Por: Germano Almeida
Desde 19.10.2022 que o deputado preso na cadeia de Ribeirinha em S. Vicente vem inutilmente requerendo, solicitando, pedindo, reclamando, larunjando, que os serviços prisionais lhe devolvam o computador portátil a que legalmente tem direito a ter na sua posse enquanto detido, e que efetivamente teve durante certo tempo, mas que lhe foi abruptamente retirado por ordem do então diretor geral da direção geral dos serviços prisionais. Não tem sido fácil para o deputado Amadeu Oliveira enfrentar a surda, cega e muda “máquina totalitária” que domina este país que se reclama de estado de direito democrático e se diz regido pelos princípios de defesa intransigente da Constituição e demais leis da República e dos direitos humanos e todas as outras palavras bonitas que acompanham essas espécies de ladainhas e que sabemos de cor e salteado e repetimos sem convicção porque nunca chegámos a interiorizar o valor do seu conteúdo. Por exemplo, a norma constante do artº 28º nº 1 da Constituição: ”É inviolável o direito à liberdade”, tem realmente algum significado para além de serem palavras bonitas?
Amadeu acreditou que poderia rebelar-se contra o sistema e continuar a viver dentro dela, porém os poderes conjugados estão a mostrar-lhe quem realmente manda, que tentar mijar fora do penico tem custos incalculáveis que ele está a pagar há mais de três anos, enfim, que pedra não joga com garrafa. Não deixou de ser caricato ouvir o presidente da República a garantir o bom estado de saúde do dr Amadeu Oliveira e não haver nenhum problema com ele – exatamente no momento em que o Amadeu estava sendo submetido a uma intervenção cirúrgica.
De modo que, na busca de sempre mais e melhor atormentar o Amadeu, abusivamente lhe retiram o computador portátil que a lei expressamente lhe permite ter dentro da cadeia. Ele sabe que é um ato de prepotência daqueles que se acham donos do Estado de Cabo Verde e do seu poder e se sentem legitimados para fazer cumprir a sua vontade tornada soberana (haja em vista a forma absolutamente avessa às normas legais como foi mandado prender pelo juiz desembargador Simão Santos), e começa a espernear para todos os lados, ministra da Justiça, procurador-geral, primeiro-ministro, presidente da República, Supremo Tribunal, Tribunal Constitucional… Tudo em vão! Ninguém lhe responde. Bem, exceto o procurador-geral que acabou dando uma de comunista primitivo ao defender que é um ato de justiça não devolver o computador ao Amadeu Oliveira, pois que os presos são todos iguais e os demais não têm capacidade financeira para igualmente o adquirirem. Muito bem, morrendo e aprendendo.
Até que a advogada Maria João Novais tomou em mãos esse assunto do computador do Amadeu, não descansando até obter uma resposta que veio assinada pelo diretor geral dos serviços prisionais, Odair Pedro.
Dessa resposta se poderia dizer em substância que tem coisas boas e tem coisas originais. Só que as boas não são originais e as originais não são boas.
Vejamos então o que ele diz:
“1.Pela redação e argumento lógico da norma do artº205º do Código de Execução das Sanções Penais Condenatórias, parece resultar claramente a intenção do legislador em reduzir ao mínimo a amplitude discricionária do poder executivo, vs administração prisional.
2. Em boa verdade o legislador reserva para si (bem entendido, para a lei) a decisão sobre o acesso dos reclusos a determinados bens e objectos dentro do espaço prisional, por entender, e bem, que, em se tratando do reconhecimento, realização ou restrição de direitos, tal margem de avaliação e decisão não deve caber à Administração, conforme dita a nossa Constituição.
3. Assim, ao ler-se “apenas permitido” ou “são unicamente permitidos” nos nºs 1 e 3 do referido dispositivo, consagra-se uma clara permissão legal, normativa, subtraindo, portanto, in casu, ao poder administrativo a discricionariedade alegada do Despacho DGSPRS. Dito de outro modo, o legislador consagra um verdadeiro dever ser normativo (e não um poder ser), pelo que a expressão “é permitido” deve ser lido como “deve ser permitido” e não como “pode ser permitido”. A consagração legal da permissão (pelo legislador) esvai ou elimina logicamente a consagração da possibilidade de permissão (que seria atribuída à Administração).
5. Nos termos do art 205º do Código de Execução de Sanções e Penas Condenatórias, estabelece que no espaço de alojamento são unicamente permitidos:
….
e) Aparelho de rádio, leitor de música ou outro equipamento multimédia que não possibilite a comunicação eletrónica, até ao máximo de três, incluindo um computador portátil”.
Pronto, finalmente aparece alguém com senso, neste caso o diretor-geral, a mostrar que os reclusos têm o direito de ter um computador sem ligação eletrónica, que só por perversidade se estava a impedir o deputado preso Amadeu Oliveira de ter o seu computador. Depois deste despacho da parte do diretor-geral, nenhuma outra entidade, sequer o procurador-geral poderá invocar esse princípio de falsa igualdade entre os reclusos…
Porém, no melhor pano cai a nódoa, o despacho contém mais um parágrafo. Que diz ele? Diz que “A portaria 14/2016 de 23 de março que aprova o regulamento interno das Cadeias, no seu artigo 14 nº7 que tem como título “artigos de uso pessoal permitidos” diz que não é permitido, a posse e o uso nas celas, de recetores de televisão, computadores e consolas de recreação”.
E pronto, um desfecho completamente inesperado, uma portaria revoga um decreto-lei! E assim pode-se dizer que para perseguir um homem, não obstante já seguro na cadeia, o Poder não se detém diante de coisa alguma.
