do príncipio de que a Reforma do Estado é, essencialmente política e, portanto, implica não só reforma das estruturas administrativas, mas sim reformar aspectos políticos básicos do funcionamento do Estado, o que resulta em redistribuição nas correlações de poder dentro do Estado. É que não há Reforma sem amplo consenso. É importante ressaltar que, nos seus projetos prioritários de mudança política e Administrativa, o Estado deve, também, preocupar-se em obter a participação dos cidadãos.
Para que isso aconteça, o Estado deve consultar os mais diversos setores do país, a fim de recolher impressões e opiniões de forças vivas da sociedade. Assim, por exemplo, um dos seus produtos, pode ser Projeto de Acordo Nacional para a Profissionalização de Direção Pública que deve ser repartido em dois:
– Que os cargos de Direção básicos das empresas do Estado e os cargos de conteúdo de Direção muito acentuado do aparelho do Estado, sejam objeto de uma carreira gerencial orgânica de caráter estável e baseada no mérito, onde a promoção esteja ligada às avaliações de produtividade e os Dirigentes preparados com visões do todo nacional, democratas, já que somos um Estado de Direito Democrático e de critério público.
– O Governo tem a responsabilidade de encontrar uma fomulação jurídica e administrativa que prepare Cabo Verde para o século XXI, através uma Administração Pública ágil, competente, desburocratizada e despartidarizada.
Muitas outras coisas teremos que fazer em todas as áreas, tudo visando modernizar e rejuvenescer as velhas estruturas da Administração Pública.
Cremos que esta persistência (subjacente) explica a filosofia, os objetivos, as directrizes da atual reforma administrativa empreendida pelo atual governo, a partir de suas raízes histórico-culturais, é de maior importância para todos quantos se interessam, como cidadãos e Cabo-verdianos, pelo país e pela Administração Pública.
Também, vale a pena salientar que:
– A Reforma do Estado é um processo de maior complexidade, talvez um dos mais complexos que se possa encontrar;
– A Reforma é um processo de mudanças políticas e sociais onde se transformam as correlações de poder, interesses, atitudes, desenvolvimento tecnológico e níveis de capacitação, além dos organigramas, etc. A modificação destes é uma pequena parte da mudança total;
– A Reforma não deve ser encarada como uma perspectiva normativista em oposição ao desejável, ou seja, a perspectiva heurística. Como diz Kliksber (1987), “a gestão eficiente de organizações complexas é um campo preferencial de experimentação social e há uma busca permanente de soluções a partir de investigação e da prova de novas tecnologias”;
– Adverte-se, por isso, contra as estratégicas de Reformas Globais. Deve-se aplicar estratégicas seletivas, onde o esforço se concentre em pontos estratégicos, a partir da perspectiva de metas nacionais prioritárias;
– Coloca-se a necessidade de integração entre os sistemas de planeamento global e de formulação de políticas para sistema de desenvolvimento administrativo. Com efeito, são duas áreas, no mínimo, indiferentes quando não rivais. Os planeadores, normalmente, subestimam a importância de capacidade de gestão disponível para cumprir a alternativa económica eleita. Os reformistas administrativos tendem a se encerrar na produção de meios para a reforma se transformar em fins. Portanto, deve haver a aproximação entre as duas áreas, através de esforços coordenados;
– Tratar a Reforma do Estado através de um grupo qualificado que produz um plano de Reforma. As Reformas feitas fora das organizações são ineficientes. A ideia é que a eficiência se obtém através da participação, no processo de reforma, de vastos segmentos sociais, entre os quais ressaltam os funcionários e os própios cidadãos;
Para uma conclusão adicional, é sabido que a especificidade tecnológiga é atualmente, um problema público. Criou-se a ilusão de que os problemas do setor público desapareceria com soluções gerenciais, extraídas mecanicamente do setor privado. A evidência empírica mostra que esse tipo de transplante tende a ser errôneo. Há peculiaridade na gestão pública que requer a adoção de tecnologias específicas, no momento adequado.
Agora podemos dizer que já ultrapassamos a fase do modelo de uma Administração Pública para crescimento. Porém, queremos uma Administração Pública com foco virada para um novo modelo de desenvolvimento da Administração Pública: Administração Pública para desenvolvimento, com maior agilidade, flexibilidade e presteza e com preço justo para atender às demandas e pressões e de um Estado desenvolvimentista.
À guisa de conclusão …
A reforma do Estado não sobreviverá, como já aconteceu com as reformas administrativas anteriores, se não contar com o respaldo da população. Há que se costurar, irremediavelmente, a obra do Governo Central com as aspirações sociais, o que significa, antes de mais nada, o exercício de uma prática democrática, porém esquecida nesse país de curta memória: a prática de ouvir os agrupamentos sociais e a própria sociedade.
A reforma do Estado precisa transformar-se num projeto global e sustentável. Trata-se de um processo inesgotável. Reformar a máquina, procurar novos sistemas, racionalizar, sistematizar, enxugar, integrar, melhorar, aperfeiçoar, modernizar, incorporar novas tecnologias aos processos tradicionais. Todos esses verbos fazem parte de uma mesma ação: a ação do Governo Central no sentido de, permanentemente, procurar transformações para a sua maior eficácia e melhor prestação de serviços ao cidadão e à sociedade.
Assim, a reforma do Estado não é um conjunto de leis e decretos como parece ser. Devia ser uma meta global do Governo Central; conceituada desta forma, poderá transformar-se num fio condutor e numa obra nobre, que atravessará o espaço e o tempo, sem se esgotar.
Para existir, como tal, são necessárias medidas, decisões e atitudes consequentes. Por isso, a reforma do Estado pode começar a delinear os seus produtos iniciais, mas sem perder a sua conceituação ou o seu significado maior – um fórum permanente de debates, ideias e transformações.
Dessa forma, atenua-se a expectativa social, atenua-se o índice de frustrações e, sobretudo, redireciona-se o sentido da reforma do Estado deixando-a permanente, tirando-a do vazio e apresentando-a como algo que não depende apenas de atos e decisões do Governo Central, mas da vontade dos grupos sociais.
Aceitando-se essas premissas acima, é fácil entender porque a reforma do Estado não deve ser conceituada como um pacote, nem como alguns projetos de aperfeiçoamento de mecanismos que gerem a administração pública. Reforma do Estado é, antes de mais nada, um projeto permanente; um esforço social constante, uma meta sólida que perpassaria Governos, atravessando os tempos, num processo dialéctico de transformações e renovações. É necessário superar os modelos de trabalhos descoordenados e passar ao intercâmbio sistemático de experiência que se encontram em situações muito semelhantes, do ponto de vista administrativo.
Todavia, é importante ressaltar que esse novo enfoque trata de transformar o Estado e não somente modernizá-lo. A modernização é apenas uma das dimensões da transformação necessária. O enfoque da Reforma do Estado não é somente técnico mas, essencialmente, político e social.
Devemo-nos preocupar com o funcionalismo público, não só pelo aspeto humano, mas também pela enorme pressão que o seu conjunto exerce sobre os recursos do Tesouro.
Torna-se, portanto, urgente redefinir a natureza da ação pública na sociedade cabo-verdiana, reconhecendo a maturidade e a independência alcançadas por vários setores da sociedade e a capacidade de satisfação, através do mercado, da maioria das suas necessidades, além da prioridade absoluta de intervenção do Estado a favor da maioria da população pobre.
Deste modo, perante a incapacidade do Setor Público em atender a todas as demandas, e dos resultados já consolidados com o crescimento e o fortalecimento do Setor Público, a revisão das funções públicas deve orientar-se, prioritariamente, para as áreas de educação fundamental, saúde pública, saneamento e infra-estruturas sociais básicas, segurança pública e defesa civil.
Voltamos a insistir: é nas pessoas que se deve concentrar o mais importante desse processo de capitalização. Outrossim, também não faz sentido tentar, primeiro, capitalizar, materialmente, para poder então melhorar as condições de vida da população, pois a capacitação física e técnica das pessoas é necessária para aumentar a eficiência do trabalho e gerir, adequadamente, o capital material. Ambas as coisas fazem parte de um mesmo processo. Gastos supérfluos poderiam ser reduzidos para conseguir recursos financeiros para aumentar a capacidade de produção, mas não haver capacidade minímo de consumo, afeta o capital humano, como a alimentação e a dignidade da vida humana. Analisando a nossa realidade profundamente, nunca haverá, portanto, democracia e desenvolvimento efetivos com constrangimentos transferidos para as populações.
Melhor nutrição propiciará melhores condições de saúde; melhor formação técnica propiciará maior eficiência no trabalho; informação mais abundante propiciará melhores condições aos cidadãos para defenderem os seus direitos, enquanto melhores salários favorecerão a todas essas melhorias.
Ora, se nos cabe repensar urgentemente o papel do Estado Cabo-verdiano perante a sociedade e cidadãos, só poderemos ter sucesso se reconhecermos o carácter histórico e, portanto, transitório da sua atual configuração. O Estado transformou-se a partir de uma economia escravocrata, que mais tarde necessitou de alavancar na luta incessante pela sobrevivência e afirmar-se como Nação Soberana defensora e promotora da liberdade, da igualdade de portunidades, e refletiu no seu desenvolvimento as várias crises de hegemonia dos setores da sociedade que, em pleno século XXI, é portadora de uma sociedade democrática qualificada e de populações, está a sofrer uma estagnação.
É por todas essas razões que o Estado Cabo-verdiano, não pode ser considerado moderno, efeciênte e eficaz, apesar do seu papel de indutor e promotor do processo de desenvolvimento económico e da sua alta participação na geração de produto interno bruto. Ele, é, na realidade, conforme mencionado, presa fácil, de interesses corporativistas que o utilizam em detrimento de objetivos sociais mais amplos.
Voltamos a alertar, não finalizando, que a Administração Pública é um sistema de equilíbrio geral, isto é, todos os seus componentes são inter-relacionados, o que coloca a necessidade de se proceder a uma revisão concomitante de todos os seus elementos. De nada adianta uma revisão profunda no sistema tributário e da administração de recursos humanos se não reavaliarmos a estrutura organizacional do Governo Central, sem que se tenha procedido a uma avaliação global das vantagens e desvantagens, bem como das repercussões e implicações do arranjo atual desses elementos. Os sistemas de administração e os controlos que existem também precisam de ser avaliados, revistos, onde couber, e criados ou aperfeiçoados no que for necessário. De outra forma não será possível planear uma estrutura de cargos, carreiras e salários para uma organização pouco conhecida, com redundância e lacunas geridas através de sistemas imperfeitos ou ineficientes.
Assim, perguntamos, que Estado queremos nós? Um Estado que intervenha sempre, quando quiser, na economia, produzindo diretamente certos insumos, ou um Estado que se afaste da esfera produtiva para cuidar, quase com exclusividade, da melhoria das condições de vida da população pobre? Em que estrutura fiscal ele deve estar apoiado? Os subsídios que concede a certas atividades económicas deve continuar a ser suportado por toda a sociedade? Quais funções suas deveriam ser “devolvidas” à chamada iniciativa privada? Em que áreas seus serviços deveriam ser expandidos?
As preocupações mencionados neste artigo, meus senhores parecem ser úteis, uma vez trazidos ao conhecimento da população em geral, e dos nossos representantes no Parlamento em particular, que não podem fugir a estas questões no momento político que se está a discutir a agenda de descentralização maior/regionalização tendo em vista um perfeito entrosamento de propósitos, entre poderes independentes.
*Licenciado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, Brasil
Praia, 29.03.2019
Subsídios para orientar uma estratégia de Reforma do Estado em Cabo Verde
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