Por: Germano Almeida
Há poucos dias, numa entrevista ou declaração a propósito, o senhor procurador-geral da República desmentiu a afirmação de o deputado preso Amadeu Oliveira se encontrar doente e necessitado de assistência médica, porque, garantiu, todos os presos têm assistência médica garantida. E na mesma oportunidade disse também, a concluir, que “Há pessoas que fazem eco destas reclamações e têm a obrigação de conhecer bem a lei. Reparem, eu lembro-me que houve uma altura em que as pessoas disseram que lhe foi retirado o computador, o portátil, que ele tinha direito”, exemplificou, advertindo que nenhum recluso pode ter direito a um computador, que possa permitir a ligação Wi-Fi.”
Sobre a eventualmente duvidosa doença do deputado preso, realmente nada sei dizer, afora o que ele escreveu e tomei conhecimento. Não sou médico para opinar a respeito. Mas já sobre a outra parte, a do computador, estou àvontade para tomar posição, sobretudo porque o senhor procurador-geral, necessariamente propositamente, estou convencido, distorce a lei, para a seguir lançar desdouro sobre “pessoas que fazem eco dessas reclamações e têm obrigação de conhecer bem a lei”.
Ora eu sou uma dessas pessoas que tem obrigação de conhecer a lei, ainda que possa não ser absolutamente muito bem, e também já questionei por mais de uma vez, ainda que sempre inutilmente, diga-se desde já, a razão por que o poder mandou abusivamente retirar o computador portátil ao deputado preso.
Mas diga-se desde já que o senhor procurador-geral não tem agido, no caso do deputado preso, com a lisura que a sua função de fiscal da legalidade lhe impõe e o estado de direito democrático lhe exige. Por exemplo, e sem ir mais longe, foi ele quem apareceu a pedir ao Parlamento a suspensão do mandato de deputado de Amadeu Oliveira. Isso, um ano e meio depois de este se encontrar preso na cadeia da Ribeirinha!
Ora todos nós que temos obrigação de conhecer a lei, sabemos que esse era um ato judicial que estritamente competia ao juiz da causa exercer, em absoluta exclusividade, enquanto órgão jurisdicional. Nunca ao ministério público, órgão de fiscalização do rigoroso cumprimento das leis da República. E, no entanto, o procurador-geral da República aceitou cumprir esse mais que ilegal encargo, aparentemente para salvar a honra da Assembleia Nacional gravemente comprometida como tinha ficado no péssimo tratamento do caso desse deputado.
E também agora desta vez, o senhor procurador-geral volta a não se sair lá muito bem. Quem ouve ou lê esse pedaço de prosa por ele ditada, pode pensar que tenha alguma sanha particular contra o deputado preso, quando, em princípio, a sua função é, ou pelo menos devia ser, de total isenção, para que os cidadãos em geral se sintam, se não protegidos, pelo menos resguardados de eventuais desacatos de alguns magistrados judiciais, como foi, aliás, a decisão do desembargador Simão Santos de meter a ferros um deputado, sem o mínimo respeito pelas leis atinentes, cometendo desse modo um crime de prevaricação, cuja impunidade parece estar assegurada e garantida, porque sobejamente conhecido e ignorado pelo ministério público.
Porém, não é disto que queria falar, mas antes da acusação contra aqueles que defendem o direito de o deputado preso deter na cadeia um computador. Diz o procurador-geral que “ nenhum recluso pode ter direito a um computador, que possa permitir a ligação Wi-Fi”.
Corretíssimo! Embora seja certo que o deputado AO por muitos meses teve direito a um computador na cadeia. E também julgo saber que ele não tinha ligação a Wi-Fi. Mas se por acaso teve, essa responsabilidade deve ser assacada aos serviços prisionais, teria sido uma falha gravissima.
Portanto, a questão que se põe é o preso ter direito ou não a um computador. Ora diz a alínea e) do nr 3 do artº 205º do código de execução de penas: “No espaço de alojamento (dos presos)são unicamente permitidos: aparelho de rádio, leitor de música ou outro equipamento multimédia que não possibilite a comunicação eletrónica, até ao máximo de três equipamentos, incluindo um computador portátil.”
“Que não possibilite a comunicação eletrónica”! Esta é a chave da questão: que o preso não possa ter contato independente com o exterior. Faz sentido. E assim, conforme as palavras do deputado Amadeu Oliveira, o computador que ele possuiu e esteve usando na cadeia até lhe ser retirado, foi por ele próprio pago, porém escolhido e comprado pelos serviços prisionais que o configuraram de modo a impedir a comunicação eletrónica, antes de o entregar ao preso. Que por sua vez o entregava todos os dias às 5 horas da tarde aos serviços prisionais, retomando-o em cada manhã.
Quando o senhor procurador-geral refere que nenhum recluso pode ter direito a um computador que possa permitir a ligação Wi-Fi e acusa alguns (o meu caso) de ter obrigação de conhecer a lei referente, não posso deixar de pensar que mais que a ninguém ele deveria se aplicar essa asserção. É que o ministério público que ele dirige pediu e obteve a condenação de Amadeu Oliveira a sete anos de prisão, acusado de um crime contra o estado de direito democrático. O seu crime? Ser deputado da Nação e ter promovido ou ajudado na evasão de um preso.
Suponhamos por momentos que tenha sido assim e que, não obstante o absurdo, o ministério público esteve de boa fé em todo esse processo. Ora vivendo nós num estado dito de direito e ainda por cima dito democrático, e que a vigilância e guarda e garantia desse estado democrático de direito compete particulamente ao procurador-geral enquanto fiscal da legalidade, não se compreende que ele interprete “computador” igual a “computador com wi-fi”. Poder-se-ia dizer que a lei fala em computador e não em máquina de escrever, pela simples razão de estas terem ficado absoletas. Porque esse computador tem pouco mais que essa função.
Creio, por isso, não haver dúvidas de que os poderes constituídos se juntaram para perseguir o deputado Amadeu Oliveira até nessa questão simples de simplesmente respeitar uma lei que diz que ele tem direito a ter um computador sem comunicação eletrónica, isto é, sem wi-fi. Há uns anos atrás um juiz recusou taxativamente cumprir uma norma legal porque, disse-me abertamente, não concordava com ela. Porém, isso aconteceu naqueles tempos em que ainda não vivíamos em estado de direito, nem tínhamos democracia.