PUB

Convidados

Corrupção: Desafios jurídicos, morais e estratégias de prevenção

Por: Flora Lopes*

A corrupção representa um dos principais desafios para o desenvolvimento sustentável e a boa governança nas sociedades actuais. Os seus efeitos vão desde o enfraquecimento das instituições públicas até o comprometimento da confiança social e económica. Neste texto proponho-me abordar, sinteticamente, alguns itens significativos do tema, quer no plano da prevenção quer da repressão, tanto numa perspetiva jurídica como ético-social. 

Desafios jurídicos

Do ponto de vista jurídico, a corrupção é tratada como um crime que deve ser punido  no âmbito do respectivo processo legal. A existência de um quadro legal robusto é crucial para a prevenção e combate eficaz da corrupção. As sanções legais para actos de corrupção podem incluir multas, prisão, perda de direitos políticos e outras penalidades.

Sem uma aplicação eficaz dessas leis, a promessa de justiça permanece vazia. A corrupção é um obstáculo ao progresso e à equidade, impedindo que recursos essenciais cheguem àqueles que mais precisam. Portanto, é nosso dever como cidadãos e líderes garantir que as leis anticorrupção sejam executadas sem medo ou favorecimento, promovendo a transparência e a ética em todas as esferas da sociedade.

Ademais, a globalização trouxe novos desafios jurídicos, como a internacionalização dos crimes financeiros o uso de paraísos fiscais. Para combater essas práticas, é essencial promover tratados internacionais que harmonizem legislações e garantam a responsabilização de empresas e indivíduos envolvidos em actos corruptos.

A Transparência Internacional (A Transparência Internacional é uma Organização não Governamental que tem como “[…] missão combater a corrupção e promover a defesa dos direitos humanos e dos valores da democracia” (TI-PT, 2019a, s.p.), em termos gerais, define a corrupção como o “[…] abuso do poder confiado para obtenção de benefícios privados” (TI-PT, 2019b, p. 9). Essa definição abarca o agente a quem é confiado poder e, portanto, o conceito abrange tanto os sectores de corrupção pública como privada.

Já o Código Penal Cabo-verdiano, prevê os crimes de corrupção nos artigos 363º e 364º, distinguindo entre corrupção passiva e activa, respectivamente. Contudo, Caboverde dispõe de um vasto leque de infracções que configuram o crime de corrupção, nomeadamente, nos crimes eleitorais, dos crimes contra administração e realização da justiça, dos crimes do exercício de funções publicas e da Lei Avulsa: crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos.

Os Tribunais Portugueses, cuja perspectiva nos é próxima, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Processo n.º 102/16.1TRPRT.P1), de 14 de Abril de 2021, salienta que a criminalização da corrupção é exigida pela protecção dos valores indispensáveis à realização livre da pessoa, elevando-se à categoria de bem jurídico-penal a própria esfera da autoridade pública, tutelando a autonomia intencional do Estado enquanto momento imprescindível na preservação de quaisquer expectativas de convivência social. 

Desafios de organização social na abordagem das estratégias de Prevenção

Para reduzir a corrupção, é fundamental combinar medidas preventivas com acções repressivas. Entre as linhas estratégicas de prevenção mais emblemáticas sinalizam-se as seguintes:

• Transparência: A adopção de tecnologias que permitam maior acesso público, incluindo os media, a informação relevante, como portais de denúncia e transpa-rência e sistemas de auditoria digital, é um passo decisivo para inibir práticas cor-ruptas.

• Participação Social: Incentivo à população a actuar como fiscalizadora, por meio de conselhos, denúncias e controle social, fortalece o combate à corrupção.

• Fortalecimento Institucional: Instituições independentes, bem equipadas e dis-ciplinadas são essenciais para prevenir e investigar casos de corrupção.

• Promoção de Integridade Corporativa: Empresas devem adoptar programas de compliance que previnam actos de corrupção, especialmente nas relações no sector público.

Desafios morais /éticos e a confluência com o jurídico

Além de sua dimensão jurídica, a corrupção também é uma questão profundamente moral. Ela envolve a violação de princípios éticos fundamentais, como a honestidade, a ideia de equidade justiça e a integridade. A corrupção corrompe os valores sociais e mina a confiança pública nas instituições, criando um ambiente onde a desonestidade e a impunidade podem prosperar.

Do ponto de vista moral, a corrupção é vista como um comportamento deplorável que deve ser condenado e combatido por todos os membros da sociedade. Ela representa uma ofensa traição à confiança pública e aos valores colectivos. A abordagem moral da corrupção enfatiza a importância da educação ética, da promoção de valores de integridade e da construção de uma cultura de transparência e responsabilidade. 

Posto o que a corrupção não é apenas um problema jurídico, mas também uma questão moral que requer a mobilização de esforços colectivos. Embora as duas perspectivas, jurídica e moral, sobre a corrupção possam parecer distintas, elas estão intimamente interligadas. As leis anticorrupção são, em grande medida, um repositório de valores morais que uma sociedade considera fundamentais. Por sua vez, o fortalecimento da moralidade pública é essencial para garantir que as leis sejam respeitadas e aplicadas com rigor. 

Um dos desafios centrais na luta contra a corrupção é a necessidade de alinhar as normas jurídicas com os valores morais da sociedade. Quando as leis são percebidas como justas e refletem os princípios éticos, há uma maior probabilidade de adesão e cumprimento. Além disso, a promoção de uma cultura de integridade e responsabilidade pode complementar e reforçar os esforços legais, criando um ambiente menos propício à corrupção. Reza o artigo 35.º (Indemnização por danos e prejuízos) da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (CNUCC) que cada Estado Parte adoptará as medidas que sejam necessárias, em conformidade com os princípios de sua legislação interna, para garantir que as entidades ou pessoas prejudicadas como consequência de um acto de corrupção tenham direito a iniciar uma acção legal contra os responsáveis desses danos e prejuízos a fim de obter indemnização.

A corrupção é, simultaneamente, um problema jurídico e moral. Para enfrentar este desafio de forma eficaz, é necessário adoptar uma abordagem conjunta que reconheça e valorize ambos os aspectos. Fortalecer as legislações anticorrupção, garantir a aplicação justa e imparcial das leis e promover uma cultura de integridade e responsabilidade são passos essenciais para combater a corrupção em todas as suas formas.

A corrupção é um problema que pode manifestar-se de forma preocupante em vários sec-tores: ao nível do governo, das instituições públicas e privadas, bem como das organiza-ções da sociedade civil. Essa prática prejudicial não conhece limites de fronteiras ou clas-ses sociais, revelando-se, assim, uma questão profundamente enraizada na sociedade que exige atenção e acção colectivas.

Ao nível governamental, a corrupção pode manifestar-se através de actos de suborno, desvio de recursos públicos, nepotismo, favorecimento e outros comportamentos antiéti-cos que fragilizam o tecido social e político de uma nação. Mas, no sector privado, a práti-ca da corrupção também encontra terreno fértil, seja por meio de acordos ilícitos entre em-presas e funcionários públicos, seja em práticas como evasão fiscal e manipulação de con-tratos – [Diga-se que existe conluio na contratação pública]. Esses factores contribuem para o aumento das desigualdades sociais, corroem a confiança nas instituições e dificul-tam o desenvolvimento sustentável.

Outro aspecto que deve ser considerado são as nuances presentes nesse fenómeno. Em muitas culturas, por exemplo, práticas aparentemente inofensivas, como a troca de favores ou presentes entre indivíduos, podem ser interpretadas como formas de corrupção vela-das. A linha tênue entre o que é moralmente aceitável e o que é eticamente condenável evidencia a necessidade de uma análise contextual e cuidadosa sobre o tema. 

Portanto, é imperativo reforçar a importância de políticas públicas eficazes e de uma cons-ciência social que promova a transparência e a responsabilidade. A luta contra a corrupção não pode ser travada apenas por instituições ou governos; deve ser um esforço conjunto que envolva cidadãos, organizações e a comunidade internacional. Somente através de medidas concretas, como o fortalecimento dos sistemas de fiscalização, a aplicação de penalidades severas e a promoção de uma educação ética desde cedo, será possível cons-truir uma sociedade mais justa e equitativa.

A combinação de legislações rigorosas, instituições independentes e uma sociedade comprometida com a promoção de valores éticos é a chave para avançar na contenção desse fenómeno. Afinal, um ambiente livre de corrupção não apenas favorece o desenvolvimento económico, como também reforça a confiança da população nas suas instituições e nas pessoas. 

Quanto à questão da prescrição (morte legal), é meu entendimento que os crimes de corrupção, apesar de complexos, não devem justificar prazos excessivamente longos. Prazos mais curtos incentivam investigações eficientes, preservam provas e memórias enquanto ainda estão frescas e fortalecem a confiança pública no sistema judiciário. Congratulo-me com a recente alteração do Código Penal cabo-verdiano, introduzida pela Lei n.º 117/IX/2021 de 12 de Maio, que reduziu os prazos de prescrição(Corrupção Activa e Passiva), representando um marco significativo na promoção de uma justiça célere e na fortificação do combate à impunidade. Aprendendo com modelos internacionais, é possível equilibrar celeridade e profundidade investigativa, garantindo justiça ágil sem comprometer a qualidade do julgamento. Ajustar os prazos é essencial para um sistema mais dinâmico e confiável.

PUB

Adicionar um comentário

Faça o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PUB

PUB

To Top