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Cabo Verde num clima em mudança: Da vulnerabilidade à ação

Por: Indira Campos*

Cabo Verde, uma pequena nação insular no coração do Oceano Atlântico, encontra-se num momento crucial da sua história. Celebrado pela sua cultura vibrante, pelas paisagens deslumbrantes e pela resiliência do seu povo, o país enfrenta um dos desafios mais prementes do nosso tempo: as alterações climáticas. O Relatório sobre o Clima e o Desenvolvimento de Cabo Verde (CCDR), publicado ontem, 15 de Janeiro, apresenta uma análise abrangente das vulnerabilidades que o arquipélago enfrenta e oferece um caminho claro e convincente para a transformação. A questão já não é se Cabo Verde pode enfrentar este desafio, mas sim como pode transformar a crise climática numa oportunidade para construir um futuro mais sustentável e próspero. 

Uma ameaça crescente: O impacto das alterações climáticas em Cabo Verde 

A geografia de Cabo Verde torna-o particularmente vulnerável às alterações climáticas. Como Pequeno Estado Insular em Desenvolvimento, enfrenta ameaças significativas associadas à subida do nível do mar, que compromete não apenas as suas zonas costeiras, mas também setores críticos, como o turismo, uma das principais bases da economia nacional. Além disso, a escassez crónica de água agrava os riscos associados às secas mais frequentes e à intrusão salina, ameaçando a agricultura e a segurança alimentar, especialmente nas comunidades rurais. 

O setor das pescas, que representou 72% das exportações de Cabo Verde em 2021, está igualmente em risco devido à sobrepesca e ao aquecimento dos oceanos. Estes fatores têm sérias repercussões económicas. Segundo o CCDR, se medidas urgentes não forem adotadas, o PIB de Cabo Verde poderá registar uma contração de até 3,6% até 2050, com as receitas provenientes do turismo a registarem uma queda potencial de 10%. Para um país cuja economia depende fortemente do turismo, tais perdas seriam devastadoras. 

Apesar disso, o CCDR destaca que, paralelamente a estas ameaças, surgem oportunidades significativas. Ao adoptar uma ação climática ambiciosa, Cabo Verde pode traçar um futuro resiliente, sustentável e economicamente robusto

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Uma visão para a transformação: Vias para o desenvolvimento sustentável 

No centro do CCDR encontra-se uma visão arrojada para um Cabo Verde sustentável e resiliente às alterações climáticas. Essa visão baseia-se no princípio de que a resiliência e a sustentabilidade devem ser os pilares do desenvolvimento do país. O relatório analisa como Cabo Verde pode alcançar o ambicioso objetivo de atingir 100% de energia renovável até 2040, destacando os benefícios que isso traria, como, por exemplo, uma poupança estimada de 1,8 mil milhões de dólares em importações de combustíveis fósseis até 2050. 

Investimentos, tanto públicos como privados, em energia solar, eólica e outras fontes renováveis têm o potencial de aumentar a segurança energética, criar empregos em setores verdes emergentes e posicionar Cabo Verde como um centro de serviços digitais e de mobilidade elétrica. A acessibilidade às energias renováveis também permitiria o desenvolvimento de tecnologias de dessalinização de baixo carbono, reduzindo, assim, a escassez de água. 

Contudo, a transformação energética é apenas uma parte da solução. O setor do turismo, vital para a economia do país, precisa evoluir para se tornar mais resiliente e diversificado. O CCDR sugere uma transição do modelo tradicional de turismo “sol e mar” para segmentos como o ecoturismo, turismo cultural e criativo, iatismo e pesca desportiva. Estes modelos são menos vulneráveis aos riscos climáticos e oferecem oportunidades de diversificação, especialmente para além das ilhas do Sal e da Boa Vista, que enfrentam desafios crescentes associados às mudanças climáticas e ao turismo de massas. 

Adicionalmente, a economia azul – alicerçada na utilização sustentável dos vastos recursos marinhos de Cabo Verde – apresenta um enorme potencial. Apostar na pesca sustentável, na aquacultura e na proteção costeira permitirá impulsionar o crescimento económico ao mesmo tempo que se preservam os frágeis ecossistemas oceânicos do arquipélago. 

Infraestruturas resilientes: Planear para um futuro incerto 

A construção de infraestruturas resilientes é crucial para enfrentar as alterações climáticas. Fenómenos meteorológicos extremos, como inundações, exigem que estradas, portos, aeroportos e infraestruturas urbanas integrem elementos de resiliência climática no seu planeamento e execução. O relatório destaca a necessidade de incorporar os riscos climáticos no planeamento de infraestruturas para garantir que a economia e as comunidades permaneçam protegidas e conectadas perante as perturbações climáticas. 

Fortalecer a conectividade inter-ilhas será igualmente fundamental. Isso facilitará a prestação de serviços às comunidades dispersas e apoiará as cadeias de valor, garantindo que os recursos possam circular livremente entre as ilhas, mesmo durante crises. 

Financiar a transição: Mobilização de recursos para a ação climática 

A concretização da visão apresentada no CCDR exigirá investimentos significativos. Estima-se que Cabo Verde precise de mobilizar cerca de 140 milhões de dólares anuais – aproximadamente 6% do seu PIB – até 2030 para responder aos desafios climáticos e de desenvolvimento. Deste montante, 52% deverá provir do setor privado, sublinhando a importância de parcerias público-privadas e do apoio internacional. 

Mecanismos inovadores, como mercados de carbono, financiamento concessional e trocas de dívida por desenvolvimento, representam vias promissoras. O país poderá também considerar a emissão de obrigações ligadas à sustentabilidade. As parcerias público-privadas desempenharão um papel fundamental, especialmente nos setores da energia, gestão de resíduos e transportes. Em simultâneo, é necessária uma governação eficaz e quadros legais robustos para assegurar a eficiência na alocação de recursos e a centralidade da ação climática no planeamento nacional. 

Cabo Verde já deu passos significativos nesta direção com a adoção da Lei das Alterações Climáticas de 2024, que dá prioridade à adaptação e à resiliência em todos os setores. Este quadro jurídico fornece a base para futuras ações climáticas, garantindo que os riscos climáticos sejam integrados em todos os aspetos do desenvolvimento do país. 

Um apelo à ação colectiva: O papel das parcerias globais 

Os desafios são vastos, mas as oportunidades de transformação são igualmente significativas. O CCDR salienta que a ação climática deve ser inclusiva e equitativa. Grupos vulneráveis, incluindo mulheres, jovens e comunidades rurais, devem ser ativamente envolvidos na transição. Os programas de proteção social, a educação e o desenvolvimento de competências serão essenciais para garantir que ninguém é deixado para trás à medida que Cabo Verde avança para um futuro mais verde e mais resiliente. O sucesso desta visão também dependerá das parcerias. O governo, o setor privado, a sociedade civil e os parceiros internacionais de desenvolvimento devem trabalhar em conjunto para implementar os ambiciosos objectivos climáticos e de desenvolvimento de Cabo Verde. Os riscos são significativos, mas as recompensas são igualmente grandes. Ao investir em energia verde, no turismo sustentável, na gestão integrada da água e da terra e na economia azul, Cabo Verde pode compensar os impactos negativos das alterações climáticas e, ao mesmo tempo, impulsionar o crescimento, a inovação e a equidade social. 

A viagem de Cabo Verde não é apenas uma questão de adaptação a um clima em mudança. Trata-se de aproveitar a oportunidade para construir um futuro em que as pessoas e o ambiente prosperem em conjunto. Ao fazê-lo, o país pode inspirar outros Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento a seguir o seu exemplo, provando que, mesmo perante a adversidade, uma ação ousada e uma visão coletiva podem transformar os desafios das alterações climáticas em oportunidades de crescimento, prosperidade e sustentabilidade. 

Conclusão: Um farol para o futuro 

O caminho a seguir por Cabo Verde é claro. Com uma ação decisiva, investimento e parceria, o país pode transformar as suas vulnerabilidades em pontos fortes. O CCDR não é apenas um relatório – é um apelo à ação, que exorta todas as partes interessadas a unirem-se em torno de uma visão partilhada para um Cabo Verde mais resiliente e sustentável. O mundo está a observar, e Cabo Verde pode servir de exemplo para outros Pequenas Estados Insulares em Desenvolvimento e para a comunidade global em geral. É altura de agir com coragem, para o futuro da nação, do seu povo e do planeta. 

*Grupo Banco Mundial
Representante Residente em Cabo Verde 

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