Por: William Sena Vieira
Resumo
Este estudo aborda a perspetiva de Amílcar Cabral sobre o papel do desporto na sociedade cabo-verdiana, através da análise de sua carta a José Figueira, uma figura proeminente do desporto em Cabo Verde. Utilizando uma metodologia de análise qualitativa de conteúdo, o estudo revelou a compreensão de Cabral do desporto como um fator crucial de progresso social e um meio de cultivar valores fundamentais. A pesquisa destacou a visão de Cabral sobre o potencial transformador do desporto e a importância de modelos éticos como José Figueira no desenvolvimento social e desportivo de Cabo Verde.
Ti Djô Figueira
José Figueira (1904-1988), conhecido como “Ti Djô”, foi uma figura fundamental no desporto cabo-verdiano. Nascido em Mindelo, São Vicente, destacou-se como atleta eclético e líder desportivo. Presidiu o Clube Sportivo Mindelense e promoveu várias modalidades, incluindo futebol, atletismo e tênis. Seu impacto transcendeu o desporto, inspirando gerações e sendo reconhecido por figuras como Amílcar Cabral. Ti Djô deixou um legado duradouro no desenvolvimento desportivo e social de Cabo Verde.
Análise documental
Desporto como fator de progresso social/Figueira como modelo central
“Haja uma educação e atuação como os que o Figueira demonstrou neste quarto de século de vida desportiva, e o nosso desporto será tudo aquilo que nós desejamos.”
Amílcar Cabral
A carta de Amílcar Cabral ao desportista José Figueira revelou um pensamento profundo e multifacetado sobre o papel do desporto na sociedade cabo-verdiana da época, bem como uma admiração sincera pelo exemplo de Figueira como atleta e cidadão. Esta epístola, repleta de reflexões e elogios, permite-nos vislumbrar a visão de Cabral sobre o potencial transformador do desporto e a importância de figuras de relevo neste campo.
Para Cabral, o desporto transcendia a visão de mera atividade física, como referenciado em várias passagens escritas, constituindo-se como um dos “fatores primaciais do progresso social”. Ele observou o campo desportivo como uma escola de vida, onde os indivíduos aprendiam valores fundamentais para a convivência harmoniosa em sociedade. Era no desporto, segundo Cabral, que as pessoas aprendiam a ser “irmãos e camaradas”, superando barreiras de classe e promovendo a fraternidade entre os participantes.
Neste contexto, José Figueira emergiu como a personificação dos ideais que Cabral descortinou para o desporto cabo-verdiano. Ao longo de um quarto de século — 25 anos precisamente — Figueira demonstrou uma conduta “exemplar e correta” no campo desportivo, merecendo, nas palavras de Cabral, “o mais alto louvor”. Esta trajetória notável não apenas honrou o próprio Figueira, mas estabeleceu um padrão de comportamento a ser seguido, contribuindo para a elevação moral e ética do desporto como um todo.
Cabral enfatizou a importância do reconhecimento público de méritos desportivos, como exemplificado pela homenagem prestada a Figueira pela Associação Desportiva de Barlavento (ADB). Para além do justo reconhecimento individual, Cabral viu neste ato uma oportunidade de “inculcar no espírito de todos os praticantes do desporto da nossa terra, a vontade de torná-lo a si, como protótipo na sua vida desportiva”. Assim, a celebração de Figueira tornou-se um meio de inspirar e educar as novas gerações de atletas.
Cabral estabeleceu uma conexão direta entre o progresso do desporto e o desenvolvimento mais amplo da sociedade. Ele acreditava que, através de uma educação desportiva adequada e uma atuação condizente com os mais altos valores do desporto, como demonstrado por Figueira, era possível alcançar não apenas os objetivos almejados no campo desportivo, mas também contribuir significativamente para o avanço coletivo de Cabo Verde.
Ao descrever Figueira como um “homem que bem merece este nome” e um “desportista que sabe honrar este título”, Cabral não apenas elogiou um indivíduo, mas estabeleceu um ideal a ser perseguido. Ele viu em Figueira um modelo de cidadão e atleta que, através de sua conduta exemplar, contribuiria para a construção de uma sociedade melhor.
Esta visão ressaltou a importância do desporto como um elemento integral na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e desenvolvida, com figuras como José Figueira servindo de guias para as gerações futuras de desportistas e cidadãos cabo-verdianos.
Conclusão
Em essência, a carta de Cabral a Figueira revelou uma compreensão profunda do potencial unificador e transformador do desporto. Para Cabral, o desporto não era apenas uma atividade de lazer ou competição, mas um meio de cultivar valores, formar caráter e promover a evolução na sociedade da época. José Figueira, com sua trajetória notável, tornou-se o exemplo na altura, demonstrando como a dedicação e a conduta ética no desporto podiam impactar positivamente toda uma sociedade.