Por: Josefá Barbosa*
Este artigo é direcionado à sociedade cabo-verdiana, diretamente impactada pela subida das taxas de juro, recentemente adotada pelo Banco de Cabo Verde, com efeitos a partir de 2 de janeiro, do corrente ano. A abordagem será simples, evitando, sempre que possível, questões técnicas e quantitativas.
O Banco de Cabo Verde possui mecanismos para influenciar as taxas de juros e, conforme comunicado do passado mês de dezembro, decidiu aumentar as principais taxas. A taxa de juro, instrumento de política económica, é manipulada de acordo com objetivos económicos específicos.
Desde a independência, a diferença significativa da taxa de juro interna em relação aos parceiros europeus tem servido para atrair depósitos, principalmente de emigrantes, e reter capital estrangeiro, visando assegurar reservas externas suficientes para cobrir importações, cumprir o serviço da dívida externa e manter a paridade fixa do escudo cabo-verdiano em relação ao euro, a partir de 1999.
Contudo, essa política tem consequências económicas e sociais significativas. O custo do dinheiro aumenta, tornando os novos créditos mais caros e encarecendo os já existentes com taxas variáveis. A dívida pública cresce, o investimento diminui, resultando em menor crescimento económico, aumento do desemprego, alta da inflação, redução do poder de compra e agravamento da pobreza e desigualdade social.
O desalinhamento da taxa de juro com os parceiros europeus faz com que os cabo-verdianos paguem taxas de crédito superiores às dos estrangeiros, reduzindo a competitividade e a capacidade de investimento local. Como resultado, os setores económicos e até os bancos do país ficam, em sua maioria, sob controle estrangeiro.
Apesar de criticável, a decisão do Banco de Cabo Verde pode ter sido motivada pelo risco de uma crise semelhante à dos finais dos anos 90, quando as reservas eram insuficientes para cobrir sequer 15 (quinze) dias de importações, ameaçando a paridade do escudo cabo-verdiano em relação à então moeda portuguesa e gerando graves dificuldades financeiras.
Entretanto, passados todos esses anos, o cenário económico e social atual de Cabo Verde é preocupante: dívida pública elevada e crescente, défice orçamental crônico, incapacidade de financiar investimentos públicos, alguma degradação das reservas externas, elevada taxa de desemprego e pobreza, além de uma forte dependência de ajuda externa. Previsões para 2025 são bastante elucidativas:
Crescimento do PIB na Zona Euro de apenas 1,9%;
Dívida pública de 312.202 milhões de ECV, 105% do PIB;
Défice orçamental de 1,8% do PIB;
Necessidades de financiamento público superiores a 30.000 milhões de ECV;
Reservas externas abaixo de seis meses de importações;
Serviço da dívida aumentando de 13 milhões (2024) para 18.000 milhões de ECV (2025);
Receitas fiscais cobrindo apenas 60% do orçamento.
Esses indicadores, em deterioração contínua, só melhorarão com uma mudança de paradigma. O atual modelo, baseado em juros elevados e fraco crescimento económico, tem sido um obstáculo ao progresso. O desafio é encontrar fontes de divisas sem recorrer exclusivamente a taxas de juro altas.
Cabo Verde, ao celebrar seus 50 anos de independência, enfrenta uma encruzilhada histórica. É essencial iniciar amplos debates nacionais, buscar consensos e planear uma melhor estratégia para o país.
Uma estratégia promissora seria diversificar a economia e os parceiros comerciais. Cabo Verde deve explorar setores como energias renováveis, economia azul (pesca, reparação naval, abastecimento de combustíveis), prestação de serviços e turismo sustentável. O país pode tornar-se um destino atrativo para aposentados, nossos conterrâneos e estrangeiros que vivem no exterior, situação que exige forte investimento no setor de saúde.
A diversificação reduziria a dependência excessiva do turismo, ampliando o valor agregado e a participação local no setor. Além disso, deve-se fomentar a integração com países da sub-região africana, criando melhores sistemas de transporte e relações comerciais.
A exportação de inertes exemplifica como o país pode gerar divisas de forma inovadora, aproveitando recursos naturais para o mercado externo. É fundamental apoiar o empresariado nacional, pois seus investimentos tendem a manter os lucros e as divisas no país.
Concluindo, Cabo Verde precisa abandonar a política de juros elevados e crescimento modesto, iniciando um ciclo de redução progressiva da taxa de juro, ampliação da produção, incremento das exportações, geração de emprego e rendimento, além da redução da pobreza e desigualdade social.
*Economista