Por: Basílio Mosso Ramos
Em Maio passado publiquei no A Nação e na minha página pessoal do Facebook um artigo de opinião intitulado “Saudação às candidaturas do PAICV às autárquicas de 2024”, onde, com base nos estudos do Afrobarómetro, nas sondagens de opinião e nos múltiplos pronunciamentos dos cidadãos, afirmava, em síntese, que a governação do MpD conduzira o país a uma situação difícil, em decorrência da qual os eleitores estariam à procura de uma alternativa, sendo o PAICV o partido melhor colocado para ser o escolhido nas eleições municipais, tornar-se o maior partido autárquico de Cabo Verde e colocar-se numa posição favorável para triunfar nas legislativas de 2026.
Entretanto, ficou claro que tal feito, embora possível, requereria muito trabalho da parte do PAICV, de modo a apresentar-se perante os eleitores como sendo um partido unido, coeso, mobilizador de vontades, construtor de consensos e portador de soluções para os muitos e complexos problemas do país, quer a nível autárquico, quer a nível nacional. Numa palavra, o PAICV teria que se apresentar como um partido credível, merecedor do voto popular.
Ao ganhar 15 dos 22 municípios nas eleições autárquicas, o partido cumpriu a primeira etapa da empreitada, surpreendendo até os seus próprios militantes, pela dimensão da vitória. Foi o corolário de uma boa gestão do processo autárquico, feita de forma pacífica e consensual, na base de um intenso diálogo entre a direcção nacional (Presidente, Conselho Nacional, Comissão Politica), as estruturas regionais e os próprios candidatos, o que permitiu a constituição de listas potencialmente ganhadoras, cujas plataformas, elaboradas a partir de uma correcta leitura da realidade, convenceram os eleitores.
Quem conhece o PAICV, minimamente, não deixa de reconhecer que o ambiente de pacificação interna, de diálogo, de tolerância e de inclusão – para além da assertividade das propostas de gestão -, foi determinante para que o partido construísse e transmitisse aos cabo-verdianos a imagem de uma organização credível, em quem se podia confiar o voto.
Assim, não andará longe da verdade quem disser que a vitória do dia 1 de Dezembro se deveu, em grande medida, a esse ambiente de serenidade e de bom-senso que, globalmente, permitiu que os interesses do colectivo fossem colocados acima dos particulares e de grupos, de sorte que os seus membros e amigos agissem como um todo, somando e multiplicando os esforços, sem quezílias de maior passíveis de afastar ou deixar para trás quem quer que fosse. Essa é uma das grandes lições que o partido deve retirar das eleições autárquicas recentes e que lhe devem servir de referência para os próximos desafios.
Voltada a página das autárquicas, compete agora ao partido preparar-se para a segunda etapa da empreitada (as legislativas de 2026), de modo a se mostrar estar à altura dos desafios da governação do país e continuar a merecer a confiança da sociedade, tarefa tão ou mais difícil do que a enfrentada na primeira etapa.
Entretanto, para além da questão da unidade interna, enquanto pressuposto para a manutenção da confiança dos eleitores, é preciso saber interpretar algumas das outras mensagens do eleitorado, reveladoras da sua maturidade, sendo de destacar as três seguintes.
a) Não há renovação do mandato sem resultados, o que implica que as câmaras geridas pelos tambarinas, para serem úteis à estratégia (ganhadora) do partido, devem pautar-se por um modelo de gestão eficaz, transparente, inclusivo, participativo, promotor da democracia e respeitador do estado de direito.
b) As promessas constantes das plataformas e proclamadas durante a campanha configuram-se um contrato assinado entre o partido e os eleitores, cujo cumprimento é obrigatório, sob pena do primeiro ser penalizado na primeira oportunidade.
c) Recebe o voto aquele que, através das suas ideias e práticas, infunde confiança nos cidadãos.
Destarte, recai sobre o PAICV a responsabilidade de se conformar aos requisitos supra e se preparar para ganhar as legislativas, gerindo bem os municípios em que é poder e convencendo a sociedade de que é capaz de dar um novo rumo à gestão do país, mais consentâneo com as aspirações e as necessidades das pessoas. Tarefa nada fácil, diga-se de passagem.
A gestão do dossier “eleição do Presidente e dos demais órgãos do partido” afigura-se como um dos mais imediatos e complexos desafios a ultrapassar, sendo de todo desejável que o mesmo não dê lugar a eventuais disputas fratricidas, geradoras de instabilidade e redutoras do capital político necessário à prossecução da caminhada. Efectivamente, por imperativo estatutário, brevemente se realizarão as eleições directas para a escolha do Presidente do Partido, bem assim o Congresso que terá a responsabilidade de eleger os demais órgãos nacionais.
Salvo melhor opinião, o ideal seria que, pelo menos para o cargo de Presidente, se evitasse disputas neste momento e se consensualizasse o nome de uma figura que dê garantias de unir o partido e de o conduzir à vitória. Não sendo possível tal solução, torna-se imperioso que os candidatos, na formulação e implementação das respectivas estratégias, tenham em devida conta a situação complexa em que o partido vive, as experiências negativas do passado, as expectativas da sociedade, o exemplo positivo de serenidade, bom-senso e inclusão patenteado nas últimas autárquicas e evitem práticas e atitudes extremadas susceptiveis de fragilizar a organização.
Que ninguém se iluda. Apesar da expressiva e auspiciosa vitoria recente, nada está garantido para as legislativas de 2026, podendo, inclusive, as boas perspectivas existentes esfumarem-se, sob o efeito de uma má gestão do referido dossier, se se prevalecerem lógicas ditadas por interesses pessoais ou de grupos, em detrimento das decorrentes dos interesses da colectividade.
Tudo vai depender da forma como o partido for capaz de gerir o processo eleitoral interno, transformando-o numa fecunda jornada de unidade e fortalecimento da organização, ou, pelo contrário, numa sessão de disputa estéril, redutora das suas possibilidades de se afirmar perante a sociedade como a alternativa de que Cabo Verde necessita.
A escolha é dos militantes.
Praia, Dezembro de 2024