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Política

Pedro Matos, professor universitário e analista político: A ilusão do papel dos jovens no jogo político

Apesar do discurso recorrente de que os jovens não se interessam por política, são vários os jovens nas listas às autárquicas de domingo, 01 de Dezembro, dos diferentes partidos políticos. Numa entrevista franca ao A NAÇÃO, o analista Pedro Matos alerta que se estão a criar falsas expectativas nos jovens em como podem mudar o ‘modus operandi’ de se fazer política, quando na verdade não são eles que controlam os partidos e os seus recursos. Como diz, os jovens fazem parte do jogo, mas também buscam a “sobrevivência”, quando se aliam a um partido. 

Qual impacto do facto de existirem cada vez mais jovens quadros nas listas para as autárquicas, o que pode mudar?

A actividade dos partidos é a sobrevivência política. Os jovens constituem, por excelência, essa fonte quantitativa de sobrevivência dos partidos, pensando no presente e no futuro. É normal que os partidos apostem nos jovens para disputarem as eleições a nível municipal. Oitenta por cento (%) da população cabo-verdiana é composta por indivíduos na faixa etária entre 15 e 64 anos, ou seja, maioritariamente pessoas em idade economicamente activa, que podem trabalhar e gerar riquezas para o país, apesar do impacto da emigração juvenil, que coloca em xeque a geração de riqueza e a sustentabilidade económica do país.

Outro ponto a salientar é que essa juventude tem se profissionalizado cada vez mais, realizando cursos superiores, e alguns possuem uma relativa autonomia financeira e intelectual. Ou seja, nem todos se diluem numa categoria de exército de reserva, accionados pelos partidos para a reposição de peças conforme ajustes de interesses e preferências partidárias. De facto, há jovens que estão cada vez mais preocupados com o seu município, com o seu bairro, e desejam contribuir para uma agenda transformadora. Há também jovens que estão a ser engolidos pela máquina partidária, que não tiveram tempo para se preparar politicamente e elaborar uma agenda exequível, restando-lhes apenas a reprodução de doutrinas partidárias.

Mas podem afectar o sistema político, ou não?

Não sei se isso pode afectar ou não o sistema político do país. Na verdade, transfere-se aos jovens uma responsabilidade que não é justa. Quer dizer, tem-se exigido e depositado muita esperança de que os jovens mudem o modus operandi de se fazer política, quando, na verdade, eles não podem fazer isso por duas razões: primeiro, porque não são os jovens que controlam os partidos e os seus recursos, e há uma lógica quase militar no controlo dessas instituições, que faz com que o cargo de liderança venha com a idade adulta; segundo, porque ser jovem não é sinónimo de ideias novas. 

As ideias inovadoras nascem e prosperam num ambiente democrático, plural e vivo, sendo defendidas por pessoas de qualquer idade. No entanto, ao se criar um ambiente ríspido à contestação, ao pensamento independente e onde paira o medo, torna-se um exercício sem rendimento esperar que os jovens produzam ideias novas capazes de mudar a política.

Necessidade de vida partidária para além só das épocas eleitorais 

Escuta-se muito o discurso de que os jovens não acreditam na política e nos políticos, mas o facto de haver massa jovem nas listas revela que não é bem assim, concorda? 

Acredito que não pode haver salvação da democracia representativa sem a existência dos partidos políticos, que, pelo exercício do voto dos cidadãos eleitores, desempenham uma série de actividades e representam os seus eleitores no âmbito do Poder Legislativo e na relação deste com o Poder Executivo. Essa confiança deve existir entre os eleitores e os partidos políticos, pelo contrário a quebra do contrato corrói a confiança e gera um afastamento dos eleitores.

Tanto os representantes quanto os representados, por vezes, esquecem que as políticas públicas são um contrato: publicitado durante a campanha, negociado e aprovado junto do Parlamento, e implementado pelo governo no formato de programa, com a fiscalização do Parlamento, onde estão os partidos.

Esse processo de esquecimento é causado pela ausência de uma cultura política e pela baixa actividade partidária nos períodos entre eleições, tanto junto dos jovens quanto à comunidade em geral, assim como pelo baixo nível de prestação de contas e de transparência nas atividades políticas. 

Os jovens não entram (na política) apenas pelo desejo de mudança ou por mero descontentamento individual; entram quando calculam algum benefício imediato ou percebem uma margem de manobra que também permita a sua autorrealização.

Ou seja, o processo tem de ser duradouro e não só em épocas eleitorais?

Sim. É muito importante que se estabeleça uma relação duradoura com a base partidária e também com as comunidades ao longo do mandato, essencialmente se prevalece a lógica de contrato e de representação.

De igual modo, é fundamental que os eleitos para cargos importantes publicitem as suas actividades, especialmente: os projetos da sua autoria, os principais discursos, as votações e justificativas, as missões e os gastos. No contexto das tecnologias digitais e das redes sociais, essa é uma forma eficiente de dialogar com os jovens e prestar contas. No entanto, em Cabo Verde, investe-se muito mais em marketing eleitoral do que em marketing político. Caso queiramos que os jovens se interessem pela política, é preciso educá-los e habituá-los às decisões políticas, cientes de que a política é o principal instrumento para a transformação das suas realidades sociais.

Na sua opinião, o que tem levado os jovens a se interessarem pela política? O descontentamento, a sede de mudança, etc.?

São duas realidades, complicadas, de se abordar: desilusão e promessa. A desilusão surge dos vários sonhos interrompidos, quando o(a) jovem idealiza que pode ser um(a) grande engenheiro(a), advogado(a), professor(a) em seu país, mas acaba exercendo funções e actividades fora da sua área por conta de uma alocação ineficiente de recursos humanos. Cada dia, deprimido(a), retorna do trabalho por não conseguir implementar as suas ideias e propostas. Nesse sentido,  embora se fale de desilusão com a política, é preciso reconhecer que há jovens que entram na política também pela desilusão, numa tentativa de sobreviver e reconstruir as suas vidas.

A promessa é feita tanto aos jovens que, em termos quantitativos, podem constituir uma base de filiados, quanto aos jovens qualificados, que exercem muito bem as suas actividades, sendo reconhecidos pelos seus pares. Determinadas forças políticas enxergam nestes jovens uma oportunidade de promover uma renovação política de alto nível. Em troca, há a promessa de uma ascensão mais privilegiada no seio do partido ou de serem convidados a ocupar cargos de relevância quando o partido estiver em posição de poder.

Esses pontos são importantes porque revelam que os jovens também actuam no jogo político. Eles não entram apenas pelo desejo de mudança ou por mero descontentamento individual; entram quando calculam algum benefício imediato ou percebem uma margem de manobra que também permita a sua autorrealização.

Combater síndromes de poder, quando eleitos 

E qual o contributo que estes jovens que ingressam nas listas podem dar aos seus municípios e na forma de se fazer política local?

Considerando apenas o prisma analítico, os jovens podem promover um conjunto de mudanças a nível local, com reverberações em outras localidades e até mesmo em âmbito nacional. Para isso, é importante considerar o contexto actual: múltiplas crises numa era de tecnologias da informação.

Jovens conscientes e preocupados com as questões climáticas podem debater esse tema junto à comunidade, de maneira que as pessoas compreendam o impacto do fenómeno na agricultura, no turismo e na saúde. Os jovens, de facto, possuem o privilégio de serem agentes de mudança e de participar de um desenvolvimento sustentável.

Com a sua facilidade em lidar com as novas tecnologias, os jovens podem traduzir questões complexas da política e socializá-las no nível local, utilizando uma linguagem acessível, aumentando a interação das comunidades com os tomadores de decisão.

No entanto, os que são efetivados nos cargos, não podem esquecer as suas origens e o contexto socioeconómico de onde vieram. Parece que há um “vírus” que afeta determinados políticos: quando investidos de poder, tornam-se alérgicos ao povo e à sua realidade. Contudo, tomam um “antídoto” às vésperas das eleições, passando a se misturar com o povo, ser o povo, comer com o povo, e fazer coisas do povo. A história e os compromissos cabo-verdianos não permitem que tenhamos políticos que se afastem do povo.

Contudo, o facto de serem ainda jovens, alguns sem experiência política, não pode levar à perda da qualidade da vida política e da democracia no país?

O que mantém a democracia próspera é a qualidade das suas instituições, e jovens e adultos só precisam respeitar a Constituição. Quanto à experiência, embora tenhamos jovens, a equipa não é composta apenas por eles; há também pessoas com vasta experiência técnica e vivência, que podem criar um ambiente propício para o aprendizado.

No entanto, é necessário ressaltar a importância de maior inovação na nossa democracia eleitoral e política. Embora os partidos tenham respeitado a Lei da Paridade, percebe-se um número reduzido de mulheres candidatas à presidência das câmaras municipais. Caso queiramos uma democracia fortalecida, equitativa e justa, devemos trabalhar para que mais mulheres disputem altos cargos de tomada de decisão. 

Perfil Pedro Matos

Pedro Matos é natural da ilha do Fogo, mestre em Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais e doutorado em Relações Internacionais pela Pontífice Universidade Catolica. Além de outros projectos é professor nas áreas de ciência política e relações internacionais.

Publicado na Edição 900 do Jornal Nação, de 28 de Novembro de 2024

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