Por: Paulino Dias*
As mudanças climáticas já são uma realidade. Já estão a afetar milhões de pessoas no mundo inteiro, a provocar prejuízos avultadíssimos, e a pôr em marcha ou acelerar movimentos sociais significativos à escala planetária – como a destruição de empregos e fontes de rendimento em setores mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, o aumento da pobreza e deterioração das condições de vida em determinadas regiões, a elevação dos níveis de insatisfação social, e o aumento de fluxos migratórios derivados de eventos climáticos. Num estudo recente, Newman & Noy (2023) estimaram que, nos últimos 20 anos, as mudanças climáticas terão provocado prejuízos de $2,8 trilhões de US Dólares (ou $2,8 mil bilhões), a uma média de $143 bilhões de US dólares (ou $143 mil milhões) por ano. Isto equivale à destruição de 55 economias de Cabo Verde – a cada ano.
Os desafios impostos pelas mudanças climáticas são gigantescos. Além da necessidade urgente de reduzir as suas causas – em especial a emissão de gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global -, estima-se que sejam necessários cerca de 01 trilhão de US Dólares por ano (ou 01 mil bilhões) para financiar a transição energética e a adaptação às mudanças climáticas, especialmente nos países pobres e nos em desenvolvimento. Este dinheiro existe. O grande desafio é como mobilizar vontade política e harmonizar os múltiplos – e muitas vezes, conflituantes – interesses nesta direção.
Várias propostas têm sido colocadas em cima da mesa para a mobilização e distribuição desses recursos. Estas incluem a reestruturação do Banco Mundial, do FMI e outras instituições multilaterais de desenvolvimento, a cobrança de impostos adicionais sobre os lucros das companhias petrolíferas, a cobrança de uma taxa especial aos passageiros frequentes de viagens por via aérea, a cobrança de taxa especial também às companhias de navegação marítima, a imposição de um imposto especial sobre os super-ricos, a reforma ou eliminação dos subsídios concedidos pelos Estados aos combustíveis fósseis causadores das mudanças climáticas, a mobilização de receitas através da venda de créditos de carbono, a cobrança de impostos sobre a emissão de carbono, entre outras.
As COPs (Conferências das Partes) são encontros anuais organizados sob os auspícios da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Essas conferências reúnem representantes de quase todos os países do mundo, além de organizações internacionais, ONGs, empresas e outros atores, com o objetivo de discutir e negociar ações globais para enfrentar a crise climática. Ao longo dos anos, as discussões nas COPs têm se desenrolado à volta de 04 eixos principais: (i) a redução das causas das mudanças climáticas, em especial a emissão de gases de efeito estufa (mitigação), (ii) a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, (iii) mecanismos de compensação por perdas e danos derivados das mudanças climáticas, e (iv) o financiamento da ação climática. Por exemplo, a COP28, realizada no ano passado em Dubai, teve como um dos seus principais resultados a aprovação de um Fundo para Perdas e Danos, destinado a apoiar países em desenvolvimento vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, para o qual já há compromissos assumidos de contribuições que ultrapassam os $500 milhões de US Dólares.
A COP29 está a decorrer neste momento em Baku, no Azerbaijão, devendo prolongar-se até o próximo dia 22 de novembro. O principal objetivo que se espera alcançar nesta COP é a definição de uma nova meta global de financiamento climático. Espera-se que os países estabeleçam um novo objetivo financeiro que substitua o compromisso anterior de $100 bilhões de US Dólares anuais (ou $100 mil milhões), reconhecendo a necessidade de recursos substancialmente maiores para apoiar os países em desenvolvimento na mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Apesar de quase não contribuir para o aquecimento global, Cabo Verde é significativamente vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas. O país tem uma acentuada exposição especialmente aos riscos crescentes de secas prolongadas, chuvas intensas, elevação do nível do mar, e invasão de praias por algas marinhas. A materialização destes riscos afeta diretamente setores-chave da economia – como a agricultura, a pecuária, a pesca e o turismo -, que representam estimados 30% do PIB (INE) e geram mais de metade dos empregos do país.
No plano interno, Cabo Verde vem dando passos significativos na frente da ação climática. Destacam-se, neste domínio, a atualização das suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sua sigla em inglês), o mapeamento dos riscos climáticos do país e mensuração da sua exposição aos mesmos, a aprovação de políticas e planos de transição energética e adaptação às mudanças climáticas, e o desenho de mecanismos e instrumentos de financiamento da ação climática (como a aprovação recente do Fundo Climático e Ambiental, e os acordos de troca de dívida por investimento climático e ambiental).
A plena operacionalização destas iniciativas requer, no entanto, recursos avultados, que não estão disponíveis internamente. Precisam ser mobilizados no exterior, especialmente em sede dos mecanismos já existentes (como o Global Climate Fund, GCF) ou em fase de discussão para o financiamento da ação climática nos países mais vulneráveis. Assim, na frente externa, é urgente e necessário que Cabo Verde se dote de uma Agenda Diplomática para a Ação Climática, que sirva como referencial orientador para o país navegar no meio das complexas discussões que estão a ter lugar no mundo, inclusive nas COPs. Tal Agenda terá de estar necessariamente alinhada com os instrumentos estratégicos de governação em vigor, como o Programa do Governo e o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável (PEDS II), e deve ter como base uma apropriada identificação dos interesses estratégicos de Cabo Verde (para não se ficar à mercê apenas dos interesses de doadores e parceiros internacionais). A Agenda deverá conter objetivos muito concretos, podendo estes incluírem, entre outros, a mobilização de recursos para a ação climática e a ampliação da voz de Cabo Verde nas discussões de tópicos que são relevantes para o país neste domínio. Deverão ser igualmente definidas as principais prioridades e identificadas as iniciativas mais relevantes que Cabo Verde se compromete a implementar na frente diplomática para alcançar os objetivos da Agenda.
Um aspeto crítico é a apropriada escolha dos palcos de articulação diplomática para a ação climática. Pela complexidade dos temas em discussão, os países estão a agrupar-se conforme interesses mais ou menos comuns, para aumentarem a sua força negocial e as suas probabilidades de sucesso. Assim, temos por exemplo o grupo dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS, na sigla em inglês); o grupo de países em desenvolvimento; os países africanos, reunidos sob a égide da União Africana; os países arquipelágicos altamente vulneráveis às mudanças climáticas; a própria União Europeia, na sua dimensão de relacionamento com “parceiros especiais”, entre outros. Cabo Verde não poderá jogar este jogo a solo: precisa integrar-se em grupo(s) com interesses alinhados aos nossos, para uma maior eficácia e eficiência na implementação da sua Agenda. Entre os diferentes “palcos de articulação”, quer-me parecer que os mais elegíveis seriam os SIDS, o grupo de países arquipelágicos altamente vulneráveis às mudanças aplicáveis, e a União Africana, não se descurando, contudo, uma articulação também com a União Europeia, eventualmente alargando o escopo da parceria especial nesta direção.
Adotar e implementar uma Agenda Diplomática para a Ação Climática é fundamental para que Cabo Verde possa mobilizar os recursos de que precisa para adaptar-se aos impactos negativos das mudanças climáticas e aumentar a sua resiliência. Contribuirá igualmente para uma melhor articulação interinstitucional e com parceiros externos, para uma maior eficiência na alocação desses recursos. Adicionalmente, permitirá uma melhor sistematização e alinhamento dos posicionamentos de Cabo Verde nas complexas e intensas discussões sobre o clima que estão a decorrer globalmente.
Bibliografia
Newman, R., Noy, I. The global costs of extreme weather that are attributable to climate change. Nat Commun 14, 6103 (2023). https://doi.org/10.1038/s41467-023-41888-1
*Economista/Consultor
Membro da Rede de Embaixadores para a Ação Climática na África