Nilton Vaz, o presidente do Sindicato da Indústria, Comércio e Turismo (SICOTUR), diz que os trabalhadores da hotelaria exigem respeito e, em particular, aponta o dedo aos responsáveis dos Hotéis Riu. Assédio, abuso de poder, pressões ilegítimas sobre os trabalhadores e ameaças de represálias, agressões verbais, péssima alimentação e não cumprimento do direito a férias, são as principais acusações do dirigente sindical.

Nilton Vaz, presidente do Sindicato da Indústria, Comércio e Turismo (SICOTUR),
“Temos problemas na carga horária, abusos e represálias, os responsáveis dizem mesmo: ‘vocês não querem, amanhã metemos outra pessoa”, diz Nilton Vaz, considerando que, em termos de trabalho com direitos, “estamos a retroceder e, futuramente, isto pode ter consequências” no sector do turismo.
Vaz diz, ainda, que a alimentação dos trabalhadores nos hotéis “é má” e denuncia um expediente utilizado pelas entidades patronais: “O trabalhador tem o dever de fazer oito horas de trabalho”, mas o empregador transforma essa carga horária em “oito horas e meia”. Ou seja, “para além da carga horária que é grande, aumenta para mais meia hora, e muitas vezes os trabalhadores nem têm tempo para almoçar”.
Ritmos de trabalho desumanos
O presidente do SICOTUR dá o exemplo das camareiras: “Uma camareira se até à hora do almoço tiver, pelo menos, metade dos quartos feitos, vai ter de trabalhar para além da hora”.
“Há camareiras a fazer 15 quartos por dia”, uma quantidade excessiva que começa a afectar a qualidade de vida das mesmas. “Neste momento, já temos pessoas doentes com problemas de coluna, uma camareira fazendo vinte anos nesse serviço, dificilmente não terá problemas graves de saúde”.
Nilton Vaz denuncia abusos por parte das entidades patronais que acusa de maltratarem trabalhadores. “As represálias a nível da hotelaria, principalmente nos hotéis Riu, aumentaram” e – numa alusão à Inspecção do Trabalho – quem é responsável pelos mecanismos de controlo “não diz nada”, gerando uma situação em que “um trabalhador que reclama, fica sem emprego”.
Práticas “à margem da lei”
O “abuso de poder e a pressão sobre os trabalhadores”, são o centro dos alertas do presidente do SICOTUR, que denuncia “ameaças de represálias” sobre quem não está disposto a aceitar essas condições de trabalho. “O tratamento desumano a que muitos trabalhadores têm sido submetidos, como a eliminação de folgas por causa de uma baixa médica de um a dois dias e a possibilidade de um cumprimento de jornadas de trabalho excessivas, entre nove a onze dias seguidos sem descanso”, acrescenta.
Mas as denúncias não se ficam por aqui. “Represálias, como a agressão verbal aos trabalhadores, a imposição de transferências para postos de trabalho sem condições mínimas de qualidade e, muitas vezes, a alteração dos horários para os punir”, fazem parte das queixas elencadas pelo entrevistado ao A NAÇÃO.
“Péssimas condições da alimentação, com inúmeras denúncias de intoxicações alimentares entre os trabalhadores”, bem como a “falta de cumprimento do direito às férias, conformem estabelecido pelo Código Laboral”, mas também o desconto “indevido” dos “salários de trabalhadores por faltas justificadas”, constituem, ainda segundo o sindicalista, violações do Código Laboral.
Riu impõe a sua própria “lei”
Pesem as várias diligências feitas pelo sindicato, Nilton Vaz diz não compreender “a justificativa dada pelos responsáveis do Grupo Riu, que alegam aplicar a ‘Lei de Riu’”, contrariando o princípio de que “a única lei válida e aplicável é a que está em vigor em Cabo Verde, nomeadamente, o Código Laboral, que garante a dignidade dos trabalhadores e assegura que suas condições de trabalho sejam justas e humanizadas”, salienta o presidente do SICOTUR.
Nilton Vaz diz que o sindicato está pronto para “negociar com a mediação da Direção Geral do Trabalho”, mas avisa que, “caso não haja avanço nas negociações”, o SICOTUR admite “considerar a possibilidade de uma greve geral nos Hotéis Riu, como medida de protesto para lutar por melhorias salariais, as condições de trabalho, a dignidade dos trabalhadores e, acima tudo, o respeito” que lhes é devido.
Crescimento da economia não se faz sentir nos bolsos dos trabalhadores
Pese a circunstância de 2024 ter sido “um ano muito positivo” para o turismo, com um novo recorde de 1.2 milhões de turistas, o que contribuiu para o crescimento da economia no país, como reconhece Nilton Vaz, a verdade é que isso não se faz sentir nos bolsos dos trabalhadores. E, mais que isso, não obstante o crescimento da oferta de empregos, decorrente da emigração em crescendo dos cabo-verdianos, isso pode, ainda segundo o dirigente sindical, provocar um “colapso” no sector.
“O ano de 2024 foi um ano muito positivo em todos os hotéis, há um crescimento a nível da hotelaria no Sal, mas, com as saídas de mão-de-obra, posso prever um colapso durante 2025”, sustenta Nilton Vaz, considerando que, por esse facto, “o empregador pode ser obrigado, a pagar mais”. No entanto, Vaz defende que os salários “devem ser revistos e aumentados” desde já, para estancar o processo migratório e dar mais dignidade aos trabalhadores.
Nesse sentido, o presidente do SICOTUR defende “a criação de um acordo coletivo de trabalho no sector do turismo para equilibrar as carreiras dos trabalhadores” e critica o atual Código Laboral e as entidades reguladoras, que se manifestam incapazes de garantir trabalho digno e com direitos.
Nilton Vaz, avança números: “Temos camareiras com dez anos de trabalho que ganham entre 27 e 30 mil escudos”, o mesmo salário que “não é revisto, desde 2010 ou 2015”. Ou seja, grosso modo, o aumento salarial não tem acompanhado a inflação, “salvo um ou outro caso” excepcional. E isso, a prazo, vai ter impactos negativos nas reformas auferidas pelos trabalhadores, após abandonarem a actividade.
Por outro lado, Nilton Vaz argumenta que os hotéis aproveitaram a pandemia para reduzir pessoal, aumentando a carga horária, mas mantendo os mesmos salários. “Neste momento, as pessoas vão ao trabalho porque não têm outra solução. Há trabalhadores que saem de casa às seis da manhã e chegam a casa às seis, sete da tarde”. Ou seja, as pessoas estão a trabalhar para além do horário de trabalho, “mas são poucos os hotéis que pagam as horas extraordinárias”, e isto perante a “inação” das autoridades, nomeadamente da Inspecção Geral do Trabalho. Para tornear esta situação, o dirigente sindical defende a instalação de relógios de ponto.
“Uma camareira que tinha nove quartos há dez anos atrás, hoje tem doze por dia, refere ainda Nilton Vaz, adiantando que há mesmo hotéis “a entregar quinze quartos a uma camareira” e dá como exemplo os Hotéis Riu.
Grupo Riu nega tudo
Por solicitação de A Nação, a RIU Hotels & Resorts reagiu, negando tudo, em comunicado que reproduzimos na íntegra:
“As declarações do sindicato SICOTUR são exactamente o oposto da filosofia e dos valores que a empresa defende em todo o mundo e claro, também, em Cabo Verde. Acima de tudo, a RIU Hotels & Resorts cumpre rigorosamente a legislação laboral de Cabo Verde e o bem-estar dos nossos trabalhadores, o tratamento digno e a oportunidade de desenvolvimento profissional, fazem parte da nossa forma de entender a indústria. Por todas estas razões, já marcamos uma reunião com os representantes do SICOTUR, pois acreditamos firmemente no diálogo como ferramenta de entendimento e meio para alcançar a paz e o bem-estar laboral”.
António Alte Pinho
