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Opinião

Regionalização: Santiago a vítima?

José Pedro Oliveira

A História deve ser estudada e interpretada, sobretudo para não cometermos os mesmos erros do passado, quando a intenção é projectar um Futuro melhor!

Santiago não pode falhar porque seria um desastre para Cabo Verde! Impreterivelmente, Santiago não deve continuar a duas velocidades como vem acontecendo desde o seu povoamento em que os senhores da riqueza (escravos e terras) ocuparam os territórios do norte da ilha de onde emanavam todo seu poder. Poder este que muda para o Sul com o crescimento gradual do comércio e da administração e política. A Praia, que se quer hoje Santiago Sul, só se destaca verdadeiramente do resto do território com a chegada da Independência e um regime hiper-centralizado e disformemente controlador, sem qualquer planificação de desenvolvimento, provocando a debandada do interior para a capital com todas as suas negativíssimas consequências, de todos, conhecidas. Será que vamos legislar para eternizar este MURO imaginário criando duas planificações para dois mundos distintos numa única ILHA?

Sempre achamos corajosa, porque necessária, a atenção que o Governo vem dando, de facto, a esta matéria tão importante para o desenvolvimento futuro do arquipélago. Todavia, críticos, e avançando subsídios lá onde nossa opinião possa descortinar alguma fragilidade e, às vezes, omissão duvidosa e de conteúdo substancial.  Em tempo oportuno havíamos referido à imperiosa necessidade de se tentar, à priori,  um consenso com as demais forças partidárias com assento parlamentar, sobre esta matéria.

Com esta pequena abordagem sobre a PROPOSTA que o Governo acaba de depositar no Parlamento e à qual tivemos acesso ainda em Versão ZERO, gostaríamos de mais uma vez, deixar 3 (três) grandes preocupações enquanto cidadão:

1 – A não procura de consenso, antes de sua completa formatação, com todas as forças partidárias com assento parlamentar. Apesar de sabermos que a unanimidade no seio de um povo livre é pura utopia e até inconveniente, um desígnio nacional como será esta profunda alteração na administração descentralizada das ilhas, necessita de uma enorme maioria social para que seja implementada suavemente e sem sobressaltos e traga resultados próximos dos pretendidos. Não se resume apenas aos 2/3 de deputados no Parlamento para sua aprovação e consequente transformação em Lei, mas sim na sua assimilação, pelas populações aí representadas, como conveniente e favorável nesta etapa em que os cabo-verdianos se propõem a dar grandes saltos. Todos os cabo-verdianos, não só os votantes do MpD! Por isso, achamos que é imprescindível que haja um consenso alargado entre os representantes do povo na feitura dessa Proposta. Ou então, que essa Versão Zero vá humilde e totalmente aberta aos subsídios da bancada do PAICV e dos deputados da UCID  para sua transformação em Versão Um, vencedora, e que não correrá o risco de ser chumbada, fazendo com que Cabo Verde perca esta oportunidade de ouro e adie, para um futuro incerto, esta possibilidade que a Regionalização trará ao país real (as ilhas e suas gentes) de optimizar a utilização de seus recursos a favor do desenvolvimento. Seria falta de patriotismo negar aos outros partidos políticos a possibilidade de dar seu contributo assim como seria também ausência de patriotismo, a recusa de participação neste processo por parte desses, apenas por a iniciativa ter partido de um governo suportado pelo MpD. Tal é a importância dessa matéria que não dá para despiques do estilo partida de futebol e muito menos para ser transformada em pista de gincana política entre os actores parlamentares. Agora que o tema entrou em ordem do dia, a nível nacional, o povo das ilhas estará atento aos próximos episódios e, com certeza, não aceitará que seu futuro seja objecto de folclore e entretenimento nas cadeiras do palácio da Achada de Santo António.    Pensamos que é chegado a hora dos 3 partidos com assento parlamentar se sentarem à volta dessa Versão de Proposta (tinha de haver um ponto de partida) para a transformarem numa VERSÃO VENCEDORA, sem a preocupação de paternidade e que não defraude as elevadas expectativas das populações. Essas mesmas que vos colocou LÁ!

2 – Hierarquia entre os 3 poderes – No CAPÍTULO VII – DAS RELAÇÕES ENTRE O ESTADO E A REGIÃO – Verifica-se uma total omissão da existência de um nível INFRA de poder (o municipal) como se ele não fizesse parte do mesmo Estado e como se o poder INTERMÉDIO (o regional) a ser implementado, viesse relacionar apenas com o poder SUPRA (o governo central) ali designado como Estado na sua globalidade.

A nosso ver, melhor seria que a designação fosse CAPÍTULO VII – DAS RELAÇÕES DA REGIÃO COM O ESTADO ( governo central e município ou municípios da Região) pois não é nosso entendimento que “a regionalização não afectará a autonomia e as atribuições, competências e recursos municipais. As atribuições, competências e recursos da região serão descentralizadas da Administração do Estado, central e periférica”. Contrariamente, pensamos ser cristalino que o poder regional afectará positiva e significativamente tanto o poder central quanto o municipal, aliás não faria sentido sua própria introdução no aparelho administrativo do Estado.

Também, continua sendo nosso entendimento que os órgãos regionais não devem ser corpos estranhos a serem introduzidos para criar atritos entre os diferentes níveis de poder, mas para fazer parte integrante da estrutura hierárquica dos poderes. Vemos como primordial um elo hierárquico, bem definido, entre os três níveis de poder sob pena de grandes conflitos entre o regional e o municipal que, por sinal, estarão em exercício nos mesmos domínios territoriais.

Devemos entender essa hierarquia como uma corrente lógica e facilitadora, necessária, nas decisões e resoluções dos assuntos do cidadão e da colectividade que, quase sempre, são retardados ou bloqueados pela Velha máquina burocrática de um Jovem Estado, de território insular e disperso. Introduzir um poder INTERMÉDIO e deixar tudo como actualmente no relacionamento do CENTRAL com o MUNICIPAL será impensável porque traria resultados ainda piores. Torna-se um imperativo definir claramente o relacionamento dos três poderes, nessa Lei da Regionalização.

3 – A Ruptura do modelo pretendido de Ilha/Região – é consubstanciada no Artº 3 – Criação de Regiões em que as f) e g) propõem dividir a ilha de Santiago em duas Regiões. Para desgraça primeiramente da chamada de Santiago Norte, depois, para a ilha de Santiago e finalmente para Cabo Verde. Ainda não conseguimos entender e, ninguém nos explicou o que dita tal aberrante apego.    

Não acreditamos que seja por mero populismo, nem que seja para agradar alguma clientela político-partidária na criação de “jobs for the boys” e, muito menos, que seja premeditado na eternização de um Santiago rico e fluorescente no Sul e outro Santiago pobre no Norte, num território tão pequeno e numa população tão reduzida. Respondendo a algumas vozes que, na falta de outros argumentos, têm apontado a superfície e a população da ilha como factores de justificação, temos apresentado o exemplo da maior ilha da Macaronésia (Tenerife) que possui cerca do dobro da população de todo Cabo Verde e superfície  superior ao dobro da de Santiago, e nem por isso foram tentados a colocar dois cabildos (governos) insulares para inviabilizar o desenvolvimento da ilha.

Quando se vai ao CAPÍTULO II – DAS ATRIBUIÇÕES E DA COMPETÊNCIA, qualquer cabo-verdiano que ama Santiago Norte, que ama Santiago, que ama Cabo Verde e, desprendidamente, pretende o desenvolvimento equilibrado da ilha e do país, não terá dúvidas em que criar duas regiões nessa ilha seria um atentado a esse mesmo desenvolvimento.

E como o desenvolvimento é sempre baseado em Planos, de maneira alguma deveremos imaginar duas planificações distintas dentro de um espaço tão exíguo como é o de uma mesma ilha. Temos referido sempre a pertinência da solidariedade como suporte do desenvolvimento de todas as ilhas e não podemos deixar de clamar pela solidariedade na unificação dos Planos para um Santiago desenvolvido, do Porto Mosquito ao Tarrafal. Pensamos que está aos olhos de todos – Se Santiago falhar, Cabo Verde falhará, e isto não deverá constar nem dos nossos piores pesadelos.

Por tudo isso, se deve pensar em Santiago como uma região, com o executivo regional sediado na cidade de Assomada e o legislativo na do Tarrafal como forma de desconcentrar os poderes decisores para o interior da ilha, no que a ela diz respeito, e consequentemente desafogar a Praia (capital de todas as ilhas) e levar a dinâmica do desenvolvimento para além das imaginárias fronteiras da chamada Santiago Sul. Essas são designações fracturantes apoderadas pelos dois maiores partidos, por razões que não as de desenvolvimento, e que agora têm a oportunidade de saldar sua dívida,  perante a ilha e para com o país, corrigindo erros graves que a história da ilha nos legou.  É necessário e desejável que os partidos e suas respectivas lideranças participem activamente na desmistificação de conceitos enviesados sobre Regionalização do país que algumas franjas da classe política tem pretendido difundir no seio das populações. Mostrando que a Regionalização não é nenhum Fim para se dividir e criar novos reinos para novos reizinhos e que não passa de apenas mais um Meio para se tentar administrar melhor nossas queridas ilhas de Santo Antão à Brava.

REGIONALIZAR PARA UNIR E PARA PROGREDIR!

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