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Opinião

Que Regionalização para Cabo Verde?

1. Há, em suma, três modelos de regionalização: política, administrativa e plano.

A regionalização política é um processo mais profundo e mais abrangente de descentralização política e administrativa. As regiões políticas são entidades que exercem funções de autogoverno, têm governo e parlamento próprios, elaboram o respetivo plano económico e participam no exercício da função política do Estado.

As regiões administrativas são entidades que exercem funções de autoadministração e participam, tal como os municípios, na elaboração dos planos económicos regionais. Não são poder regional, mas sim poder local.

A regionalização plano refere-se a um conjunto de mecanismos políticos e institucionais de integração e de articulação entre o Estado, as autarquias locais e a sociedade civil, visando essencialmente o planeamento e o desenvolvimento regional e local.

 

2. Em Cabo Verde, conforme a Constituição da República, o Estado compreende a existência de autarquias locais, que são os municípios, podendo a lei estabelecer autarquias supra e inframunicipais.

São 22 os municípios. Não foram, ainda, criadas autarquias locais supra ou inframunicipais.

Os municípios são, na sua maioria, pequenos e institucional e financeiramente muito frágeis. A maior parte sobrevive das transferências do Estado, sendo muito difícil a situação financeira de muitos deles. Vendem património, designadamente solos, para suprir às despesas correntes, sobretudo salários. Estão confrontados com a escassez de recursos institucionais e humanos e problemas complexos de governança local, maxime nos domínios do planeamento e desenvolvimento urbano, da gestão de solos e da orla marítima e dos transportes urbanos. 

 

3. Cabo Verde é um pequeno arquipélago de 10 ilhas dispersas (4033 km2), com cerca de 500 mil habitantes e uma larga diáspora, ainda por determinar. As ilhas são pequenas e com dimensões, recursos e vocação muito diferenciados.

Tratando-se de um país saheliano, é muito seco e padece de uma dramática escassez de água. Sem recursos naturais tradicionais e caracterizada pela pequenez, reduzida capacidade de autofinanciamento e de endividamento e elevados custos de infra-estruturação, a economia é pouco competitiva e altamente vulnerável a choques externos.

O Estado e a administração pública são inadequados às condições e necessidades de um pequeno país, verificando-se um sobredimensionamento dos recursos institucionais e uma excessiva partidarização do espaço público, numa ecologia organizacional muito complexa.

43 anos após a Independência, houve grandes avanços na infra-estruturação, educação, saúde e segurança social, no combate à pobreza e às dissimetrias regionais. Todavia, o país é, ainda, de rendimento médio baixo, com acentuadas dissimetrias regionais e desigualdades sociais, elevadas taxas de desemprego, manchas significativas de pobreza e grande vulnerabilidade económica e ecológica.

 

4. Para fazer face a esses desafios, os dois principais partidos, MPD e PAICV, propõem a regionalização administrativa.

De lado está posta a criação de regiões político-administrativas, com poderes legislativos, de autogoverno e capacidade de participação na função política do Estado. As entidades propostas “são parte do poder local”, ou seja, entidades supramunicipais com funções de auto-administração.

Dos partidos com assento parlamentar, apenas a UCID propõe a regionalização política, mas apoia, como primeiro passo, a regionalização administrativa. Há também organizações da sociedade civil que propugnam a regionalização política e aceitam, todavia, nesta primeira fase, a regionalização administrativa.

O Governo considera que Cabo Verde precisa de uma reforma do Estado que passa pelo reforço dos municípios e criação das regiões administrativas e o PAICV quer que a regionalização deve fazer-se antecedida de uma profunda reforma do Estado, que passa pela redução do número de deputados (máximo de 50) e pela mudança do sistema eleitoral, com a introdução da escolha uninominal dos deputados, em listas fechadas, mas não bloqueadas.   

Em caso de regionalização, as finanças locais terão que ser profundamente alteradas. Os municípios participam nas receitas fiscais do Estado (10%), o que corresponde a cerca de 3,5 milhões de contos. Se a participação das regiões for também de 10 %, receberão, por ano, cerca de 3,5 milhões de contos; se for de 12,5%, receberão cerca de 4,4 milhões de contos e se for de 15%, receberão cerca de 5,25 milhões de contos, para além dos contratos programa e de outras transferências do Estado. Segundo Freitas do Amaral, “não pode haver regionalização sem descentralização financeira, sem autonomia financeira, mas não pode também correr-se o risco de gerar anarquia financeira no país”.   

 

5. 43 anos após a Independência, o país cresceu e as ilhas ganharam mais poder e mais protagonismo. Cabo Verde é, hoje, um país mais moderno e mais policêntrico.

Deve-se, pois, para garantir a sua adaptação à realidade política e socioeconómica emergente, reconceituar o Estado e estabelecer um novo pacto de governo, procurando, assim, um novo equilíbrio na distribuição do poder entre as ilhas.

Considero, todavia, que esse reequilíbrio não passa pela criação de mais autarquias locais, as regiões administrativas, sem efetivo poder de decisão política. Seria aumentar a macrocefalia do Estado e a burocracia pública e exponencialmente as despesas de funcionamento e o potencial de conflitos intergovernamentais.

Sendo um micro-estado, um espaço territorial exíguo, não há, salvo melhor opinião, condições socioeconómicas e financeiras para um processo imediato de regionalização política. Não descarto, todavia, essa possibilidade a prazo.

Cabo Verde precisa como de pão para a boca de um amplo consenso entre as principais forças políticas e entre estas e a sociedade sobre os fundamentais do Estado. Este consenso passa pelo reforço da “tolerância mútua” entre os partidos, pela valorização da política, dos partidos e dos políticos, pelo reforço das instituições democráticas e por assunção de compromissos sobre as regras essenciais do jogo democrático e sobre o desenvolvimento a longo prazo.

Adentro da estratégia de longo prazo de desenvolvimento, são assaz importantes as questões atinentes ao sistema educativo, às políticas públicas ambientais, à governança corporativa e ao combate à corrupção, à pobreza e às desigualdades sociais.

No que se refere à reforma do Estado, considero os seguintes tópicos para debate, aqui rápida e perfunctoriamente apresentados:

5.1 Introdução do bicameralismo: uma Câmara dos Deputados, com 52 Deputados e uma Câmara das Ilhas, com 20 Senadores (2 por cada Ilha e 2 pela diáspora). Manter-se-ia o mesmo número de parlamentares (72). Os Senadores, enquanto representantes das ilhas, garantiriam, diferentemente das autarquias supramunicipais, uma efetiva participação das mesmas na função política do Estado, devendo ter um papel fundamental na afetação dos recursos e na formulação de políticas públicas de crescimento económico, de inserção competitiva de cada uma das ilhas na dinâmica de crescimento nacional e global e no combate às dissimetrias regionais.

Paralelamente, dever-se-ia proceder à mais profunda revisão dos Estatutos dos Titulares de Cargos Políticos, com a previsão de critérios mais rigorosos e transparentes de remuneração e outras regalias e racionalização dos custos de funcionamento dos diferentes órgãos de soberania.

5.2 Revisão do sistema eleitoral: os Senadores seriam eleitos por um escrutínio maioritário de duas voltas, devendo cada ilha ser dividida em dois círculos uninominais. Os Deputados seriam eleitos mediante um sistema eleitoral misto, em que metade do Parlamento seria eleito em círculos uninominais e a outra metade num circulo nacional, pelo sistema proporcional.

5.3 Reforma das Forças Armadas: transformação das Forças Armadas em Forças Policiais. A Polícia Nacional integraria a Guarda Nacional, a Guarda Costeira e a Polícia de Ordem Pública.

Criar-se-ia um Serviço Nacional de Voluntariado, cujos integrantes, jovens de ambos os sexos, residentes e nas comunidades emigradas, prestariam serviços voluntários nos mais diferentes domínios da vida económica, social e cultural do país, nas ilhas e na diáspora.

5.4 Reforma e Modernização da Administração Pública: prestação de todos os serviços através de plataformas digitais, incluindo serviços de saúde e de ensino superior. Há já condições para que os cidadãos e as empresas solicitem e obtenham, em casa, qualquer documento ou serviço. Devemos continuar a desenvolver a telemedicina, o ensino superior à distância e os serviços da Casa do Cidadão, para simplificar os circuitos e os procedimentos administrativos e garantir mais eficiência e eficácia e igual acessibilidade de todos, nas ilhas e na diáspora, a todos os serviços públicos.

Criação de uma Agência Independente para Recrutamento e Avaliação dos Recursos Humanos da Administração Pública, visando a despartidarização dos serviços públicos e a promoção do mérito e da igualdade de oportunidades no acesso a cargos públicos.

5.5 Reforma do sistema de segurança social e criação do Fundo de Pensões dos Funcionários Públicos: com a integração dos funcionários públicos no sistema INPS, em 2005, ficou por resolver a problemática das pensões daqueles que ingressaram na função pública antes dessa data e que continuam a receber as suas pensões pelo Tesouro.

5.6 Reforço da descentralização e do municipalismo: aumento dos poderes dos municípios, reforço dos poderes de fiscalização e controlo da assembleia municipal, adoção de um novo estatuto da oposição democrática local, transferência de mais recursos financeiros e humanos às ilhas e aos municípios, através do aumento do Fundo de Financiamento Municipal de 10 para 17%, numa primeira fase, e de 17 para 25%, numa segunda fase.

5.7 Desgovernamentalização dos órgãos públicos de comunicação social e fortes incentivos ao desenvolvimento da imprensa privada.

5.8 Integração do mercado e mobilidade das pessoas: A par da modernização dos transportes aéreos e marítimos, em curso, para reforçar a mobilidade das pessoas, propõe-se um programa de subsidiação das linhas aéreas e marítimas deficitárias e de subsidiação em 50% das passagens aéreas interilhas.   

5.9 Regionalização Plano – para garantir novas dinâmicas de desenvolvimento local e regional torna-se mister a criação de mecanismos de articulação entre o Estado, os municípios e a sociedade civil, para o planeamento do desenvolvimento sustentável regional e local.

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