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São Vicente

Kenny Pires quer casamento homossexual aprovado pelo Parlamento

Brundino Kennedy dos Reis Pires, mais conhecido por “Kenny”, 25 anos, homossexual assumido, entende que os gays não precisam pertencer a um determinado grupo para serem vistos como “pessoas normais numa sociedade”. Vivendo em união de facto com um homem, defende que é tempo de o Parlamento discutir e legislar sobre o casamento de pessoas do mesmo sexo.

Desde cedo, Kenny diz ter enfrentado “a rejeição” do pai devido à sua orientação sexual. A luta pela sua aceitação e compreensão na sociedade foi árdua, mas não desistiu. Continua, ainda hoje, a lutar por um futuro onde todos possam viver as suas vidas autenticamente, sem medo do julgamento ou discriminação por causa da orientação sexual.

Em entrevista ao A NAÇÃO, Kenny compartilhou as suas reflexões sobre a comunidade LGBTQ+. “Nunca pensei em fazer parte da comunidade, pois, para integrar qualquer coisa, esta tem de me agregar valor”, afirma, ao mesmo tempo que questiona: “Por que razão os gays precisam pertencer a um grupo para serem vistos como pessoas normais numa sociedade?”
Kenny conta que desde criança percebeu que não se comportava como os meninos “normais”. “Sempre tive uma boa percepção de mim mesmo, mas nem sempre as coisas acontecem como queremos. Sempre haverá aqueles que tentam nos convencer de que é apenas uma fase ou rebeldia de adolescente”, confessa.

“No meu caso”, acrescenta, “sempre me perguntam quando descobri que era gay e como saí do armário. Mas por quê um gay tem de se auto-descobrir e um heterossexual não se auto-descobre como hetero? Todos que pertencem à sigla LGBTQ+ sabem, desde sempre, a sua posição ou orientação sexual”.

Um olhar sobre o preconceito

Para Kenny, os preconceitos sempre existiram e, infelizmente, sempre existirão. Como refere, às vezes, um simples olhar pode ser suficiente para revelar uma forma subtil ou descarada de discriminação. “Entre amigos e alguns conhecidos, sempre foi algo normal, pois desde cedo deixei claro qual é a minha orientação sexual”, explica Kenny.
No entanto, a aceitação dentro da família foi um desafio. Relata que sempre enfrentou dificuldades com a percepção do pai, que nunca aceitou a sua sexualidade e muito menos o respeitou como pessoa. Valeu-lhe o apoio dos restantes familiares: “Sempre tive o apoio da minha mãe, tias e amigos”.

A partir da sua vivência, o nosso entrevistado acredita que o preconceito não se manifesta apenas nas atitudes das pessoas, mas também nas crenças, tradições e modos de vida de cada país ou sociedade.

“Ao meu ver, se sofri algum tipo de preconceito agravante na minha sociedade, não me lembro, pois, os tipos de preconceitos que enfrentei nunca me abalaram ou me vão abalar. Sempre percebi que nem todos pensam da mesma forma, portanto, não posso dizer que tive problemas significativos com o preconceito dos outros”, sublinha.

A luta contínua por direitos

Apesar das muitas conquistas ao longo dos anos, Kenny acredita que a comunidade LGBTQ+ ainda enfrenta desafios diários em áreas fundamentais como saúde, educação e trabalho. “Os preconceitos e a exclusão social são realidades que ainda persistem em Cabo Verde. A violação dos direitos humanos e a dificuldade de acesso ao ensino e ao mercado de trabalho são questões que afectam profundamente a nossa comunidade”, diz.

 

O teatro do trabalh

No dia a dia laboral, observa que muitas vezes é necessário esconder a verdadeira identidade sexual para se encaixar no que ele chama de “teatro do mercado de trabalho”. “Para conseguir um emprego digno, muitas pessoas da comunidade LGBTQ+ sentem que precisam esconder sua sexualidade”, explica, vivendo a partir disso outras situações dolorosas.

Kenny compartilha que ele próprio já enfrentou essa situação, mas aprendeu a impor respeito e a deixar claro que sua vida profissional não interfere em sua vida pessoal. “Conversando com amigos, percebo que o medo de perder o emprego é uma constante. Isso leva muitos a não demonstrarem sua verdadeira identidade no ambiente de trabalho”, realça.
E também destaca que é raro ver pessoas da comunidade LGBTQ+ em cargos de chefia. “Quando são contratadas, muitas vezes, precisam se submeter a um ‘regime’ de não demonstração de sua sexualidade, por medo de represálias”.
Como refere, mesmo com alta qualificação, pessoas LGBTQ+ dizem não conseguir encontrar trabalho em suas áreas de formação. “Muitos acabam trabalhando como domésticos ou em salões de beleza, áreas em que mais se destacam. Perante a falta de alternativas, alguns acabam por enveredar pela prostituição”, lamenta o nosso entrevistado.

Violência contra os gays

Além disso, o medo de agressões físicas por parte de preconceituosos é uma constante. “Este é o meu maior medo e acredito que a grande maioria das pessoas compartilha desse receio”, confessa Kenny. “De momento, o meu maior recurso de apoio é o meu companheiro, que sempre me motiva a ser a mesma pessoa, com a mesma essência”.
Apesar dos muitos problemas e dificuldades, Kenny diz desconhecer qualquer organização que ofereça suporte à comunidade LGBTQ+ na Ilha do Sal, onde vive actualmente. Ouviu falar de uma organização na Ilha de São Vicente, onde cresceu, mas não sabe que tipo de suporte ela oferece. Sugere que o governo deveria fornecer apoio psicológico, pois, em sua opinião, essa seria a melhor ajuda que poderiam receber. “A não aceitação pode muitas vezes levar à depressão e, consequentemente, a outros problemas mais graves”, alerta.

Fragilidades e leis obsoletas

Outro ponto que considera “autêntica falta de respeito” aos direitos humanos dos gays é o não reconhecimento legal dos casais homoafectivos na união de facto, um direito fundamental para a construção de família.

“A problemática da adoção de crianças por casais homoafetivos é outro tema que quase nunca se ouve falar no nosso parlamento”, afirma, daí defender que é tempo de os deputados, os legisladores, passarem a encarar a realidade tal como ela é. “Além de casais heterossexuais, há também casais de pessoas do mesmo sexo, que, por serem cidadãs, carecem de leis que as protejam”.
Por isso, tem esperança de que, num futuro próximo, possa haver em Cabo Verde casamento civil para pessoas do mesmo sexo e que a construção de famílias por parte dessas pessoas seja algo tão normal quanto para os outros.

“Apelo às pessoas LGBTQ+ que continuem correndo atrás dos seus direitos, numa perspectiva de que a liberdade humana seja algo para todos, independentemente da sua condição sexual”, desafia.

Da mesma forma que também deseja que a sociedade cabo-verdiana seja mais unida na discussão dos direitos dos seus integrantes, independentemente da orientação sexual ou género. Kenny desafia ainda os pais a não terem vergonha, medo ou receios de criar seus filhos homossexuais.

Perfil
Brundino Kennedy dos Reis Pires, de 25 anos, nasceu em Santo Antão, na hoje cidade das Pombas, concelho do Paul. “A minha adolescência foi entre Santo Antão e São Vicente. De momento vivo na ilha do Sal”, diz. Kenny é formado na área de educação especial/monitor de pequena infância, formação profissional de cuidados com pessoas com deficiências e idosos, formando também na área de estética e beleza e com formação na área de HACCP (aplicação de princípios técnicos e científicos na produção e manipulação dos géneros alimentícios desde a produção ao prato).

João A. do Rosário 

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