A confiança dos cabo-verdianos nas principais instituições políticas e sociais caiu de forma acentuada, segundo o mais recente estudo do Afrobarómetro, realizado entre 27 de Agosto e 10 de Setembro de 2024. O levantamento, apresentado esta semana pela Afrosondagem, abrangeu temas como democracia, governação, corrupção e as relações institucionais entre líderes políticos.
De acordo com José Semedo, director-geral da Afrosondagem, o mais recente estudo sobre a democracia e as instituições do país revela um padrão de desconfiança generalizada, abrangendo tanto instituições eleitas quanto não eleitas.
“Constatamos uma queda significativa na confiança no Presidente da República, no Primeiro-ministro, na Assembleia Nacional e até mesmo na Comissão Nacional de Eleições. Até as Forças Armadas, historicamente a instituição mais confiáCabo-verdianos cada vez mais descrentes das instituições e do desempenho governamental vel, viram uma redução de 74% para 54% na confiança dos cidadãos”, destacou.
Avaliação negativa de governação
A pesquisa aponta que a insatisfação com o desempenho do Governo é ampla e inclui áreas económicas e sociais. Entre os inquiridos, 91% consideram a gestão dos preços insatisfatória, 83% avaliam negativamente a criação de empregos, e 78% criticam as acções voltadas à melhoria das condições de vida dos mais pobres.
Na área social, a situação é igualmente crítica: 67% dos participantes desaprovam a gestão da saúde pública e 53% reprovam a actuação do Governo na educação, um aumento significativo relativamente aos dados de 2022.
Relações institucionais e conflitos
O estudo também analisa as relações entre o Presidente da República, José Maria Neves, e o Primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva. Para 35% dos inquiridos, a relação é “muito tensa”, e 46% atribuem os conflitos a ambos. “Os conflitos institucionais afectam diretamente a percepção pública sobre essas figuras e, consequentemente, sobre a democracia. As condições de vida deterioradas agravam essa desconfiança”, afirmou Semedo.
Principais preocupações: desemprego e saúde
O desemprego permanece o maior problema identificado pela população, sendo apontado por 55% dos inquiridos. A saúde ocupa o segundo lugar, com 51% das menções, reflectindo uma preocupação crescente com o sistema de saúde público.
Apesar das críticas, o Ministério da Saúde e as Forças Armadas continuam a ser as instituições mais confiáveis, com 50% e 54% de confiança, respetivamente.
Sobre o estudo
O inquérito do Afrobarómetro foi conduzido em quatro ilhas — Santiago, São Vicente, Santo Antão e Fogo —, abrangendo 1.200 pessoas, representando 85% da população. A margem de erro é de 3%, com um nível de confiança de 95%.
Austelino Correia pede aos políticos para prestarem mais atenção às críticas da sociedade
O presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correia, instou os políticos a considerarem o estudo de opinião que revelou uma “queda de confiança” em todas as instituições do país.
“Uma coisa é o que os políticos pensam, outra bem diferente é o que os cidadãos percepcionam no dia-a-dia”, alertou.
“A minha primeira impressão é que os políticos devem levar em consideração esses dados com imparcialidade, objectividade e racionalidade, para melhorarmos a percepção dos cabo-verdianos em relação à política”, aconselhou.
Apesar da “queda de confiança” acentuada dos cabo-verdianos em relação a todas as instituições do país, Austelino Correia afirmou estar “um pouco satisfeito” porquanto a percepção do Parlamento “melhorou um bocadinho”, embora esteja “muito aquém do desejado”.
Também o antigo Presidente Jorge Carlos Fonseca reagiu ao estudo, afirmando que a democracia em Cabo Verde é “irreversível”, destacando que a consolidação depende de “instituições fortes” que geram confiança nos destinatários do poder, para garantir seu avanço e modernização.
“A democracia consolida-se, torna-se cada vez mais imune aos desafios se tiver instituições sólidas”, afirmou, acrescentando que só com entidades “fortes e que gerem confiança nos destinatários do poder”, é que se pode dizer que ela “tem condições para avançar”.
A seu ver, a “esmagadora maioria” dos cabo-verdianos considera que o único critério de legitimação do poder e do exercício do poder é o voto popular. E que por isso “sempre” haverá momentos em que a confiança nas instituições pode ser abalada por vários factores, como, por exemplo, a abstenção eleitoral.
Os cidadãos “querem mais, querem que as instituições funcionem melhor, combater sinais que possam parecer como sinais de corrupção” e podem também “querer um relacionamento mais perfeito entre os órgãos de soberania”.
Geremias S. Furtado
Publicado na Edição 903 do Jornal A Nação, de 19 de dezembro de 2024