Por: Carlos Carvalho
Hoje…
“Caravanas” estão a caminho do “Eldorado” de Donald Trump. São hondurenhos, nicaraguenses, guatemaltecos, bolivianos, venezuelanos, etc., etc., em parte descendentes de grandes impérios e tribos ameríndios (descendentes de maias, incas, astecas…) do passado; outra parte constituída por descendentes de colonos brancos. Os integrantes destas “caravanas” percorrem quilómetros, atravessando florestas, rios, desertos, a pé, a cavalo, de motas, bicicletas, utilizando todo o tipo de força motriz que o “Verdadeiro Senhor” lhes põe à disposição. Correm riscos de vida, com a agravante de não saberem se chegam ou não ao tão almejado destino, “o Eldorado” de M. Trump.
Deste outro lado do mundo, outros “destemidos” estão à caminho dum outro “Eldorado”, aqui mais próximo de nós. São uolofes, djolas, fulas, toucoleurs, sereres, manjacos, senegaleses, guineenses, malianos, gambianos, nigerinos, marfinenses, nigerianos, marrokis, tunisinos, etc., etc. Estes também, correndo riscos de vida, percorrem quilómetros, atravessam florestas, rios, desertos, para na última etapa do trajecto se meterem em precaríssimas embarcações em busca, sem certeza de o encontrar, deste outro “Eldorado”, o dos Srs. Macron, Merkel e companhia.
No passado…
Há quinhentos anos, mais década menos década, a história foi diferente, mas igual. Foi o período que a historiografia mundial registou como os “Descobrimentos”. Em “aventuras patrocinadas” ao mais alto nível por monarcas europeus, príncipes e endinheirados condes e outros titulados da época, levas de “caravanas” fizeram-se aos mares, enfrentando “monstros marinhos”, ventos adversos, fomes e toda a casta de privações, à procura de riquezas.
Eram todos brancos: portugueses, castelhanos, aragoneses, catalães, venezianos, genoveses, bretões, normandos, franceses, irlandeses, galeses, escoceses, ingleses, holandeses, enfim, toda a casta de “raças” existentes na Europa de outrora.
Nessa busca dos “Eldorados” de então, onde a riqueza de todo o tipo abundava, não raras vezes, famílias inteiras faziam-se aos mares, em grandes, porém, frágeis embarcações para os mares de então. Homens, velhos e jovens, sem perspectiva nenhuma na vida, mulheres e crianças perdiam-se, com muita frequência, em mares “nunca dantes navegados”, sem atingirem o sonho que os levara a embarcar em autênticas aventuras “ulissiadas”.
Porém, aos poucos, mesmo continuando as embarcações e seus aventureiros ocupantes a serem engolidos nos vários mares que conduziam aos “Eldorados”, o número de “invasores” a chegar à terra-firme foi engrossando, onde foram constituindo colónias como lhes coubesse. Ocuparam terras alheias, tornando-as suas propriedades. Com o tempo, não contentes com a ocupação, à força foram expulsando “na mansu mansu” os legítimos proprietários dando início ao extermínio de populações autóctones, ao ponto de acabar por reduzi-los à uma “espécie” em vias de extinção.
Os “caravaneiros” – “invasores” tornaram-se “donos” de vastas porções de terra. Fizeram-se abastados proprietários, fruto das riquezas encontradas no Eldorado.
Como qualquer emigrante que se preze, alguns foram enviando o “migalhado”, seguramente com muito sacrifício, às terras de origem. Com o capital juntado, reinos de suas proveniências tornaram-se grandes impérios. Criaram indústrias, construíram centros de saber, tudo à custa de riquezas subtraídas, com o objectivo último de perpetuar o domínio do mundo, que acabaram por “sabiamente” dividir para, sem concorrência, governar/explorar. As cidadezinhas donde provieram viraram grandes metrópoles com inúmeros castelos, palácios e vastas casas senhoriais. Não poucos, de tanto “subi na vida”, conseguiram títulos de conde, marquês e outros.
Os que ficaram nos “Eldorados” americanos, tornaram-se donos e senhores de terra, água, ar, rios, ouro, prata, cobre e outros minérios, acabando, no fim, por se separar da terra-mãe. Criaram suas leis, impuseram suas ordens para, até, os donos legítimos a elas se submeterem sob pena de serem executados. Os poucos autóctones que restaram, acabaram por ser acantonados em uma espécie de circos, para deleite dos frequentadores do espectáculo.
Paradoxos da História
Hoje, os hondurenhos, nicaraguenses, guatemaltecos, bolivianos, peruanos, venezuelanos, etc., etc. dum lado e do outro, os fulas, mandinkés, sereres, manjacos, djolas, toucoleurs, senegaleses, guineenses, malianos, marfinenses, nigerianos, marrokis, tunisinos, etc., etc. não estão fazendo mais do que os “caravaneiros europeus” fizeram no passado.
Os caminhos que percorrem, como os do passado, estão repletos de perigos. Milhares desses novos aventureiros, ironia do destino, são engolidos, como no passado, acabando por não conseguir chegar aos novos “Eldorados”. Mulheres “parindo” durante as viagens, mães e filhos desaparecendo nas profundezas de mares e oceanos, jovens com sonhos adiados “ad eternum”, e … a história se repete, vários séculos passados.
O sonho destes “caravaneiros” é simples como no passado…a busca duma vida melhor, fugindo das agruras de seus “rincões”, agruras que lhes são impingidas não por monarcas, mas por ilustres governantes, eleitos em democracias formais, impostas, na grande maioria dos casos, pelos “Donos” dos Eldorados. Um sonho simples, que, não poucas vezes, também como no passado, terminam em autênticas tragédias.
Ironia da história…
Do lado americano, hoje, o “Todo Poderoso, Senhor do Mundo”, Mister Trump, decidiu que ninguém mais vai entrar na terra que não é dele, porque a usurpou. Para entrar na terra que não é dele, ele impõe regras, dita condições e cria uma série de absurdas restrições. Aqui cabe perguntar se quando chegaram seus antepassados lhes foi pedido passaporte, salvo conduto ou outro documento qualquer.
Ele, M. Trump, que é descendente daqueles aventureiros do passado, retratado acima.
Ele que é descendente daqueles que se meteram em embarcações e saíram “mar-fora” à procura do Eldorado.
Ele que é descendente daqueles destemidos aventureiros que conseguiram chegar à terra-firme e nela decidiram fazer a vida.
Ele que é descendente daqueles que, para fazer a vida, decidiram tomar à força terras que tinham seus legítimos donos, seus legítimos proprietários.
Ele que é descendente daqueles que, não contentando com o tomar as terras, por todas as vias legitimadas pelas forças das armas, quase que dizimaram seus donos legítimos. Ele que é descendente daqueles que, não contentando em dizimar os donos legítimos, recorreram ao mais hediondo sistema que o mundo conheceu, a escravatura, para se legitimarem como “novos donos” dum vastíssimo território, situado a milhares de milhas da terra donde partiram/saíram.
Ele que é descendente daqueles que, a determinada altura, resolveram separar-se da terra-mãe, criando sua própria nação, sempre na base de exploração e domínio pela força das armas.
Do lado europeu, os descendentes dos que se fizeram ao mar no passado, TRANCAM suas portas a sete trincos para que a “escumalha” (como a “escumalha” deles no passado) não entre e não perturbe a ordem pública e o bem-estar e a felicidade conseguidos no Eldorado do passado. Trancam suas portas para não repartirem suas riquezas, roubadas no Eldorado do passado. Trancam suas portas para que ninguém subtraia um pedaço do pão que, de tanto abundar, é jogado ao lixo.
Para finalizar umas perguntas, para reflexão de todos, se impõem?
“Senhor Todo Poderoso”, M. Trump, quem o legitimou para “cobrar” portagens nas terras que não são tuas, porque teus antepassados a usurparam?!
“Senhor Todo Poderoso”, e se os verdadeiros donos (os índios / ameríndios) da terra resolvessem pedir-te um passaporte com visto do séc. XVI, XVII, XVIII ou ainda XIX? Como o apresentarás?
“Senhor Todo Poderoso”, e se os “verdadeiros donos da terra” resolverem cobrar por cada dia que teus antepassados passaram nas terras que hoje soberbamente reivindicas como teu?! E se resolverem cobrar-te pelas riquezas que hoje vanglorias possuir, quem os pagará? E quanto custará? E se resolverem cobrar-te por cada minuto passado nas suas terras, sem pagar nada, quem os pagará?! E quanto custará?!
Senhores ascendentes do “Senhor Todo Poderoso”, e se os “caravaneiros/aventureiros” do presente resolverem cobrar por cada pedra dos castelos, palácios, casas senhoriais, autoestradadas, estradas, portos, pontes construídas com as matérias-primas e outras riquezas subtraídas de suas terras, quem os pagará? E quanto custará?
E se resolverem cobrar por cada minuto passado nas suas terras, sem pagar nada, por cada alma (escrava) levada para outros mundos, quem os pagará? E quanto custará?!
E se resolverem cobrar por cada alma (escrava) que ficou nos fundos dos porões dos navios negreiros afundados, quem os pagará? E quanto custará?
Às voltas que o mundo dá! São estes os Paradoxos da História, deste mundo desigual e imoral.