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Política

Função Pública: Contratação de aposentados torna-se regra

José Luís Rocha

O Governo continua a contratar pensionistas para cargos na administração pública, mesmo lá onde existem funcionários experientes para determinadas funções. No BO nº 100, I Série, de 24 de Outubro, foram contratados um embaixador aposentado e uma professora aposentada para lugares de quadros que estão no activo. Dois casos criticados pelo jurista Eurico Pinto Monteiro. 

A contratação do embaixador, aposentado, José Luís Rocha para exercer as funções nos Serviços Centrais do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Integração Regional, com efeitos rectroactivos a Janeiro de 2024, está a gerar algum burburinho nos corredores do Palácio da Comunidades, onde alegadamente vários diplomatas se encontram na “prateleira”.  

O Estatuto de Aposentação e de Pensão de Sobrevivência estabelece que, em regra, os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas, porque a condição de aposentado é incompatível com o exercício de funções públicas. O diploma estabelece ainda que os aposentados não têm capacidade profissional para a constituição de relação jurídica de emprego público.

Mas, como não há regra sem excepção, o Governo recorreu a um dos artigos do referido Estatuto, que admite, excepcionalmente, o exercício de funções públicas remuneradas pelos aposentados, quando haja lei especial que permita… Ou então quando, por razões de interesse público de especial relevância, sejam autorizados por Resolução fundamentada do Conselho de Ministros. E foi, como deixa a entender esse documento, o caso da contratação de José Luís Rocha. 

Com efeito, a referida resolução do Conselho de Ministros diz que para dar resposta às necessidades dos Serviços Centrais do MNE, “justifica-se a contratação de um embaixador aposentado experiente para suprir tais necessidades, em termos de recursos humanos qualificados”. 

A mesma Resolução vem reconhecer que, depois de quase 50 anos de independência, justifica-se a contratação de um embaixador aposentado experiente, para suprir necessidades em termos de recursos humanos qualificados. Para o efeito, o diploma destaca as “qualidades” de José Luís Rocha, que desempenhou funções governativas e chefiou várias missões diplomáticas.

A Resolução ressalta que, pela prestação das suas funções nos Serviços Centrais do MNE, e por ser aposentado, é atribuído a José Luís Rocha um abono mensal de um terço da remuneração ilíquida correspondente a essas funções, passível dos descontos legais.

 Não é ilegal, mas…

O jurista Eurico Pinto Monteiro, que tem escrito muito sobre a “promiscuidade” existente nalguns sectores da administração pública, que, na base de critérios pouco objectivos, contratam aposentados para determinadas funções que poderiam ser executadas por quadros jovens e desempregados, disse ao A NAÇÃO que a Resolução do Conselho de Ministros “não é ilegal”, mas “põe em causa a organização do Ministério dos Negócios Estrangeiros”. 

“Como é possível que um Ministério com uma carreira diplomática instituída há mais de 30 anos, não consegue ter quadros para exercer aquelas funções?”, interroga este jurista sénior, que considera que a Resolução do Conselho de Ministros, que contrata José Luís Rocha, “é inconcebível” e, de certa forma, “imoral”. 

Para Pinto Monteiro, neste momento, a única carreira passível de excepção para a contratação de quadros aposentados é a carreira médica. “O país tem 50 anos de independência”, volta a recordar. 

Câmara do Sal contrata aposentada 

Por coincidência, também no Boletim Oficial nº 100, I Série, de 24 de Outubro, pode-se ler uma outra Resolução do Conselho de Ministros que autoriza a contratação da professora aposentada Judite Neves Santos para desempenhar o cargo de directora de Gabinete do Presidente da Câmara Municipal do Sal. 

Segundo Eurico Pinto Monteiro, as duas contratações “não têm justificação”, a não ser que sejam por “nepotismo ou amiguismo”. “A nossa administração pública está em crise, mas é uma crise que não vem de agora”, conclui. 

Acumulação da pensão de reforma com remuneração de cargo político  

Outra situação que preocupa Eurico Pinto Monteiro está relacionada com o regime de acumulação da remuneração do titular do cargo político com pensão de aposentação, de reforma ou a remuneração na reserva. 

“A importante Lei nº 39/VIII/2013, de 17 de Setembro, restringe, e bem, grandemente o exercício de cargos públicos pelos aposentados, reformados ou reservistas estabelecendo, contudo, que nos casos em que aos mesmos seja, nos termos da lei, permitido desempenhar funções públicas ou prestação de trabalho remunerado nas empresas públicas ou entidades equiparadas, é-lhes mantida a pensão de aposentação ou de reforma, ou a remuneração na reserva e abonada uma terça parte da remuneração que competir a tais funções”. 

“Nenhum funcionário é insubstituível” 

O interlocutor do A NAÇÃO esclarece, no entanto, que, subjaz à citada Lei a ideia de não se permitir que o funcionário que passe à situação de reforma ou aposentação ou reserva continue na Administração Pública, há muito existente entre nós, de que nenhum funcionário é insubstituível. “Cada vaga deixada por um aposentado, reformado ou reservista irá eventualmente criar mais oportunidades de emprego nas carreiras”, salienta.

Como diz, da referida Lei, “se retira ainda a ideia de que a existência condigna dos aposentados, reformados ou reservistas é garantida pela atribuição das respetivas pensões, pelo que quando lhes é excepcionalmente autorizado o exercício de funções pública, de tal situação não deve decorrer a possibilidade de acumulações remuneratórias suscetíveis de pôr em causa elementares princípios de equidade”. 

Porém, conforme Eurico Pinto Monteiro, “importa regular a acumulação de pensão de aposentação, de reforma ou a remuneração na reserva com a remuneração base que compete a funções de cargo político”. 

 “Na política e no Estado, o exemplo tem de vir de cima! Os titulares de cargos políticos devem dar o exemplo, não chegando bons conselhos! Nestes termos, apelo, com humildade, aos órgãos legislativos do Estado que encarem a possibilidade de, ainda nesta Legislatura, ser editada uma lei que aplique aos titulares de cargos políticos o regime comum de acumulação da remuneração de cargos políticos com pensão de aposentação, de reforma ou a remuneração na reserva contido na já mencionada Lei”, sublinha. 

À espera da próxima legislatura 

Todavia, “respeitando as fortes expectativas jurídicas dos políticos, ora em exercício de funções no Parlamento e nas autarquias locais, que se encontrem na condição de aposentado, reformado ou reservista, independentemente do regime de previdência social que lhes seja aplicável, consente-se que a almejada iniciativa legislativa entre em vigor no início da próxima Legislatura”, aconselha. 

“Anima-me o sentimento de que quem ocupa um cargo político, sendo aposentado, reformado ou reservista, deve apenas esperar ser recompensado nos termos previstos para o funcionalismo público. Não se deve esperar mais do que isso e se espera mais do que isso não merece servir à coisa pública como político”, conclui.

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