A língua alemã funciona no Luxemburgo como um filtro que atira imigrantes para trabalhos mais precários e afasta os filhos do ensino clássico. Estas são algumas das conclusões de uma tese de doutoramento, defendida na quinta-feira na Universidade do Luxemburgo, sobre as trajetórias da migração de cabo-verdianos para o Luxemburgo. Para o autor, Bernardino Tavares, a língua integra e ao mesmo tempo exclui.
Jorge Moreno chegou ao Luxemburgo em 2000. O oficial de operações de voo da Transportadora Aérea de Cabo Verde (TACV) veio passar férias, mas apaixonou-se, casou-se, teve filhos e ficou por cá. Falava já francês e inglês. Depois de começar a trabalhar como segurança de discoteca, na restauração e na construção civil, quis “algo melhor e mais leve”.
“Comecei a estudar luxemburguês e alemão para me adaptar ao mercado de trabalho e a ADEM propôs-me um trabalho como segurança. Na entrevista, a recrutadora da ADEM viu o meu CV e disse que não ia recrutar-me porque eu não falava alemão. ’Porque é que está a criar-me dificuldades se eu falo mais do que as três línguas exigidas pela empresa, incluindo o luxemburguês?’, perguntei. ’A maioria das pessoas que trabalham aqui falam alemão’, respondeu-me”, conta Jorge Moreno, um dos inquiridos da tese de Bernardino Tavares.
Mas Jorge conhecia a empresa havia um ano. A namorada trabalhava lá e só falava francês e um “bocadinho” de inglês. “Quando é que os franceses foram multilingues? 70% dos trabalhadores da empresa são franceses”, disse Jorge à recrutadora. “Ela ficou comprometida. Disse-lhe que tinha um filho que ia nascer e que precisava de emprego. Insisti para fazer o teste na empresa. Ela virou-se para uma colega e disse: ’Vamos dar-lhe uma hipótese’. Éramos 40 candidatos e fui um dos 20 recrutados. Deram-me contrato e estou lá há 12 anos. Temos de ser astuciosos para contornar algumas discriminações ou ratoeiras nas entrevistas de emprego. Senão, podemos descontrolar-nos, deixar má imagem e ficar excluídos do trabalho que queremos”, disse Jorge Moreno ao Contacto.
LÍNGUA É DESCULPA LEGITIMADA PARA ENCOBRIR RACISMO
Para o autor da tese, o primeiro doutorado cabo-verdiano pela Universidade do Luxemburgo, a língua alemã é um meio de eliminar certos candidatos. “É uma penalização linguística, que cria um nicho de trabalho só para os imigrantes, ou seja, os trabalhos mais precários. Nas entrevistas de trabalho há recrutadores que tentam por todas as maneiras encontrar falhas nos entrevistados para os excluir. Entre os cabo-verdianos essa penalização é perpetuada através do alemão. Já os imigrantes franceses falam só o francês e praticamente não lhes é exigida outra língua. Então, a língua é usada como uma desculpa legitimada para encobrir questões menos confortáveis como a raça e o género”, defende Bernardino Tavares ao Contacto.
O Luxemburgo é tido como um país multilingue, “o que é bom”, realça Bernardino Tavares. Mas é preciso dar “mais atenção ao outro lado”, o da exclusão. “Nem todas as pessoas veem que a língua também causa sofrimento a muitos imigrantes quando é usada para filtrar. É por isso que, na estratificação do mercado de trabalho, por exemplo, os cabo-verdianos ou guineenses continuam ainda ligados aos trabalhos mais precários”, sustenta.
Fonte: wort.lu/
“Barreira linguística cria nicho de trabalho só para imigrantes”
Por
Publicado em