Por: João Serra*
O ano de 2024 deve ser repleto de incertezas económicas face a confrontos militares persistentes como a guerra na Ucrânia e o conflito bélico entre Israel e Hamas. A isso, acresce uma onda de eleições nacionais cujas repercussões podem ser profundas e longas. Mais de dois mil milhões de pessoas em cerca de 50 países, incluindo grandes economias emergentes como Índia, Indonésia, México e África do Sul, irão às urnas. Na União Europeia, as 27 nações do bloco vão renovar o Parlamento Europeu, enquanto que, na maior economia mundial – os Estados Unidos da América (EUA) –, haverá, no próximo mês de novembro, eleições presidenciais.
Ao todo, os participantes da “maratona eleitoral” de 2024 são responsáveis por cerca de 60% da produção económica mundial. Assim, considerando a relação entre a política e a economia, é bem provável que haja alterações significativas nos percursos económicos dos países. “Uma série de vitórias eleitorais que levam populistas irritados ao poder poderia empurrar os governos para um controlo mais rigoroso do comércio, investimento estrangeiro e imigração. Tais políticas poderiam inclinar a economia global para um mundo muito diferente daquele com o qual estamos acostumados”, observa Diane Coyle, professora de políticas públicas da Universidade de Cambridge, citada por The New York Times – Londres, edição de 26/12/2023.
A eleição presidencial dos EUA, é claro, será de longe a mais significativa para a economia mundial, podendo o seu resultado conduzir a mudanças de longo alcance em questões fundamentais de política interna e externa, inclusive sobre alterações climáticas, regulamentos e alianças globais.
Independentemente do resultado de cada uma das eleições que ocorrerão no ano em curso, de momento, do que já é conhecido, o que mais pode agravar o enquadramento económico global é o risco de escalada do conflito no Oriente Médio. A agência de notícias financeiras dos EUA Bloomberg, citada pela CNNPortugal, edição online de 16 de outubro de 2023, coloca em equação três cenários possíveis.
Primeiro cenário. No caso de conflito permanecer confinado ao território palestiniano, o impacto nos preços do petróleo e na economia mundial será “reduzido”. Recorde-se que o recente desagravamento das relações entre EUA e Irão permitiu a este último aumentar significativamente a produção diária de petróleo. No entanto, como Teerão tem apoiado declaradamente grupos islâmicos que se opõem a Israel, qualquer envolvimento iraniano no ataque do Hamas a Israel poderia desencadear um confronto bélico de escala muito superior. Neste caso, o reforço das sanções dos EUA ao petróleo do Irão poderia penalizar os mercados mundiais em cerca de 700 mil barris desta matéria-prima por dia. Se assim fosse, segundo a Bloomberg, registar-se-ia um aumento estimado de 3 a 4 dólares dos EUA (USD) nos preços do petróleo. O PIB mundial diminuiria 0,1 pontos percentuais (p.p.). O impacto na inflação seria de 0,1 p.p.
Segundo cenário. Se o conflito alastrasse ao Líbano e à Síria, o choque económico seria bastante mais significativo. O Irão apoia alguns grupos importantes nestes dois países. Um destes grupos é a organização política e paramilitar fundamentalista islâmica Hezbollah. O Hezbollah tem um papel central no Líbano. Com Líbano e Síria geograficamente envolvidos no atual confronto, as estimativas da Bloomberg apontam para uma subida de 8 USD no preço do barril de petróleo. O PIB mundial cairia 0,3 p.p. e a inflação registaria um aumento de 0,2 p.p.
Terceiro cenário. Já um cenário ainda mais grave, de confronto militar direto entre Irão e Israel, poderia originar uma recessão global. A ameaça nuclear e a proximidade política e estratégica entre Irão e Rússia são dois pressupostos alarmantes. Por outro lado, a desestabilização efetiva de todo o Médio Oriente seria um acontecimento de consequências imprevisíveis e potencialmente catastróficas. Neste caso, segundo a Bloomberg, assistir-se-ia a um aumento de 64 USD no preço do barril de petróleo, a uma queda de 1,0 p.p. no PIB mundial e a um acréscimo de 1,2 pontos percentuais na inflação à escala global.
A despeito dos três cenários traçados pela Bloomberg, o confronto entre Israel e Hamas é mais um acontecimento mundial que impulsiona a incerteza económica e financeira. Por esta razão, a volatilidade dos mercados começou já a fazer-se sentir, em resultado, principalmente, dos ataques dos rebeldes iemenitas Houthis a embarcações de todo o mundo no Estreito de Bab al-Mandeb, que separa a Península Arábica de África, no extremo sul do Mar Vermelho. O Mar Vermelho, que dá acesso ao Canal do Suez, é essencial para o comércio internacional. Estima-se que entre 12 e 15% do tráfego mundial utiliza esta rota marítima, tal como 30% a 35% dos navios porta-contentores. Esta rota é também um ponto de trânsito de energia especialmente importante, com cerca de 9 milhões de barris de petróleo (4,5% de todo o petróleo em bruto) passando pelo canal todos os dias.
Os ataques a navios aumentaram as taxas de frete e seguro e os preços do petróleo, enquanto desviaram o tráfego marítimo para uma rota muito mais longa e cara ao redor da África, através do Cabo da Boa Esperança. Para além dos elevados custos, provocaram, também, distúrbios nas cadeias de abastecimento e no comércio mundial.
Todavia, os ataques dos rebeldes do Iémen ainda não tiveram grande impacto no preço das mercadorias, apesar de o custo do transporte ter aumentado. O impacto económico mais amplo nos preços ao consumidor dependerá muito da duração desta crise.
Seja como for, os riscos de uma escalada de conflito, no Médio Oriente, para a economia global são significativos. Se a situação se deteriorar ainda mais, os custos de envio de cargas continuarão a subir à medida que mais e mais transportadores optem pela opção do Cabo da Boa Esperança. O preço do petróleo provavelmente aumentaria e a recuperação frágil da inflação elevada ficaria ameaçada.
Então, o que podemos esperar do cenário económico global em 2024?
Os efeitos do combate às taxas de inflação elevadas, das políticas monetárias restritivas levadas a cabo pelos diversos bancos centrais nos últimos dois anos e das atuais tensões geopolíticas continuarão a impactar no desempenho das principais economias mundiais em 2024. Em resultado, o PIB mundial deverá apresentar uma ligeira desaceleração comparativamente ao ano de 2023.
De facto, as projeções mais recentes do FMI, da OCDE e da Comissão Europeia apontam para um crescimento do PIB mundial, em 2024, entre os 2,7% e os 2,9%, que compara com as estimativas para o crescimento em 2023, oscilando entre os 2,9% e os 3,1%.
Todavia, nem todos os países e blocos económicos terão o mesmo nível de crescimento. Tal qual vem acontecendo nos últimos tempos, serão os países emergentes a mostrar maior resiliência, liderando o crescimento económico mundial. Na verdade, as economias desenvolvidas – entre as quais se incluem os EUA, a Zona Euro, o Japão e o Canadá – irão crescer em média 1,4%, enquanto os países emergentes (como a China, a Índia, etc.) deverão avançar 4% em termos médios, segundo as estimativas de outubro de 2023 do FMI.
Refira-se que essas projeções ainda não descontaram o potencial impacto do conflito no Médio Oriente no crescimento económico.
Termino, dizendo que o cenário económico global para 2024 aparenta ser desafiante e cauteloso. Durante o ano de 2023, muitas economias demonstraram resiliência e os esforços para travar a escalada da inflação produziram algum efeito. Em 2024, diversos fatores, como a inflação elevada, a política monetária restritiva e, sobretudo, o agravamento das tensões geopolíticas, poderão impedir uma progressão económica semelhante ou maior que a registada em 2023.
Praia, 05 de fevereiro de 2024
*Doutor em Economia