Por: António Medina*
Recentemente, o Ministro da Família, Inclusão e Desenvolvimento Social de Cabo Verde defendeu a preparação do país para recrutar trabalhadores estrangeiros, com o objetivo de suprir carências em setores-chave da economia. A proposta, embora apresentada como resposta a um alegado “déficit de mão de obra”, escancara um paradoxo preocupante: enquanto jovens cabo-verdianos formados em áreas como construção civil enfrentam o desemprego ou buscam oportunidades no exterior, o governo considera importar força de trabalho.
É um discurso que, no mínimo, exige questionamento. Afinal, estamos a formar jovens para exportá-los? Onde está o retorno do investimento público feito na qualificação profissional desses cidadãos? A situação se torna ainda mais contraditória quando observamos que países como Portugal, enfrentando também escassez em setores como a construção civil, estão a recrutar precisamente esses jovens formados em Cabo Verde — jovens que, aqui, não encontram espaço para aplicar seus conhecimentos.
O cenário evidencia uma grave desconexão entre as políticas de formação profissional e o mercado de trabalho interno. Nos últimos anos, o governo cabo-verdiano fez promessas ambiciosas: a criação de 45 mil empregos bem remunerados foi uma delas. No entanto, a realidade bate à porta de milhares de jovens sem ocupação ou com salários que mal garantem a sobrevivência. Em vez de se traduzir em oportunidades reais, a formação técnica parece servir mais como passaporte para a emigração do que como alicerce para o desenvolvimento nacional.
Não é de hoje que a juventude cabo-verdiana se vê obrigada a olhar para fora em busca de esperança. A economia local, ainda marcada pela dependência externa, carece de dinamismo, incentivos ao empreendedorismo e políticas públicas que valorizem o potencial interno. Quando se propõe a contratação de trabalhadores estrangeiros para setores nos quais jovens formados não conseguem emprego, o recado que se passa é claro: investir no cidadão cabo-verdiano não é prioridade.
É necessário, sim, reconhecer que há nichos específicos que podem, em momentos pontuais, necessitar de mão de obra externa. Mas transformar essa necessidade em estratégia de governo é reconhecer, de forma velada, o fracasso em gerar um mercado de trabalho robusto, inclusivo e atrativo para os próprios nacionais.
Em vez de olhar para fora, o governo deveria perguntar: o que falta para que nossos jovens, formados aqui, possam trabalhar aqui? A resposta está em políticas estruturantes — educação alinhada ao mercado, estímulo à indústria nacional, melhores condições laborais e incentivos ao setor privado para absorver essa mão de obra qualificada.
Mais do que números em relatórios ou metas não cumpridas, a juventude cabo-verdiana precisa de oportunidades concretas, salários justos e perspectiva de futuro em sua própria terra. Formar para exportar é aceitar a mediocridade de um sistema que se contenta em preparar cérebros e braços para servir o desenvolvimento de outras nações.
Se queremos um país com base sólida, é urgente repensar o papel da formação profissional, o aproveitamento da juventude no mercado interno e o verdadeiro propósito das políticas públicas. Cabo Verde não pode continuar a ser celeiro de talento para exportação — tem que ser terra de oportunidades para quem nela nasceu e quer prosperar.
23/03/2025
António Medina
Geógrafo, doutorando em Ciências Sociais
