Por: Jorge Lopes
O mercado
Em 2016, com a companhia de bandeira a viver um momento de grandes dificuldades, o novo executivo elege a instalação do Hub como a prioridade da sua estratégia de desenvolvimento dos transportes aéreos. O Governo e a TACV anunciaram fazer do aeroporto do Sal, o Hub para transporte de passageiros.
Esse anúncio integra vários aspetos:
O foco é “fazer a conexão e distribuição de passageiros entre a Europa e a América Latina e entre a América do Norte e a África.”
A operação seria, no seu primeiro ano, garantida por um número crescente de aviões tipo Boeing 757 que chegaria a 11 no decurso do ano;
A base operacional seria o aeroporto do Sal, onde os aviões começariam a chegar já em Janeiro (adiado para Fevereiro) de 2018, data marcada para o início do hub:
Os mercados visados são os EUA, o continente africano, mais propriamente a sub-região oeste africana (países da CEDEAO), a Europa e a América Latina.
O Governo garantiu que: “O Hub aéreo vai começar a funcionar no Sal a partir de Janeiro de 2018 e com isso haverá outras alternativas para a população das restantes ilhas” e “nenhum passageiro do país vai ficar prejudicado porque o Governo está a trabalhar para encontrar outras opções em condições de concorrência para permitir que outras companhias aéreas possam entrar no mercado cabo-verdiano”.
Além disso, o Governo tem dito, repetidamente, que “acabou-se o mercado da saudade” e “acabou-se o mercado da morabeza”, deixando implícita a ideia de que o mercado de transporte aéreo da diáspora cabo-verdiana estará entre as causas da falência técnica da TACV.
Ora, em boa verdade, os cabo-verdianos mantêm uma relação afetiva muito forte com a sua companhia aérea de bandeira. Constitui motivo de muito orgulho para qualquer emigrante, ver um avião da TACV a rolar nas pistas de Boston, Paris ou Lisboa e é exatamente por esta razão que, independentemente do custo dos bilhetes, muitas vezes acima da média do mercado, e das incessantes queixas em relação aos serviços, preferiram sempre viajar com a TACV.
Esta atitude, agora tida como “saudosismo” constitui, na verdade, um dos ativos intangíveis mais relevantes da companhia, passível de ser transformada em “fidelidade” indefetível por qualquer plano de marketing minimamente inteligente, sobretudo se se tiver em conta a forte ligação afetiva das segundas, terceiras e quartas gerações da diáspora cabo-verdiana com a cultura e com o país dos seus ancestrais.
Os cabo-verdianos foram, literalmente “despachados” para voos alternativos de outras companhias aéreas. Essa postura, deselegante e pouco inteligente do ponto de vista comercial, decorre da percepção correta de que, retomar o Sal como ponto de entrada e saída para o exterior, com as oportunidades trazidas pelos novos aeroportos, em particular o da Praia, e com as alternativas de transporte aéreo decorrentes do mercado aberto, representaria uma regressão de mais de 10 anos e um “downgrade” na qualidade alcançada pelos cabo-verdianos nas viagens aéreas para o exterior.
Dizem os manuais que entre os fatores de escolha de um aeroporto Hub está a combinação entre a localização geográfica, a procura económica do local/cidade que o acolhe e o potencial para um sistema de rotas que integra voos de longa e de pequena distância.
Os Hubs funcionam juntando a demanda regional/nacional de passageiros, passageiros de transferência internacional, passageiros de negócios e frete para viabilizar mais rotas e voos regulares.
Ora, não estando a TACV a “contar muito” com a demanda nacional, o funcionamento do Hub seria suportado, sobretudo, por passageiros de transferência internacional. E neste particular, duas ou três grandes questões se colocam: De onde vêm e para onde vão esses passageiros? Qual o interesse do Estado em participar numa companhia cujo negócio não é propriamente para servir os cabo-verdianos? Da África, designadamente da CEDEAO, para a América do Norte ou mesmo para Europa?
Seria interessante conhecer três bons argumentos para convencer um passageiro nigeriano, gambiano, senegalês ou de outro país da região a utilizar o Hub do Sal com a TACV. É que, hoje em dia, os passageiros da sub-região têm muitas outras alternativas para ligações, ponto a ponto, do seu próprio país ao destino. Por outro lado, a terem que utilizar um Hub, têm outras opções competitivas como, por exemplo, o aeroporto de Dakar. Que outros países/aeroportos estão nesta competição?
Como convencer os passageiros de outras paragens quando, aqui mesmo em Cabo Verde, não foram construídos “argumentos” para convencer as pessoas das outras ilhas a se deslocarem ao Sal e apanhar voos da TACV? É que, com a possibilidade de voos diretos ao destino, a que preço iria um passageiro preferir sair ou entrar no país pelo hub do Sal, correndo ainda o risco de passar uma ou duas noites a aguardar a conexão e sem garantia de transporte da bagagem ao destino? Que alianças existem entre a TACV e a Binter para o escoamento de passageiros?
O perfil do passageiro global, do século XXI, é diferente. As coisas mudaram, tudo é mais rápido e o passageiro global quer chegar o mais rapidamente possível ao seu destino. Até porque as tecnologias do transporte aéreo permitem isso.
A competição: aeroporto internacional Blaisse Diagne de Dakar
O Senegal tem a mesma visão e persegue objetivos idênticos, no sentido de aproveitar essas mesmas oportunidades. O novo Aeroporto Internacional Blaisse Diagne, de Dakar, representa bem este desafio do estado senegalês. O projeto foi lançado em 2007 e inaugurado a 7 de dezembro de 2017.
Uma opção séria na modernização das infraestruturas levou o Senegal a construir um aeroporto de última geração e a dar um salto qualitativo no domínio dos transportes aéreos. Vejamos algumas características deste aeroporto: aerogare com uma área de 42.000 m2 que pode acolher até 3 milhões de passageiros/ano na sua fase inicial e 20 milhões por ano na terceira e última fase; seis pontes telescópicas de acesso a aviões; capacidade de carga de 50.000 toneladas por ano: espaço comercial de 5.000 m2; pista principal de 3.500 m de comprimento e 75 de largura; Parking para acolher 50 aviões em simultâneo.
O aeroporto propõe serviços com o nível IATA B que é a segunda categoria numa escala de cinco níveis de classificação da IATA.
A narrativa política apresenta o Senegal como um verdadeiro futuro motor do desenvolvimento económico da sub-região, capaz de oferecer serviços com qualidade e condições de segurança de nível mundial, favorecer investimentos de alto valor acrescentado nas proximidades do aeroporto, com ganhos de produtividade e de eficácia para o transporte aéreo.
O objetivo estratégico do HUB é: “Transformar a dinâmica de crescimento da região em oportunidades de crescimento para o Senegal e implementar os motores de exportação e de importação”.
Cabo Verde tem também potencial e posição geoestratégica. Mas isso é insuficiente. É preciso construir arduamente os “argumentos” competitivos para que uma opção por um Hub de transporte aéreo vingue e tenha sustentabilidade.
Por outro lado, Cabo Verde conta com um histórico de conflito de interesses (e de competitividade) com o Senegal que vem desde as disputas relativamente à gestão de troços significativos da FIR Oceânica. Essa experiência passada é um indicador de que esse desafio não será fácil para Cabo Verde.
E qual é a nossa estratégia?