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Economia

PIB per capita: Indicadores não reflectem a realidade social

Cabo Verde figura entre os 10 países africanos com maior PIB per capita em 2025, ocupando a nona posição, com um valor histórico de 5.710 dólares e um crescimento económico de 4,7 porcento (%). É o que diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para ajudar-nos a compreender o que isso significa, A NAÇÃO ouviu o economista Paulino Dias e o sociólogo Redy Lima. 

Projecções recentes do FMI indicam que Cabo Verde terá um PIB per capita estimado em US$ 5.710 em 2025, colocando-o entre as 10 maiores economias africanas (ocupando a 9ªa posição). Em quase 50 anos de independência, é a primeira vez que este arquipélago atinge um tal patamar, evidenciando, com isso, o Fundo, a resiliência da economia cabo-verdiana num contexto africano desafiador. 

Por outro lado, a previsão do FMI surge numa altura também em que, segundo o mais recente inquérito da Afrosondagem, cerca de 65 % dos cabo-verdianos, a maioria jovens dos 18 aos 35 anos, considera que o país está a “caminhar na direção errada”, o que se configura como uma aparente contradição que tem, contudo, explicação.

Paulino Dias

Indicadores não perfeitos

Para o economista Paulino Dias indicadores como PIB e crescimento do PIB per capita “são bastante técnicos”, já que as formas de cálculo são harmonizadas. “Do ponto de vista teórico, técnico, não vejo quaisquer problemas de maior, aqui em Cabo Verde, relativamente ao PIB per capita, porque é uma forma de cálculo mais ou menos estandardizada”. 

No entanto, segundo esse especialista, os dois indicadores “não são perfeitos” e esclarece: “À escala global, há um debate e um esforço intensos para aprimorar indicadores de avaliação de desempenho das economias, já há algumas experimentações, mas, é quase consensual que os indicadores de PIB e per capita não capturam na globalidade o que significa a riqueza de um país, não capturam como esta riqueza é distribuída, isto é: não capturam a qualidade do crescimento”. 

Este entrevistado do A NAÇÃO dá o seguinte exemplo: “Se formos analisar o PIB per capita de um país como a Guiné Equatorial, vamos constatar que é bastante elevado, mas, quando olhamos para indicadores de desenvolvimento humano, percebemos que é um dos mais baixos de África”. 

Tal facto decorre da “distribuição desigual da riqueza”, no caso daquele país “onde 1% da população captura trinta ou mais porcento da riqueza do país. Isso passa uma ideia, uma média matemática que é tecnicamente correcta, mas não reflecte, de facto, a realidade. Porque há um problema de superconcentração da riqueza. Isto é, a economia está a crescer, mas não está a espalhar-se a toda a população de uma forma mais equilibrada”.

A aparente contradição entre a avaliação do FMI e o estudo da Afrosondagem tem também a sua explicação, no dizer de Paulino Dias: “De um lado, o relatório do FMI; do outro, a percepção das pessoas sobre as políticas do governo. E a sua própria condição de vida”.

Redy Lima

O olhar do sociólogo 

O sociólogo Redy Lima, investigador e doutorando em Estudos Urbanos, tem a mesma opinião. “O aumento do PIB não implica necessariamente o aumento do bem-estar da população. Embora possa ser considerado como algo positivo, quando olhamos para a distribuição de rendimento, percebemos que ela é desigual”.

E, como exemplo, aponta: “Nos anos de 1990, o país vivenciou um crescimento económico de uma média anual acima dos 8%, mas tal não impactou de forma significativa o modelo tradicional da economia, o que desencadeou um aumento da desigualdade social. Da mesma forma que no passado, o que os últimos dados de opinião produzidos pelo Afrobarometer nos mostram é que o PIB não passa de um indicador quantitativo, que foca no tamanho na economia e não na sua qualidade”. 

Este entrevistado do A NAÇÃO salienta que “quando 65% dos cabo-verdianos inquiridos reprovam as políticas económicas do governo, querem dizer isso mesmo”. 

Investimentos, consumo e exportações

Questionado se faz sentido falar-se em crescimento da economia com salários baixos e sem aumento do consumo, Paulino Dias responde que, teoricamente, “há um conjunto de variáveis que contribui para o crescimento do PIB: o investimento, o consumo e as exportações”, adiantando que “uma economia pode crescer com salários baixos”. 

E dá mais um exemplo: “É o que aconteceu com a China nos últimos trinta anos. Fazia, mesmo, parte da política do Estado ter salários baixos para garantir a competitividade externa nos produtos chineses, mas a economia estava a crescer a uma média de 6, 7, 8% ao ano, porque a principal alavanca da economia chinesa era as exportações”. 

O economista diz que em Cabo Verde a situação é um bocado parecida, porquanto, “a principal âncora do crescimento da nossa economia é o turismo, é uma exportação de serviços, não é de bens, como a China, mas é de serviços”. E adianta que “a exportação de bens turísticos já representa 25% do PIB e, nos últimos três anos, teve um crescimento substancial. Portanto, na prática, por um lado, contribui para fazer crescer a economia, mas sem que se tenha constatado um crescimento dos salários na mesma proporção”. 

Paulino Dias coloca, contudo, como hipótese a possibilidade de o PIB ter um crescimento efectivo em 2025, “por causa da expansão da massa salarial do Estado”, na medida em que no Orçamento do Estado para este ano já se prever “um crescimento dos gastos com o pessoal, quer por conta da regularização de algumas categorias e de aumentos salariais”. Isto é, 2025 “pode assinalar um efeito positivo do aumento dos salários médios sobre o crescimento do PIB”. No entanto, acredita “que o principal motor [da economia] “continuará a ser a exportação de serviços”, mas enfatizando que apenas o salário não é o determinante para o crescimento da economia.

Já para Redy Lima, “não obstante um conjunto de medidas políticas direcionadas às populações tidas como as mais vulneráveis, 84% dos inquiridos [pela Afrosondagem] consideram que as políticas governamentais implementadas têm sido incapazes de reduzir a diferença entre os ricos e os pobres, e 78% que não tem contribuído para a melhoria das condições de vida” dos mais vulneráveis. 

O sociólogo considera que isto se explica porque “os salários continuam baixos [em 2022, o salário médio em Cabo Verde era de cerca de 33 contos] e o nível de vida subiu de forma drástica, desencadeando um processo de empobrecimento da população, em particular, da dita classe média”.

 

António Alte Pinho 

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