O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) extinguiu um processo criminal contra o juiz Alcides Gomes Andrade, acusado de homicídio negligente no acidente que matou Fabinho, de seis anos, ocorrido em Pensamento, na cidade da Praia. Conforme o acórdão, a prescrição do procedimento criminal deu-se em 2011, impossibilitando a continuidade do processo. A família a vítima fala em “não justiça”.
Segundo o acórdão do STJ que o A NAÇÃO teve acesso, o crime, punível com pena de prisão de até três anos, tinha um prazo de prescrição de cinco anos, conforme as leis vigentes à época dos factos. A contagem do prazo começou, segundo a mesma fonte, em 18 de Julho de 2006, data do acidente, e expirou em 18 de Julho de 2011. A decisão de arquivar o caso foi tomada em conferência pelos juízes do STJ, que reconheceram a prescrição do procedimento criminal.
Mesmo considerando as alterações introduzidas no Código Penal em 2015 e 2021, que ampliaram os prazos de prescrição, a decisão concluiu que, aplicando as normas mais favoráveis ao réu, o prazo máximo de prescrição já havia sido ultrapassado. Assim, o processo foi considerado extinto por prescrição, e não houve outra alternativa senão o arquivamento.
“Não justiça”
A mãe da vítima, Dulcilena Semedo, expressou a este Jornal a sua indignação e decepção com o sistema judicial. Segundo a mesma, em 2014, foi informada por um advogado na Praia que o caso havia sido arquivado, mas, desde então, não recebeu mais nenhuma comunicação oficial das autoridades judiciais.
“Em 2014 fomos chamados por um advogado na zona da Prainha e foi-nos dito que o caso já estava arquivado e que depois seríamos chamados, mas até hoje ninguém nos disse nada. O tribunal nunca nos chamou, o único lugar que fomos foi nesse advogado, nem sei o porquê de ser ele a nos chamar e não as autoridades judiciais. O caso ficou por si, a justiça não foi feita”, afirmou Dulcilena.
“É uma dor que nunca vai embora, e agora, saber que o caso foi arquivado sem justiça, é devastador”, lamentou, questionando as razões que levaram ao “engavetamento” deste processo até à sua prescrição.
Relembrando o caso
Dulcelina Semedo, mesmo com poucas palavras, relembra com dor o dia do acidente: “Foi em 2006, meu filho tinha 6 anos, era o meu terceiro filho, era no ano em que iria para a escola”.
O motorista responsável pelo atropelamento, Alcides Gomes Andrade, segundo ela, trabalha com as “autoridades”, o que, na sua opinião, contribuiu para a falta de justiça no caso.
“Eu acho que a justiça não foi feita porque quem atropelou o meu filho trabalha com as autoridades, se fosse outra pessoa alguma coisa seria feita. Aquele acidente foi brutal, quem esteve presente viu, o carro vinha em alta velocidade, atropelou o meu filho e ainda foi bater na casa de uma tia minha, danificando a varanda toda. O meu Fabinho vinha do jardim, acompanhado de mais outras duas crianças, ele foi atropelado em cima do passeio, morreu na hora, por volta do meio-dia, e foi enterrado no mesmo dia, dado o estado em que ficou o corpo”, contou.
A família de Fabinho esperou por justiça por quase duas décadas, mas a decisão do STJ, apenas, trouxe uma sensação amarga de impunidade. “Estivemos todo esse tempo numa situação complicada, esperando por uma justiça que nunca mais chega e até posso dizer que nem vai chegar, porque já se passaram vários anos e nada. Isto não está bem, mas não há nada a fazer, é o país e a justiça que temos”, lamenta Dulcilena.
Geremias S. Furtado
Publicada no Jornal A Nação edição 879 de 04 de Julho