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A promiscuidade nas instituições públicas de Cabo Verde: O retrocesso da governança e o preço da mediocridade

Por: Antônio Medina Delgado

Cabo Verde atravessa uma crise silenciosa em suas instituições públicas. Em tempos eleitorais, mais do que nunca, essas instituições se transformam em verdadeiras sedes de campanhas políticas, onde a competência técnica fica em segundo plano, sendo sobreposta pela lealdade partidária. 

A administração pública, em vez de ser conduzida por profissionais altamente qualificados, é dominada por políticos que utilizam os cargos para alimentar seu poder político. Isso não é apenas um problema ético, mas um entrave ao desenvolvimento do país.

O conceito de que as instituições públicas devem ser geridas por técnicos especializados, longe das influências políticas, parece cada vez mais distante. 

Em Cabo Verde, o que se observa é uma promiscuidade crescente entre a política e a administração pública. Esse fenómeno, que deveria ser combatido, se fortalece a cada ciclo eleitoral, com a crescente politização dos cargos públicos e a instrumentalização da máquina estatal para fins partidários. 

O resultado disso é uma administração pública fragilizada, onde a competência e o mérito profissional são ofuscados por alianças políticas.

Privilégios e favores

A política em Cabo Verde, especialmente com a predominância do MPD (Movimento para a Democracia) no governo, tem sido sinónimo de privilégios e favores. Para conseguir uma vaga em um cargo público, muitas vezes os candidatos são forçados a alinhar-se ideologicamente com o partido no poder. A qualificação técnica, o mérito e a experiência passam a ser critérios secundários. A cor política, por outro lado, torna-se fator determinante na ascensão profissional. Isso cria um ciclo vicioso de mediocridade, onde os melhores profissionais ficam à margem, enquanto aqueles alinhados politicamente ocupam os espaços de poder.

Se isso não fosse preocupante o suficiente, a extinção praticamente total dos concursos públicos agrava ainda mais o quadro. A nomeação de servidores e a promoção de cargos não seguem mais critérios objetivos, mas interesses partidários. A falta de concursos públicos, que antes garantiam um acesso justo e transparente às funções públicas, cria um ambiente de clientelismo. Os melhores não têm vez, e o país perde os talentos necessários para um desenvolvimento sustentável. O resultado disso é a ineficiência administrativa, a falta de inovação e, principalmente, a degradação dos serviços prestados à população.

A saúde, a educação, a segurança, e a infraestrutura, pilares do bem-estar social, são os setores mais afetados pela falta de profissionais qualificados nos cargos de liderança. A morosidade nos processos administrativos, a baixa qualidade nos serviços públicos e a falta de criatividade nas políticas públicas são apenas algumas das consequências de um sistema onde a competência é ofuscada pela política. Em vez de se priorizar a excelência na gestão pública, cria-se um sistema que favorece a lealdade partidária, em detrimento da eficiência e da transparência.

Esse cenário não só compromete a qualidade da gestão pública, mas também cria um ambiente de exclusão e desigualdade. Jovens talentos, ao invés de serem recrutados com base em suas capacidades e habilidades, são muitas vezes forçados a fazer escolhas políticas para garantir um lugar no setor público. Isso perpetua um sistema fechado, onde a política se sobrepõe à meritocracia, minando a confiança da população nas instituições.

Reforma profunda na gestão das  instituições públicas

A solução para esse quadro exige uma reforma profunda no modo como as instituições públicas são geridas. 

Cabo Verde precisa, urgentemente, restabelecer a meritocracia e garantir que os cargos públicos sejam ocupados por profissionais altamente qualificados, comprometidos com o bem-estar da população e não com interesses partidários.

 Os concursos públicos precisam ser reestabelecidos e a transparência nas nomeações deve ser a norma, não a exceção. A política não deve interferir na escolha dos gestores públicos, pois são esses profissionais que garantirão a boa governança e o desenvolvimento do país.

É preciso reconhecer que Cabo Verde não precisa de políticos para administrar suas instituições públicas. Quem quiser fazer política, que se dirija ao Parlamento, onde é o espaço adequado para isso. As instituições públicas exigem técnicos qualificados, gestores públicos capazes e comprometidos com a melhoria da qualidade de vida da população. 

O país precisa de muito bons gestores públicos, com visão estratégica e capacidade de inovar, para que as políticas públicas sejam mais eficazes e atendam às reais necessidades dos cabo-verdianos.

A luta contra o clientelismo político e pela meritocracia deve ser prioridade. A sociedade civil, os sindicatos e outras organizações precisam desempenhar um papel ativo na fiscalização da administração pública, garantindo que os processos seletivos sejam transparentes e justos. 

Se Cabo Verde quiser garantir um futuro próspero e sustentável para seus cidadãos, é urgente que a gestão pública seja desvinculada das relações políticas e voltada exclusivamente para o bem-estar da população.

Somente com instituições públicas fortes, bem geridas e independentes da política partidária será possível alcançar um desenvolvimento justo e equilibrado. A promiscuidade nas instituições de Cabo Verde não é um problema do passado; é uma realidade do presente que precisa ser enfrentada com urgência. O país só avançará quando a competência, a ética e a transparência voltarem a ser os pilares da administração pública. O futuro de Cabo Verde depende disso.

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