O consumo de substâncias estupefacientes entre adolescentes aparentemente dos 12 aos 15 anos, no Liceu Amílcar Cabral (LAC), tem preocupado os moradores da cidade da Assomada, no interior da ilha de Santiago. O problema afecta, sobretudo, alunos provenientes de famílias monoparentais. De acordo com a direcção da escola, mais de 60% dos estudantes vivem com os avós e irmãos devido à emigração dos pais.
O testemunho de um jovem de 20 anos, que assumiu o papel de chefe de família devido à emigração dos pais, ilustra os desafios enfrentados pelos adolescentes em contextos familiares frágeis.
“A relação entre pais e filhos constrói-se desde cedo, e quando os pais estão ausentes, torna-se difícil impor regras e moldar comportamentos, principalmente na fase da pré-adolescência, quando os jovens não aceitam ser repreendidos. Tenho um irmão de 14 anos e, muitas vezes, é difícil lidar com ele. Quando tento impor regras, ouço sempre: ‘Não és a minha mãe, não mandas em mim’”, relata.
Recentemente a Rádio de Cabo Verde (RCV) presenciou um grupo de estudantes, com idades aparentes entre os 12 e os 15 anos, uniformizados, a fumar substâncias ilícitas na presença de residentes locais. Ao serem alertados, os jovens mostraram desinteresse e continuaram com o acto, evidenciando a gravidade da situação.
Tanto professores quanto alunos e moradores próximos do LAC relatam que o consumo de drogas ocorre, principalmente, nas imediações do liceu, sobretudo no horário de saída.
“Fico espantado com o comportamento dos alunos. Muitas vezes observo-os quando entram e saem da escola e já vi vários a encontrarem-se com pessoas fora do recinto, apresentando comportamentos suspeitos. Em alguns casos, o consumo acontece até mesmo dentro da escola, nos locais mais isolados”, disse um professor em anonimato.
Outro funcionário da escola ouvido pela nossa reportagem, confirma a versão do professor, acrescentando que é difícil os apanhar em flagrante porque já sabem como disfarçar. “O que mais me impressiona é a facilidade com que conseguem estas substâncias. A escola faz o possível para combater este problema, mas os alunos acabam sempre por encontrar formas de contornar o sistema”, desabafa.
Os próprios estudantes confirmam a existência destes episódios, embora alguns afirmem que os colegas que consomem drogas não representam uma ameaça direta. No entanto, há quem admita que alguns adolescentes acabam por experimentar as substâncias para se integrarem nos grupos.
Direcção do LAC reage
Contactado pelo A NAÇÃO, o subdiretor do LAC, Moisés Miranda, refutou as denúncias, assegurando que o liceu se encontra estável e sem registos de atos de vandalismo ou comportamentos comprometedores. No entanto, reconhece que o abandono parental provocado pela emigração tem um impacto significativo na vida dos estudantes.
“A escola não tem presenciado casos de alunos a consumir estupefacientes dentro do recinto escolar. No entanto, para prevenir este tipo de situações, a nossa equipa tem um papel mais orientador do que punitivo. Em casos mais graves, realizamos palestras regularmente em parceria com a Delegacia de Saúde e as autoridades locais, alertando para as consequências destes atos”, afirmou.
Segundo Moisés Miranda, um inquérito realizado sala a sala revelou que mais de 60% dos alunos vivem com os avós e são responsáveis por cuidar dos irmãos mais novos, devido à emigração dos pais.
Educação familiar no combate ao consumo de drogas
De acordo com o sociólogo Henrique Varela, o uso de drogas nas escolas é um reflexo do fácil acesso às substâncias e da influência dos grupos de convívio. A curiosidade, a necessidade de aceitação social e a busca por afirmação pessoal são fatores que frequentemente levam os adolescentes a experimentar drogas. Além disso, quando os jovens têm autonomia financeira, como uma mesada elevada ou outro tipo de rendimento, a probabilidade de consumo aumenta.
“A família tem um papel fundamental. Ela é a primeira escola da vida do indivíduo, e os pais devem ser exemplos a seguir. A educação em casa, que orienta, corrige e aconselha, é essencial para ajudar os jovens a fazer escolhas conscientes e responsáveis. É o verdadeiro ponto de partida para que os adolescentes possam evitar o consumo de drogas e seguir um caminho mais saudável”, defende o sociólogo.
A NAÇÃO tentou contactar a Esquadra Policial da Assomada para obter mais esclarecimentos sobre a situação, mas sem sucesso.
Leliane Semedo e Cláudia Cruz
*Estagiárias
