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Política

Eleições autárquicas: Tribunal “força” voto antecipado de Jorge Carlos Fonseca

O presidente substituto da Câmara Municipal da Praia, Fernando Pinto, foi obrigado pelo Tribunal da Praia a aceitar o pedido de voto antecipado do cidadão Jorge Carlos Fonseca, que alegou estar ausente do país, em missão de serviço, no dia da votação para as eleições autárquicas de 01 de Dezembro. O artigo 213º do Código Eleitoral é claro em relação àqueles que têm direito a voto antecipado e não contempla em ex-Presidentes da República, mas, mesmo assim, o juiz Filomeno Afonso entendeu o contrário.

De acordo com a decisão do Tribunal da Comarca da Praia que recaiu sobre o pedido de impugnação do ex- -Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, ao despacho do presidente substituto da CMP que indeferiu o seu pedido de voto antecipado, o juiz Filomeno Afonso julgou procedente o referido pedido de impugnação e ordenou que fosse aceite o pedido de voto antecipado de Jorge Carlos Fonseca.

O antigo Chefe de Estado alegou, no seu requerimento de voto antecipado, alegrou que, na sua qualidade de antigo Presidente da República, foi convidado para ser orador numa conferência internacional em Dakar, que terá lugar no dia 02 de Dezembro. Disse ainda que, por se tratar de um convite que “honra o Estado de Cabo Verde”, aceitou e marcou a viagem para o dia “mais perto possível do evento, o que calha ser às 08:45 da manhã do dia 01 de Dezembro, data em que se realizam as eleições”.

 Justificou ainda que, para não ficar impedido de exercer o seu direito de voto, requereu o voto antecipado, tendo ainda apresentado o justificativo da missão da viagem e os demais documentos exigidos. Contudo, conforme explica, a CMP publicou o edital com a rejeição do seu pedido, o que o levou a reclamar, tendo sido notificado do indeferimento da reclamação.

Ex-PR e titulares de cargos políticos não têm direito a voto antecipado  

 Segundo reza o artigo 213º do Código Eleitoral, podem votar antecipadamente os militares, os agentes das forças policiais ou dos serviços de segurança, os trabalhadores dos serviços de saúde ou da protecção civil, que no dia da realização das eleições estejam impedidos de se deslocar à assembleia de voto por imperativo inadiável de exercício das suas funções. Do mesmo modo, os trabalhadores marítimos e aeronáuticos, que por força da sua actividade profissional se encontrem presumivelmente embarcados no dia da realização das eleições.

Podem ainda votar antecipadamente, conforme o mesmo artigo, os eleitores que por motivo de doença se encontrem internado em estabelecimento hospitalar; eleitores que se encontrem presos; membros de mesa de assembleia de voto inscritos em assembleia de voto diferente; os candidatos inscritos em círculos diferentes daquele que concorrem; os jornalistas deslocados para concelho diferente o para o estrangeiro em missão de serviço, comprovada mediante declaração passada pelo responsável máximo do órgão.

Como fica claro, os ex-Presidentes da República estão fora do rol de profissionais que têm direito a votar antecipadamente. Porém, o pedido de Jorge Carlos Fonseca estriba- -se no artigo 214º que fala apenas do modo do direito de voto antecipado por eleitores que não estejam doentes ou reclusos, ou seja, dos que estão contemplados no artigo 213º.

Artifícios

Chamado a decidir, o juiz Filomeno Afonso começa por reconhecer que, “de facto a providência (impugnação), ora requerida não se encontra tipificada, tendo em conta que o legislador ordinário não lhe conferiu um processo próprio”.

Para ultrapassar o Código Eleitoral, aquele magistrado se socorreu do artigo 2º do Código de Processo Civil (CPC), que diz que “a todo o direito ou interesse legalmente protegido, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde uma ação adequada, destinada a fazê-lo reconhecer em juízo e a realizá-lo coercivamente”. Ademais, “cabe exclusivamente aos tribunais o julgamento da regularidade e validade do processo eleitoral e, bem como, os demais recursos interpostos”.

E desaplicando a norma do Código Eleitoral que estabelece que pode exercer o direito de voto de forma antecipada, o referido juiz considera que o recurso de JCF tem como suporte legal as disposições dos artigos 214º nº 2 do Código Eleitoral, 55º nº 3, 24º e 211º nº 7º da Constituição da República.

Contudo, reconhecendo que não existe a função de ex- -Chefe de Estado, aquele magistrado entende que não se pode ignorar que existe um diploma legal “Estatuto dos Presidentes da República Cessantes”, que lhes permite ter passaporte diplomático e tratamento VIP nos aeroportos e portos nacionais. Acrescenta ainda que os ex-PR têm direito à segurança pessoal e do seu agregado familiar assegurada pelo Estado e um secretário particular.

Este magistrado considera que não se pode aceitar que a lei não atribua igual faculdade ao ex-Presidente da República em relação a militares, forças policiais e agentes de segurança, que, no seu entender, continua a merecer tratamento diferenciado, por conta do exercício de funções de “suma relevância” para o país.

“É preciso ter lata”…

Entretanto, um jurista da nossa praça é de opinião que, diante da decisão do Tribunal da Praia, o presidente substituto da CMP, Fernando Pinto, devia recorrer ao Tribunal Constitucional. “Com isto caberia ao TC clarificar o assunto, fixando uma jurisprudência sobre a matéria. Com a decisão do Tribunal da Praia, doravante, qualquer juiz poderá encontrar formas de contornar o Código Eleitoral, o que não será nada recomendável para o nosso sistema eleitoral. Se existe lei ela deve ser escrupulosamente cumprida”.

O Código Eleitoral, como lembra o mesmo jurista, é uma lei do Parlamento, aprovada por maioria de dois terços, e não se pode de ânimo leve invocar a inconstitucionalidade de uma das suas normas. Para o mesmo, vir pedir ao Provedor de Justiça, o Procurador-Geral da República e Presidente da República que requeiram a fiscalização abstracta sucessiva do artigo 213º, “roça uma certa falta de ética e de desonestidade, quando estão em causa interesses pessoais”. “É que, desde que o Código Eleitoral foi aprovado ninguém contestou essa norma”.

O nosso interlocutor pergunta por que é que Jorge Carlos Fonseca, durante os dois mandatos (10 anos) como Chefe de Estado, não mexeu uma palha no sentido de solicitar fiscalização abstracta sucessiva dessa norma se, como diz, tem dúvidas sobre a sua constitucionalidade. “Mas agora vem invocar o princípio de igualdade em causa própria e de interesses político/partidários. É preciso lata”, conclui.

Jorge Carlos Fonseca satisfeito

Numa publicação no Facebook, Jorge Carlos Fonseca mostrou-se satisfeito pelo facto de ter exercido o seu direito de voto antecipado, depois de um processo, segundo as suas palavras, em que acabou por obter uma decisão favorável do Tribunal da Comarca da Praia, sobre um recurso que interpôs na sequência de uma decisão da CMP de indeferimento da sua reclamação.

“Satisfeito, naturalmente, pela decisão que me possibilitou concretizar um direito constitucional, mas, igualmente, pela circunstância de ver um tribunal de instância decidir com aplicação do princípio de interpretação em conformidade com a Constituição e ‘desaplicação’ de norma inconstitucional”, realçou.

“Um caso quiçá pioneiro. Circunstância que é expressão – como tenho acentuado – de inegável e decisiva extensão e aprofundamento de uma ‘cultura constitucional’ de há uns anos para cá, pela qual, e sem falsa modéstia, me vim batendo já bem antes de ter sido eleito PR mas sobremaneira durante os dois mandatos (a Constituição como meu ‘caderno de encargos’). E que, no meu entendimento, constitui um dos maiores avanços nestas décadas de estado constitucional de direito demo crático”, enfatizou.

Curiosamente, dias antes, a propósito do voto antecipado, a CNE fez questão de transcrever o artigo 213º do Código Eleitoral, que diz que podem votar antecipadamente os militares, os agentes das forças policiais ou dos serviços de segurança, os trabalhadores dos serviços de saúde ou da protecção civil, que no dia da realização das eleições estejam impedidos de se deslocar à assembleia de voto por imperativo inadiável de exercício das suas funções. Do mesmo modo, os trabalhadores marítimos e aeronáuticos, que por força da sua actividade profissional se encontrem presumivelmente embarcados no dia da realização das eleições.

Podem ainda votar antecipadamente, conforme o mesmo artigo, os eleitores que por motivo de doença se encontrem internado em estabelecimento hospitalar; eleitores que se encontrem presos; membros de mesa de assembleia de voto inscritos em assembleia de voto diferente; os candidatos inscritos em círculos diferentes daquele que concorrem; os jornalistas deslocados para concelho diferente o para o estrangeiro em missão de serviço, comprovada mediante declaração passada pelo responsável máximo do órgão.

Mário Silva diz que artigo 213º é “taxativo

Nas suas anotações, o jurista Mário Silva realça, em relação ao artigo 213º do Código Eleitoral, que estabelece a quem é facultado a possibilidade de voto antecipado, que este preceito é “taxativo” e, por isso, “só as categorias previstas neste preceito podem exercer o voto antecipado”.

“O dilema do legislador reside em alargar o âmbito subjectivo deste preceito, proporcionando deste modo maiores facilidades de voto aos que podem não se encontrar no local em que exercem o seu direito de voto e garantir o princípio da presencialidade, com limitadíssimas execpções”, realça.

Silva recorda na terceira edição do Código Eleitoral anotado, da sua autoria, que, na reforma de 2007, foi alargado o âmbito de aplicação subjectivo deste preceito a trabalhadores do serviço de protecção civil no nº1 e foram acrescentadas as alíneas c), d) e e).

“Não obstante a sua complexidade de riscos, a votação antecipada não tem dado problemas inultrapassáveis sobre seu funcionamento. Se o balanço for positivo deve admitir- -se a possibilidade do seu alargamento subjectivo gradual, por ser de molde a ajudar a diminuir a abstenção, especialmente num país arquipelágico muito aberto a deslocações ao estrangeiro”, anotou.

Publicado na edição 900 do Jornal A Nação, de 28 de Novembro de 2024

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