Por: Filinto Elísio
20. SEG | Da Líbia ardente & e a exegética de mais luta
Dia da Consciência Negra | amanheço-me ao lado da Márcia | em Ouro Preto | É chocante e inaceitável | exigindo de todos uma consequente condenação | a escravatura | montada hoje pelas redes de tráfico humano | Estando ontem a assistir à assinatura de geminação entre o Ouro Preto e a Ribeira Grande de Santiago (Cidade Velha) | dois espaços outrora das rotas dos escravos | não pude deixar de agora refletir | com O Sentimento do Mundo | fazendo vénia aqui ao poeta Carlos Drummond de Andrade | sobre a desumanidade dos leilões de escravos na Líbia | sendo provável existirem outros leilões na África e no Mundo | Que a literatura tenha | em tempos de reedição da maior vergonha da Humanidade | causa e consequência…
26. DOM | The Slave Route
À medida que perscrutamos sobre a problemática (escravatura/escravidão) | para além do seu poliedro semântico | e das suas máscaras novas (trabalhos forçados e/ou explorações da mão-de-obra) | exigimo-nos | como introspecção e consciencialização | a posturas mais consequentes | A matriz do tráfico humano | nas suas matizes e geografias diversas | ainda a este tempo nosso | envergonha e humilha a Humanidade | Como outrora havia seres humanos | tornados mercadorias e mais-valias | agora (se calhar perto de cada um de nós) há ainda o «gado humano» nos vídeos e fotografias das redes sociais | Localizemos a problemática | quebrando o silêncio | e não só | Neste caso odioso | sem ternura alguma | Acting now!
Antiga canção alpina
Já septuagenário, o meu avô passava largas horas, na porta de casa e na sua cadeira de baloiço, a escutar a Rádio Suíça. Toda a vizinhança na Rua do Hospital e na Moradia conhecia, de o ver nessa concentração, os cantos corais em várias vozes, ao acompanhamento do acordeão e do alphorn. Alguns mais curiosos, aproximavam-se dele para saber sobre a democracia dos cantões e como a organização e a disciplina faziam a riqueza das nações. A mim, ele dizia, sempre, não gabar a sorte de quem pudesse dormir rei e despertar desgraçado, nem fazia vénia aos gregos antigos pela tragédia, mas pela invenção da comédia. A velha casa da Rua do Hospital (outrora lugar de escuta da rádio com notícias da Segunda Grande Guerra e também de amparo de muitos esquálidos esfomeados pela cidade da Praia) agora cai aos pedaços e a cadeira de baloiço esboroou-se toda entre a tralha armazenada e a 11ª edição da Encyclopædia Britannica desaparecida. Só a velha árvore, pequena e retorcida, que o avô velava com cisma de septuagenário, permanece ainda no torpor da neblina. Com a áurea já longínqua da Achada de Monte Agarro…como uma antiga canção alpina.
Graça de Deus
Em 2012, havia prometido ao amigo João Branco contar-lhe a história, do pouco que sei, sobre o cabo-verdiano Marcelino Manuel da Graça, mais conhecido na América por reverendo Sweet Daddy Grace. Estávamos num van a caminho da Cidade de Redenção, no Ceará. Em verdade, Sweet Daddy Grace era tido como profeta por seus mais de três milhões de seguidores e a sua igreja pentecostal, United House of Prayer for All People, espalhava-se por largas centenas de congregações em muitos estados americanos. Um grande líder espiritual. Numa tautologia, com demagogia à mistura, da Graça, cedo, concluiu que Deus já não existia, mas o que existia era a Graça de Deus, ele próprio. Dito com mais inspiração, o Sweet Daddy Grace, intérprete do Senhor. Conte-se que, empresário, do ramo imobiliário divino (tanto que vendia lotes no céu), teve até problemas com as autoridades fiscais americanas. Mas um advogado, dos muitos a seu serviço, questionava se a Receita Federal dos Estados Unidos tinha legitimidade para cobrar impostos fora do território americano (leia-se céu). Agora, a sério, há os escritos de Edward E. Curtis IV e de Danielle Brune Sigler em torno da obra “The New Black Gods”, com passagens sobre o «divino Marcelino». Achando, compra o livro «Daddy Grace», de Marie W. Dallum, pois terias ali infindáveis e surpreendentes narrativas para encenar…
Azuis nem nada
O Poeta Mario Quintana, em “A Vaca e o Hipógrifo”, escreveu que “Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O que eles mais gostam é estar em silêncio – um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio… Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês”.