Além de uma avaria técnica, a crise de água por que passa a cidade da Praia, nas últimas semanas, pode ter como razão as avultadas dívidas da AdS à Electra, que devem rondar 1 milhão de contos. A Electra nega essa informação, admitindo contudo que tem outros mecanismos de pressão à realização de pagamentos para evitar a “disrupção” funcional ou de tesouraria, sem colocar em risco o abastecimento de água à população. Porém, quem paga a factura no final é o cidadão comum e os operadores privados que vêm as suas vidas e negócios prejudicados pela falta de água, mais a factura da AdS, na mesma.
As avultadas dívidas da AdS (Águas de Santiago) à Electra não são novas e estão longe certamente do fim. Especialistas do sector ouvidos pelo A NAÇÃO alegam que a relação entre as duas entidades operativas, uma que produz Água (Electra) e outra que a distribui (AdS), já nasceu torta, como uma espécie de pecado original, e que tem pelo meio os problemas de perda e outras ineficiências.
Apesar de a empresa não revelar dados específicos sobre o valor das dívidas, uma fonte bem posicionada do sector, garante que a mesma já deve rondar, senão ultrapassar, 1 milhão de contos.
A penúria de água vivida de forma generalizada em vários bairros da capital, de São Pedro a Ponta d´Água, da Achada de Santo António ao Palmarejo, veio pôr a nu, mais uma vez, a questão do impacto das avultadas dívidas da AdS à Electra, além de alegada produção insuficiente de água, especialmente, no mês como Dezembro, altura em que a chegada dos emigrantes para as festas faz disparar o consumo habitual, por assim dizer.
Contactada pelo A NAÇÃO, a Electra, através do engenheiro Antão Cruz, Administrador Executivo, nega que a empresa tenha utilizado o racionamento no fornecimento desse seu produto como forma de pressionar a ADS a pagar o que lhe deve.
Essa fonte garante que as dívidas entre as duas instituições são publicadas, anualmente, nos Relatórios e Contas e que são do conhecimento público.
“Contudo, as soluções são analisadas entre as empresas, os accionistas e a tutela. Naturalmente, as empresas têm mecanismos de pressão à realização de pagamentos para evitar disrupção funcional ou de tesouraria que, sempre que se entenda conveniente, são utilizados para o efeito, mas sem colocar em risco o abastecimento de água à população”, garante.
Porém, segundo as nossas fontes, as dívidas do sector público à Electra rondam os 3 milhões de contos, incluindo AdS.
O certo é que no contexto em que o país vive, as regras de mercado são evidentes e se a Electra não recebe da ADS ficará, certamente, a dever aos seus fornecedores de combustível (Vivo e Enacol), e estes, por seu turno, deixam de fornecer se não forem pagos, impactando directamente na produção da quantidade de água ao consumidor que acaba por não ser suficiente.
Uma situação que Antão Cruz não nega, quando confrontado pelo A NAÇÃO por esse problema. “As regras do mercado assim o ditam e o facto de a produção de água ser por dessalinização (consumo de energia eléctrica) e a electricidade, por sua vez, à base dos combustíveis ou das energias renováveis, havendo dívidas na cadeia, de certo existem restrições de recursos e condicionalismos à boa prestação do serviço”, argumenta. Prestação essa, tenha-se em conta, seja na quantidade, seja na qualidade ou na segurança do abastecimento.
Reposição da normalidade
Quanto à avaria num posto de transformação da Electra, à qual o presidente do conselho de administração da AdS, Nilton Duarte, justificou como estando na origem da falta de água, ou na contingência do abastecimento, Antão Cruz, garante que está a ser feita a devida avaliação técnica e reposição total dos dessanilizadores.
“A avaria afectou dois dos quatro bastidores dos dessanilizadores da Central Dessanilizadora da Electra SA no Palmarejo. A avaria teve como consequência a queima do transformador no Posto de Transformação da Electra S.A. que alimenta apenas dois dos quatro bastidores. Substituído o transformador, foi reposto em funcionamento um dos bastidores da unidade dessanilizadora afectada”, avança sobre os procedimentos em curso.
O segundo bastidor, como explica a mesma fonte, continua entretanto em análise por uma equipa técnica da Electra, reforçada pelos técnicos da EDEC (xxx) e da EPEC (xxx) e ainda suportada por especialistas do fabricante, “visando a operacionalização da planta com a maior celeridade possível e em segurança”.
Conforme dados da Electra, a capacidade total da Central Dessanilizadora do Palmarejo é de 20.000 m3/ dia sendo que o dessanilizador afectado incluía o Bastidor A (5.000m3/dia) e Bastidor B (5.000m3/dia), o que acabou por condicionar o abastecimento.
“Evidentemente, a perturbação vivenciada no dia 29 de Dezembro de 2024 teve impacto no plano de Distribuição da AdS após essa data”. Porém, garante que “não há ligação deste evento com outras situações em meados de Dezembro”.
Falta de água há várias semanas
Como o leitor verá mais adiante, há vários relatos de falta de água anteriores a 29 de Dezembro, havendo queixas de falta de água nalguns bairros da Praia que duram há meses.
Mesmo assim, questionado se é produzida água em quantidade suficiente para abastecer toda a capital, Antão Cruz rebate que o volume produzido actualmente “está acima do valor contratualizado” com a AdS, atingindo nos últimos dias aproximadamente os 13.700 m3/dia. Números, questões técnicas, e jogos de cintura, à parte, o certo é que nas últimas semanas os praienses têm vivido dias de penúria de água, afectando o seu dia a dia, os afazeres domésticos e os negócios.