Por: Nataniel Vicente Barbosa e Silva
Braz Teófilo Rodrigues, ou, simplesmente, Braz, como é popularmente conhecido, trata-se, efectivamente, de uma pessoa simples, calma, comunicativa, inteligente, afável, e muito ponderada ao diálogo.
O nome vem do avô. Com os seus 115 quilos – tempos atrás! – se pertencesse ao ringue seria, provavelmente, um homem de “pesos-pesados”, mas, Braz optou por um outro tipo de combate: o do trabalho, que foi, na verdade, um incansável lutador até à data que a sua saúde já não lho permitia, o que vamos confirmar mais à frente neste trabalho.
O primogénito nasceu de uma humilde família: a de Francisco Cardoso Rodrigues e de Jesuína da Silva. No grupo de cinco irmãos: três rapazes e duas raparigas, três dos quais já são falecidos. Nascido numa sexta-feira, a 12 de Fevereiro de 1937, em Monte Iria do Tarrafal (de Santiago), um pacato subúrbio à entrada da (então) Vila de Mangui (hoje cidade!), mas, entretanto, foi em Ponta Lagoa, uma outra zona suburbana da Vila, em companhia da mãe, que começou a dar os primeiros passos.
Aos cinco anos de idade, Braz enfrenta as primeiras adversidades: viajou do porto do Tarrafal à Praia, num bote de pesca, e, da Praia a Santa Cruz, no dorso de um animal. De Santa Cruz à Vila de Mangui, aos ombros do pai e, imaguem só: “pé na txon”
Estávamos no ano de 1942, o mundo estava em plena II Grande Guerra e Cabo Verde se estava, também, em plena batalha…não aquela batalha de armas agressivas, mas, aquela luta pela sobrevivência, aliás, a tal à qual já nos habituamos.
Braz conserva, ainda, bem viva na memória, uma história que lhe contara os pais. Relata assim: “Nha pai flan ma N panhaba uma keda bedju kantu N tinha cincu anu, na fazi xixi riba porta undi N kebra un perna. Ma ka tinha caru e leban pa Praia na boti ma na ben pa Tarrafal foi pe na txon mas, kontudu, na kaminhu, e inkontra un omi riba di un mula ki sta binha pa Santiago, anton omi toman pon na si frenti riba mula ti Txada Fátima, undi e ta moraba. Di la nha pai toman, pon riba di onbru, trazen ti txiga Tarrafal. I pé na txon”.
Com este episódio se constata, realmente, a amargura dos nossos ancestrais.
O “Brazinho” – como também é familiar e carinhosamente tratado! – não frequentou os banquinhos da escola, mas, desde cedo se revelara uma pessoa muito sensata, equilibrada, activa, dinâmica e de muita habilidade.
Com a mãe para as “Terras de Sul-a-Baxu”
Estávamos no turbulento ano de 1947, e, Cabo Verde como se sabe, vivia nessa data uma das páginas mais negras da sua História: o tristemente célebre “Fome de 1947”.
Aos dez anos de idade atravessa “Kaminhu longi pa San Tomé”. Também chamada de “Terrsa de Sul-a-Baxu”.
A mãe parte para o arquipélago do Golfo da Guiné e leva consigo o pequeno Braz. Os dois instalam-se na Roça Porto Alegre. Enquanto a mãe se entregava aos trabalhos na Roça, o “Brazinho” que não podia trabalhar, dado à sua terna idade, o destino o reservara-lhe um lugar em casa do patrão. O homem simpatizava muito com ele, por ter da idade do filho e, curiosamente, o próprio nome do seu garoto, que se chamava Bralio…quase se assemelhavam.
Sobre este assunto, é o próprio Braz que nos conta a estória:
“Patron gostaba di mi, pamodi si fidju txomaba Bralio. Kuazi sima nha nomi. Nton e pon pan fika na si kaza, so pan brinka ku si fidju ki tinha tanbe nha idadi. E ta pagaba mi cinco ezkudus pa mez”.
Grande sorte! Realmente, naquele antanho, pagar só para brincar não era sorte para toda a gente.
Regresso à terra
Findo o contrato de três anos, Nha Jesuína (a mãe) e o filho (Braz) regressam a Cabo Verde. Braz, já na idade de 13 anos vai trabalhar à casa de uma tal “Nha Bajoja”, mulher de Nhu Manel Barbosa Carcereiro, onde ganhava sete tostões por dia, o que dava para colmatar algumas necessidades.
Entretanto, não demorou ali muito tempo. Nessa mesma data, vai trabalhar, desta feita, à casa de Nha Maria José, uma afamada mulher que foi, na altura, pela sua hospitalidade. Essa casa albergava muitas crianças de pais carenciados.
Ali ganhava 30$00 por mês, valor que era tudo entregue à mãe.
Braz que sempre foi uma pessoa muito divertida, um homem de “parti sabi” – como dizemos no nosso bom Crioulo! – conta um episódio interessante, que lhe sucedeu na idade de 14 anos, quando vestiu as suas primeiras calças.
Entusiasmado com o sonho, algo insólito aconteceu: “N staba na kaza di si 14 anu kantu N bisti nha primeru kalsa pé kunpridu. N xinti bazofu ku nha kalsa pe kunpridu, mas kantu N da un pasu pa frenti, kalsa trankan na bikera di dedu pe, N ba da boka na txon”.
Retorno a São Tomé
Na idade de 15 anos, Braz deixa a mãe e o conforto da casa e aventura-se, sozinho, para o arquipélago de São Tomé e Príncipe, onde se instala-se…na Ilha do Príncipe. Decorria o ano de 1952, e, São Tomé e Príncipe era, na verdade, o destino de uma boa parte dos cabo-verdianos.
Depois de seis anos de permanência, Braz regressa à terra-natal, em 1958, com 21 anos de idade.
Mas…como tudo tem um mas…Braz, já habituado nessas andanças, desloca-se, de novo, ao arquipélago do Golfo da Guiné, de onde regressa, definitivamente, em 1961.
Nesse ano, na casa dos 24 anos, e estando já no seu torrão-natal, é surpreendido com uma grande e boa notícia: a sua primeira namorada, que deixara grávida no Príncipe, lhe dera um filho; o seu primeiro rebento.
Esse seu primeiro varão, é hoje um homem de 57 anos, radicado nos Estados Unidos da América há largos anos, que só o veio conhecer, verdadeiramente, através de uma visita-surpresa, que este lhe fez, propositadamente. Entre emoção e satisfação, ambos choraram de alegria. A mãe: Idalina Pires Rodrigues, a progenitora, é hoje falecida.
Mudança de estatuto
Em 1962, Braz Rodrigues resolve mudar o seu “status social”. Depois de tantas aventuras – dentro e fora do território -, toma a mão de uma jovem rapariga e realiza um dos seus sonhos. Ele com 25 anos e ela com 18, faz questão de destacar, que foi necessário o consentimento dos pais, com documento lavrado e assinado pelos pais, já que a donzela esta em situação de menoridade.
A cerimónia teve lugar num sábado, na Igreja Paroquial e Matriz de Santo Amaro Abade – Nhu Santo Amaro -, a 3 de Março de 1962.
A festa foi bem rija, à moda da terra, e…com “Sanbraz”, que se prolongou por alguns dias.
No mesmo ano nasceu-lhe o seu segundo filho, o primeiro de casamento. Outros três se seguiram nos anos subsequentes.
Entretanto, desse casamento se divorciou em 2010, voltando a se casar em Outubro de 2011, com uma rapariga de Covão Sanches, depois de alguns anos de convivência. Tiveram dois filhos: um rapaz e uma rapariga, hoje, todos já maiores de idade.
A sua primeira consorte faleceu há quatro anos, vítima de doença prolongada.
No ex-Campo de Concentração
Braz entra no mesmo ano em que se casou, pela primeira vez (1962), como ajudante de cozinheiro, na ex-Colónia Penal, com um vencimento de 300$00 mensais. Ali trabalha até às vésperas da Independência.
Na Praia…como carcereiro na Cadeia Civil
Com a libertação dos presos políticos (a 1 de Maio de 1974), e logo após à Independência, em Julho de 1975, Braz é transferido para a Praia, como carcereiro, na (então) Cadeia Civil, situada na Praínha, onde serve de 1975 a 1977.
Em 1977, Braz emigra para Portugal, deixando mulher e quatro filhos.
Definitivo retorno…
Depois de quase três anos nas terras lusas, Braz regressa a Cabo Verde, passando a trabalha por conta própria, na sua loja, e, mais tarde, tornou-se uma figura muito conhecida, com a criação de um restaurante no centro de Mangui. Quem não se lembra daquela famosa “Casa de Pasto”, baptizada por ele próprio de “Sopa de Pedra”, muito procurada pelos visitantes e residentes?
Tudo ali era servido consoante o gosto da clientela, com uma gentileza e rapidez, à moda de Lisboa, de onde, aliás, trouxe o nome.
Braz Rodrigues, não obstante, hoje, o seu débil estado de saúde, que se vem arrastando há já alguns anos, considera-se, mesmo assim ,um homem feliz. Isto é, de acordo com os seus projectos. Vive na sua casa própria, fruto dos longos e sacrificados anos de trabalho.
Rebentos: 27 filhos, sendo 16 rapazes e 11 raparigas. Tem 60 netos e 28 bisnetos. Todos juntos, mal caberiam na bíblica Arca de Noé.
Já agora: um abraço a todos e votos de um Bom Ano de 2019.
Tarrafal, 07 de Janeiro de 2019.