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Economia

Europa ‘sufoca’ sob turismo de massas… com sinais de alerta para Cabo Verde

Enquanto os cofres públicos se enchem de receitas e os privados facturam como nunca, a população de países como Espanha, Itália e Portugal começa a sair à rua para protestar contra os malefícios e impacto negativo do turismo de massas no seu dia a dia. Um dilema para os governos que veem nesta indústria uma inestimável ajuda ao crescimento do PIB e criadora de milhares de empregos. Cabo Verde, à sua medida, ainda que ao de longe, não está à margem dessa tendência mundial.

O turismo de massas, nos países do sul da Europa, conhece por estes dias uma explosão nunca antes vista. Em Portugal, depois da pandemia, por Lisboa, Porto e Algarve, multiplicaram-se os alojamentos locais e os hotéis, para acolherem os milhões de turistas. Todos os anos, pelo Verão, as multidões entopem as ruas das cidades históricas, para além das estâncias balneares. Espanha, Itália, Grécia e novos destinos como a Croácia, também não têm mãos a medir quanto ao aumento do número de quartos para tamanha demanda, ultrapassando tudo o que já tinha sido visto, até aqui.

Só na cidade de Lisboa está previsto a abertura de 33 hotéis internacionais, nos próximos dois anos. O que faz dela a terceira cidade europeia, nesta corrida por unidades hoteleiras novas. Pelas ruas do centro histórico, sobretudo na Baixa pombalina, a língua portuguesa tornou-se já, como muitos afirmam, uma raridade, assim como a presença da população local

E, no último ano, os habitantes dessas cidades parecem ter atingido o limite da sua paciência com o barulho dos bares nocturnos, as multidões que invadem as ruas, assim como a especulação imobiliária e os preços elevados praticados nos restaurantes, inclusive dos seus próprios bairros. Muitos abandonam a cidade, como em Veneza, que nas últimas cinco décadas já perdeu 100 mil habitantes, tendo agora 50 mil residentes. Aqui, já não são permitidos grupos de turistas com mais de 25 pessoas nem o uso de altifalantes pelos guias. E desde 2021 está proibida a entrada de navios de cruzeiros – a cidade de Amesterdão pondera avançar com a mesma medida, a partir de 2026, e já proibiu a construção de novos hotéis na cidade.

Em Portugal, na até agora pequena, calma e pitoresca cidade de Sintra, os moradores colocam cartazes contra o turismo de massas, o trânsito caótico, a falta de mobilidade para os residentes, para além de filas intermináveis para visitar os palácios famosos da região.

Mais perto de nós, nas Canárias, no início deste verão, e segundo as autoridades policiais, quase 60 mil pessoas manifestaram- -se pelo arquipélago, numa crítica generalizada ao actual modelo de turismo, nas ilhas. Assim como em Palma de Maiorca, nas Baleares, que reuniu cerca de 10 mil pessoas descontentes, no passado mês de Maio. Tudo contra uma situação que, afirmam, inviabiliza a vida quotidiana dos moradores locais. Ainda este ano, os habitantes de Barcelona saíram às ruas com cartazes que mandavam os turistas de volta para casa e o alojamento local está proibido até 2028.

Turistas nas ruas, cofres públicos cheios

No entanto, é difícil pensar em pôr um freio a uma indústria que, apesar de incomodar, os números não deixam ninguém indiferente. Para se ter uma ideia, as contas de 2023, em Portugal, indicam este foi o melhor ano de sempre no turismo, com receitas perto dos 25 mil milhões de euros, com mais de 30 milhões de hóspedes e 77 milhões de dormidas. Isto num país com pouco mais de 11 milhões de habitantes e uma economia dependente de ajudas de Bruxelas e ainda à procura do seu rumo.

Para se ter uma ideia da realidade, quando em Cabo Verde se celebra a chegada à marca de 1 milhão de turistas por ano, desejados pelo governo e agentes do sector, só no mês de Junho, Portugal teve já quase 8 milhões de dormidas, a que correspondem 698 milhões de euros de receitas.

E a receita prevista, no sector do turismo, para este ano de 2024, aponta para a cifra de 27 mil milhões de euros, ou seja, um aumento de 2 mil milhões em relação ao ano passado. Ligeiramente abaixo do PIB gerado por Cabo Verde, em 2023 (2.393 milhões de euros) o sector é visto como uma verdadeira mina, o equivalente a sete fábricas Auto- -Europa, até aqui considerada o maior investimento industrial e uma das maiores fontes de receitas das exportações, em Portugal. Uma actividade que vale, em receitas, mais do que dez vezes a agricultura, segundo o Diário de Notícias de Portugal.

E se pensarmos a médio e longo prazo, digamos para o ano de 2033, a menos de 10 anos de distância, portanto, a previsão é de 56 mil milhões de receitas, gerando 1, 2 milhões de empregados e representando 20% do PIB português (a mesma percentagem que em Cabo Verde). Números que colocam Portugal como o 12º país mais competitivo do mundo, na área do turismo. Muitos desses jovens empregados da hotelaria portuguesa têm chegado e deverão continuar a chegar, nos próximos anos, das ilhas de Cabo Verde, como se sabe.

Contra a ‘invasão’

No entanto, estes números astronómicos não animam quem tem que lidar diariamente com esta explosão demográfica. Já são várias as manifestações e protestos, dos habitantes, contra a presença massiva de turistas, pelas cidades. O mesmo passando-se em Barcelona, Canárias e Itália, onde as autoridades falam mesmo em cobrar as visitas à famosa Fonte de Trevi, uma das atracções principais de Roma.

Em suma, por todo o lado, aumentam-se os valores da taxa turística municipal para fazer face aos custos do impacto ambiental e os moradores clamam por leis restritivas e que os protejam daquilo que muitos apelidam de ‘invasão’. A solução, avançam as autoridades governamentais, está numa melhor redistribuição dos turistas por outras regiões, para o campo e as montanhas do interior, minimizando assim o impacto demográfico nas cidades.

E há ainda outras preocupações, tal como o estudo que indica o porto de cruzeiros de Lisboa, por exemplo, como a quinta infraestrutura com maior índice de poluição na Europa. Isto apesar dos 83 milhões de euros deixados na cidade, pelos turistas que percorrem as ruas de Alfama, Chiado e Mouraria, nos carros tuk-tuk, todos os anos.

Joaquim Arena

Leia na íntegra na edição 890 do Jornal A Nação, de 19 de Setembro de 2024

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