Por: João Serra*
Quadro: Crescimento do PIB – 1991 a 2024
Período | Crescimento acumulado no período
(Valor aproximado) |
Taxa média de crescimento
(Valor aproximado) |
2016 a 2024 | 1,344 | 3,33% / ano |
2016 a 2019 | 1,2095 | 4,87% / ano |
2020 a 2024 | 1,10983 | 2,11% / ano |
2001 a 2015 | 1,93 | 4,5% / ano |
2001 a 2008 | 1,616 | 6,2% / ano |
2009 a 2015 | 1,081 | 1,1% / ano |
1991 a 2000 | 1,92454 | 6,8% / ano |
Se os cabo-verdianos já estavam cansados da narrativa sufocante do Governo (e do partido que o sustenta), autoelogiando-se como o mais social e o mais empreendedor já existente em Cabo Verde, ficarão ainda mais fartos com a retórica que lhes será repetidamente transmitida, de que os indicadores económicos estão “muito bons”, após a publicação recente dos dados pelo INE, que dão conta de que o PIB terá crescido 7,3% em 2024. E, confundindo a árvore com a floresta, não haverá pejo algum em afirmar que essa taxa – ou outra ainda superior – seria a taxa média de crescimento anual (tmca) de 2016 a 2024, se não fosse pela malfadada “tripla crise” – seca, pandemia de Covid19 e guerra na Ucrânia. Mas, mesmo com a “tripla crise”, a economia terá crescido entre 5% e 6% de 2016 a 2024, segundo se ouve frequentemente, entre governantes e deputados da situação.
Não resta dúvida de que, exceto no ano pandémico de 2020, a economia cabo-verdiana tem crescido nos últimos nove anos. Contudo, uma leitura minimamente atenta e séria dos dados revela uma história bem menos confortável do que o enredo triunfalista do Governo. É, pois, absolutamente necessário contar essa história para se ter uma ideia não distorcida do histórico de crescimento económico: de 2016 a 2024, Cabo Verde cresceu a uma taxa média de 3,33% ao ano e, de 2016 a 2019 – ou seja, antes da crise pandémica de 2020 – a tmca foi de 4,87%, ficando, assim, longe dos 7%. Para além disso, trata-se de um crescimento muito provavelmente ilusório, como veremos a seguir.
As diversas correntes do pensamento económico convergem na identificação do crescimento económico – aqui entendido como sinónimo de desenvolvimento económico – como um pilar fundamental para o progresso das nações, uma vez que proporciona os recursos necessários para melhorar os padrões de vida, investir em capital humano e infraestruturas, reduzir a pobreza e a desigualdade e promover a transformação estrutural das economias.
A necessidade de desenvolvimento económico pode ser explicada através da teoria por detrás da Pirâmide de Maslow.
Essa teoria foi lançada, em 1943, por Abraham Maslow, com a publicação, na revista Psychological Review, do artigo “A Teoria da Motivação Humana”. A mesma sugere que as necessidades humanas estão organizadas numa hierarquia em que, na base, se encontram as necessidades essenciais – como comer, beber e dormir – e, no topo, aquelas mais nobres, ligadas à autorealização.
A importância do desenvolvimento económico advém, precisamente, do facto de constituir uma condição indispensável para satisfazer as necessidades mais básicas e garantir a cidadania.
Ciente desta relevância, os sucessivos governos de Cabo Verde sempre deram uma atenção especial ao crescimento económico.
Após a Independência Nacional, em 1975, Cabo Verde herdou uma economia frágil, dependente da agricultura de subsistência e da ajuda externa. As infraestruturas básicas – como estradas, portos e aeroportos – eram precárias e insuficientes, e o setor industrial era praticamente inexistente. Nessas circunstâncias, após um crescimento médio anual de 0,7% até 1980, a tmca do PIB foi de 6% na primeira metade dos anos 80 e de 5% no período 1985–1990.
A década de noventa marcou uma viragem importante na política económica de Cabo Verde. A democratização do país, com a adoção do multipartidarismo em 1991, levou à implementação de profundas reformas económicas liberais. O período de 1991 a 2000 assinalou também o início da expansão do turismo, setor que passou a representar uma parte importante do PIB. Em 2000, o país já recebia mais de 100 mil turistas, um aumento significativo face a décadas anteriores.
Assim, devido a uma combinação de fatores políticos, económicos e estratégicos que transformaram a estrutura do país, Cabo Verde registou um crescimento económico mais acelerado entre 1991 e 2000, com a tmca a rondar os 7% (6,8%), a taxa mais elevada até hoje.
Entre 2001 e 2015, a tmca foi de 4,5%. No entanto, verificam-se dois momentos distintos de crescimento. O primeiro refere-se ao período de 2001 a 2008, no qual a tmca foi de 6,2%. Já no segundo, de 2009 a 2015, a tmca foi de apenas 1,1%. A principal razão para esse modesto crescimento reside na crise financeira de 2008, desencadeada pela crise do crédito “subprime” nos Estados Unidos e que se propagou rapidamente pelo sistema financeiro internacional, causando uma recessão económica mundial. Embora Cabo Verde não tenha sido diretamente atingido pela turbulência dos mercados, a crise de 2008 impactou a sua economia através da redução das remessas, do declínio do turismo, da diminuição do investimento e de pressões sobre as finanças públicas.
Conforme referido, entre 2016 e 2024, a tmca foi de 3,33%. Também aqui distinguem-se dois períodos: no primeiro, de 2016 a 2019, a tmca foi de 4,87%; e, no segundo, de 2020 a 2024, a tmca foi de 2,11%.
Como já escrevi em vários artigos de opinião, tenho sérias reservas relativamente à fiabilidade dos dados do INE no que respeita à inflação. Na verdade, o índice de preços no consumidor (IPC) em vigor baseia-se em dados recolhidos em 2015 e, até à data, não foi nem atualizado, nem ajustado. Isso significa que já não reflete o padrão atual de consumo dos cabo-verdianos e o respetivo custo, pois esse padrão difere consideravelmente do de há uma década. Em consequência, quase ninguém acredita nas nossas taxas de inflação, na medida em que praticamente todos reclamam dos aumentos generalizados dos preços, o que contrasta com os valores de inflação, geralmente baixos, indicados pelo INE.
Ora, para se calcular o crescimento do PIB, é preciso determinar o PIB real, obtido através do ajuste do PIB nominal para eliminar o efeito da inflação. Normalmente, utiliza-se um índice de preços (geralmente o deflator do PIB) para “corrigir” o valor nominal, exigindo, assim, a estimativa dos deflatores do investimento e do consumo.
No que diz respeito ao consumo, o IPC é o deflator do consumo das famílias. Se o IPC estiver subavaliado – como parece ser o caso – resultará numa estimativa mais elevada do consumo real. E o consumo das famílias é a variável com maior peso no PIB, no lado da procura. Assim sendo, o deflator utilizado tem um impacto importante no nível do PIB real. Aliás, por esse motivo, o deflator do PIB tende a seguir uma evolução muito semelhante à do IPC.
Portanto, relativamente ao crescimento do PIB, não obstante estar longe dos 7% ao ano, podemos, mesmo assim, estar perante dados convenientemente atamancados, fazendo o crescimento económico parecer mais robusto do que é, na realidade.
Ou seja, a economia de Cabo Verde sequer cresceu à taxa média de 3,33% ao ano entre 2016 e 2024.
Praia, 19 de abril de 2025
*Doutorado em Economia
