Por: Samilo Moreira
Visando reforçar a disciplina e o rigor orçamental das autarquias, a transparência na gestão dos recursos públicos, e promover uma gestão pública orientada para a estabilidade financeira, económica e social, apresento alguns pontos que considero importantes para revisão.
Mas, se os mecanismos de fiscalização estabelecidos no art.º 128 do Estatuto dos Municípios (art.º 230 do novo Estatuto dos Municípios), especialmente no que se refere à atuação da Tutela e do Ministério Público, não forem aplicados de maneira tempestiva, a alteração na Lei irá continuar sendo ineficaz.
1. Alteração do artigo 32.º da Lei n.º 79/VI/2005, de 5 de setembro – Regime Financeiro das Autarquias Locais
Nos termos do art.º 32.º da legislação vigente: “As despesas com o pessoal, incluindo os encargos provisionais com o pessoal, não podem exceder 50% das receitas correntes previstas no orçamento”. Essa metodologia tem permitido que algumas autarquias inflacionem as previsões de receita corrente, criando margem para o aumento insustentável na execução da despesa com pessoal. A proposta de alteração é a substituição da regra atual pela seguinte disposição: “as despesas com o pessoal, incluindo os encargos provisionais com o pessoal, não podem exceder 50% da média das receitas correntes executadas nos quatro anos anteriores ou no mandato anterior.”
Vantagens dessa nova metodologia: a) maior realismo orçamental: a base de cálculo passa a ser a receita efetivamente arrecadada nos últimos quatro anos ou no mandato anterior, reduzindo a margem para previsões irrealistas; b) sustentabilidade financeira: evita o aumento descontrolado da despesa com pessoal, c) prevenção de impactos sociais negativos: reduz o risco de despedimentos em massa devido a desequilíbrios financeiros, d) melhoria da transparência e do rigor na gestão pública: as autarquias serão obrigadas a planear suas despesas com base em dados exequíveis e sustentáveis.
1.1 Regulamentação do uso de cheques nas autarquias
Com o objetivo de garantir transparência, controle e prestação de contas, é necessário definir regras claras sobre o uso de cheques nas autarquias, priorizando a substituição desses meios de pagamento por sistemas eletrônicos ou bancarização efetiva. Para isso, devem ser estabelecidas, nas normas e instruções de execução orçamental dos municípios, regras específicas para pagamentos e recebimentos por cheques. Atualmente, o uso arbitrário de cheques tem sido uma prática recorrente que oculta a real situação financeira da autarquia na Cidade da Praia. Grandes quantidades de dinheiro são movimentadas por meio de cheques sem o devido conhecimento da Direção Financeira, sendo esses valores detectados apenas em auditorias e inspeções – uma prática que, infelizmente, ainda não é regular em Cabo Verde. Outra consequência dessa prática é a utilização de cheques para o pagamento de pessoas contratadas ilegalmente, o que representa um problema adicional, pois tais pagamentos não incluem os devidos descontos para a segurança social, descumprindo, assim, o requisito exigido pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) de que “as entidades empregadoras são obrigadas a remeter, mensalmente, as folhas de Ordenado e Salários – FOS”. Essa situação tem contribuído para o elevado montante devido pelas autarquias ao INPS.
2. Alteração da Lei n.º 134/IV/95, de 3 de julho – Estatuto dos Municípios
2.1 Competências do Presidente da Câmara Municipal
Para reforçar o princípio da estabilidade orçamental, propõe-se a seguinte alteração do art.º 98, n.º 1, alínea e) do Estatuto dos Municípios. De: “Autorizar o pagamento das despesas orçamentadas.” Para: “Ordenar e processar as despesas legalmente autorizadas.”
(Ordenar → Emissão, Processar → Execução, Autorizar → Aprovação).
Exemplos práticos:
I. Após o à construção da estrada, o Presidente da Câmara autoriza o pagamento para a empresa contratada. Isso pode caracterizar usurpação da competência prevista no n.º 1 (e seguintes) do art.º 92 da Lei n.º 134/IV/95, de 3 de julho – Estatuto dos Municípios, quando as execuções do Plano de atividades, orçamento e pagamentos são feitas exclusivamente pelo Presidente da Câmara como está a acontecer na Cidade da Praia. Portanto, não há checks and balances.
II. A Câmara Municipal assina um contrato para a construção de uma estrada. O vereador(a) e a Direção financeira verificam se a despesa está prevista no orçamento e se os documentos estão corretos, processando a despesa antes da autorização do pagamento. Esse procedimento está em conformidade com as competências da Câmara Municipal estabelecidos no Estatuto dos Municípios, n.º 2 art.º 92 – âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços. Além disso, essa proposta está em conformidade com a aliena b) n.º 1 art.º 5 da Lei n.º 88/VIII/2015, de 14 de abril, que aprova o Código de Contratação Pública (CCP), que considera a Câmara Municipal como a Entidade Adjudicante, e do Regulamento orgânico.
2.2. Reuniões ordinárias vs. extraordinárias
O salário líquido de um vereador profissionalizado é de 109.000 CVE/mês. A senha de presença de um eleito municipal (vereador não profissionalizado e deputado municipal) é, atualmente, de 15.000 CVE líquidos por reunião/sessão na autarquia da Praia. Com a alteração do n.º 1 do art.º 91 do Estatuto dos Municípios (EM), que passa a determinar que: “As reuniões ordinárias da câmara municipal têm lugar semanalmente quando dispõe de 9 (nove) membros e quinzenalmente quando esse número é de 7 (sete) ou 5 (cinco) membros”, significa que o vereador não profissionalizado passa a receber 60.000 CVE/mês nos Municípios de Praia, São Vicente, Santa Catarina, e Sal. Se houver duas reuniões extraordinárias por mês, esse valor pode chegar a 90.000 CVE. Se houver reuniões extraordinárias para inflacionar o subsídio, e inclusive distorcer a obrigatoriedade da reunião ordinária na CMP e na AMP, irá ocorrer a situação em que um vereador não profissionalizado ganha o mesmo ou mais do que um profissionalizado, o que representa um incentivo para que não haja vereadores profissionalizados, pois podem acumular esses valores com outra profissão. De acordo com o n.º 3 do artigo 142 do novo Estatuto dos Municípios: “A câmara municipal pode reunir-se extraordinariamente por iniciativa do presidente ou a pedido da maioria dos vereadores, não podendo, neste caso, ser recusada a convocatória.”
Sugere-se a seguinte redação:
“A câmara municipal pode reunir-se extraordinariamente por iniciativa do presidente ou a pedido da maioria dos vereadores, sempre que circunstâncias excecionais o exijam e não seja possível reuni-la ordinariamente, devendo ser invocada essa circunstância. Os atos praticados devem ser sujeitos à ratificação expressa na primeira reunião ordinária seguinte da câmara municipal, não podendo, neste caso, ser recusada a convocatória ou a inclusão do tema na ordem do dia”.
Com esta alteração consegue-se: a) critérios objetivos para convocação: evita o uso arbitrário e subjetiva da reunião extraordinária e da urgência- esta última prevista no art.º 126 do Regimento da AMP; b) justificação fundamentada do porquê da impossibilidade de aguardar a reunião ordinária, c) não distorce a conformidade com prazo mínimo de convocação da reunião ordinária que o estatuto estabelece, e garante o tempo para análise dos temas da ordem do dia.
