O grupo português “Fogo Fogo”, que inspirou o seu nome na ilha do vulcão, em Cabo Verde, está a fazer um grande sucesso em Portugal a cantar covers antigos de funaná. No entanto, apenas um elemento do grupo é cabo-verdiano, nascido e criado em São Vicente, mas todos cantam em crioulo, fruto das vivências da Lisboa mestiça. Agora, sonham trazer o funaná de roupagem “psicadélica”, para Cabo Verde.
Danilo Lopes da Silva (guitarra e voz), David Pessoa (guitarra e voz), João Gomes (teclista), Francisco Rebelo (baixo) e Márcio Silva (baterista) formam o grupo os “Fogo Fogo”. A banda tem vindo a cantar covers antigos de funaná, de Tubarões e Bulimundo aos mais recentes Ferro Gaita, entre outros, mas com uma roupagem que dizem ser mais “psicadélica”, conquistando vários festivais e casas da noite lisboeta, difundindo o funaná.
Em entrevista a A NAÇÃO, o grupo explicou como surgiu a ideia de criar uma banda com foco na música de Cabo Verde e em especial o funaná. “Foi um pedido da Casa Independente, que fica situada no Largo do Intendente, em Lisboa. O objectivo era criar uma noite de baile de música africana, nomeadamente o estilo Funaná”, diz Márcio Silva, em representação do grupo.
Como todos os membros da banda tinham como denominador comum o gosto pela música africana, o grupo diz que encontrar um rol de temas entre os clássicos de funaná não foi uma tarefa “difícil”. Por outro lado, havia também, a vontade de “reviver as antigas matinés de domingo”, da Lisboa africana “dando a conhecer a experiência aos mais novos, e relembrando os mais velhos”, acrescenta David Pessoa. O sucesso foi tanto que das noites da Casa Independente, o grupo saltou logo para os palcos do Festival de Músicas do Mundo e do Boom Festival, entre outros.
Lisboa “vulcão” africano
A Lisboa que vê nascer estes “Fogo Fogo”, dizem ser “vibrante e especial”, uma Lisboa onde “cabe” toda a África. “Sobretudo a que fala português, tanto a do futuro, como a do passado. Uma Lisboa onde ainda é possível descobrir peças de colecção em vinil dos Tubarões e todas as obscuras pérolas de edição de autor que a diáspora de Cabo Verde gravou nos anos 80 e 90 no estúdio Musicorde de Campo de Ourique e que o mundo nunca ouviu. Essa é a Lisboa que, qual vulcão, expeliu os Fogo Fogo”, conta Danilo Silva.
Foi então nesse vulcão da ilha do Fogo que, como explica Francisco Rebelo, se inspiraram num funaná “ardente” que “incendeia” de ritmo as pistas por onde passam e que usa “teclados ao invés de gaita” e “psicadelismo quanto baste”.
Curiosamente, apenas um dos dois vocalistas da banda, Danilo Lopes da Silva, é cabo-verdiano, nascido e criado na ilha de São Vicente. Mas todos cantam em crioulo, uma aprendizagem constante. “É um processo contínuo para todos: uns vão ensinando aos outros, revelando os significados das letras. O David Pessoa, por exemplo, já estava habituado ao crioulo desde cedo, pois no local onde morava tinha vários cabo-verdianos com quem travou amizade e o impulsionaram inclusive para seguir pela música. À medida que as pessoas vão conhecendo o grupo vão sugerindo canções, fazem um ou outro acerto na dicção. Um processo normal para curiosos como nós”, explica Danilo Silva.
Funaná em crescimento
Tendo em conta a mescla cultural da Lisboa, cada vez mais crioula, a banda não tem dúvidas que a música de Cabo Verde tem hoje um espaço importante na capital portuguesa. “A música de Cabo Verde conquistou um espaço cada vez mais sólido e necessário entre os demais estilos de música em Lisboa. O funaná não é excepção: tem vindo a crescer e a ter mais ouvintes, e mais projetos associados a este estilo de música. É muito bom sentir que podemos estar a contribuir para esse crescimento”, afirma Márcio Silva.
Devido a esse “renascimento/crescimento”, artistas que já não estavam a tocar e a fazer tournées, como os Tubarões voltaram à estrada, e o grupo congratula-se de os poder ver novo. “Isso, para nós é maravilhoso, até porque sentimos que talvez tenhamos contribuído para isso, também”, afirma João Gomes. “Nha Cutelo”, que dá nome ao EP lançado em Junho, “M´bem di fora” e “E si propi” são alguns dos covers de funaná que estão a conquistar o público português ainda que numa versão mais “psicadélica”.
Depois de conquistar Portugal, o grupo sonha agora trazer o funaná psicadélico dos “Fogo Fogo” para Cabo Verde e conhecer de perto as raízes desse estilo que abraçaram, em Santiago, e quem sabe recolher novas experiências e que possam servir de inspiração para futuros projectos.
Gisela Coelho