Por: Fidel Cardoso de Pina
Nós somos um povo resiliente, não haja dúvidas sobre isso, mas isso não significa que não se deve facilitar a vida do povo e aliviar-lhe os fardos, porque também há sempre um ponto de inflexão e com toda a certeza não queremos chegar ao ponto de saber qual é. O povo cabo-verdiano já sofreu o bastante. Os desafios que enfrentamos em 2023 foram bastantes, o ano revelou-se de extrema dificuldade para várias famílias – principalmente as mais desfavorecidas –, e mais ainda para a nossa juventude.
Já estamos em 2024, com o janeiro a terminar e o cenário não parece mais simpático. Sinto um aperto em verificar que um futuro económico sombrio paira sobre as famílias, porque o poder de compra afunda-se cada vez mais neste pântano onde o salário se estagnou. Não há estratégias para reverter o desemprego, as medidas que aparecem no Orçamento Geral do Estado para o ano econômico de 2024 são mais paliativos e não oferecem resultados, porque só cobrem uma parcela ínfima de trabalhadores, então estamos atolados em dúvidas e em dívidas. Num quadro preocupante, as medidas rigorosas deste último Orçamento do Estado, o aumento abrupto dos Direitos de Importação de mais de 400 produtos – incluindo alimentos, bebidas não alcoólicas, produtos de saúde, construção civil – elevaram os preços e sobrecarregam as famílias. Agora começamos o ano com o preço da energia e da água – essenciais para a vida – também aumentado, agravando as dificuldades.
Ao olhar no retrovisor, recordamos que em 2022 chegamos a atingir 7,9% de inflação e o Índice Geral de preços aumentou em 15% de 2018 a 2022, cenário complexo para as famílias cabo-verdianas e ao confrontar isso com o facto de o clamor por uma diversificação económica – uma aposta contundente no aumento da produção nacional – parecer cair em ouvidos moucos, deixando o país vulnerável e dependente da excessiva importação, limitando-se a ser um passivo tomador de preços, percebemos claramente a desorientação do governo.
Amílcar Cabral, visionário defensor da autodeterminação, certamente veria com inquietação a falta de políticas para diversificar a economia. O país, que importa quase tudo, está vulnerável a oscilações nos preços globais, contrariando a visão de Cabral de uma economia mais autossuficiente e cooperativista, que não é meramente dependente, mas também participa.
O setor turismo, vital para a nossa economia, que representa cerca de 25% do nosso PIB, enfrenta tempestades – o aumento de impostos na restauração e os problemas críticos nos transportes aéreos e marítimos – que ameaçam afundar esta área, o que vai piorar ainda mais o panorama. Contudo, não há perspectiva para melhorar o transporte e o governo continua tranquilamente a fazer a sua sangria financeira.
Não se pode falar em investimento público, uma vez que é residual, deixando assim pouca esperança de recuperação económica, colocando o país à beira de uma tempestade financeira. Este Orçamento Geral do Estado, de cerca de 86 milhões de contos, não oferece promessas tangíveis de progresso, considerando que apenas 15 milhões de contos são destinados ao investimento público, sendo que cerca de 60% deste valor desaparecem em gastos fixos, de manutenção, e o restante dos 40%, cerca 6 milhões de contos, vão para investimentos. Sem dúvidas que parecem ser valores curtos para os investimentos efetivos e transformacionais de que o país precisa.
O governo, incapaz de elaborar estratégias eficazes e sustentáveis para enfrentar a escassez de recursos, ainda recorre ao endividamento interno, o que já suscitou o alerta do GAO que lança dúvidas sobre a viabilidade do amanhã. O governo alimenta o ciclo de privatizações – ou se quisermos, de “reprivatizações” -, muitas infrutíferas, diga-se de passagem, numa clara demonstração de que não sabe o que fazer – uma autêntica pescadinha de rabo na boca.
A segurança, elemento chave da estabilidade, agora parece uma sombra do que já foi, tendo sido destroçada pelo crime organizado, enquanto o governo parece assobiar para o lado, sem uma visão para resolver o problema. O aumento da criminalidade juvenil e da insegurança no país, poderá estar intimamente relacionado com questões sociais, nomeadamente, a redução do poder de compra das famílias, o aumento da pobreza e a falta de oportunidades e de horizontes da juventude.
É preciso resolver estas questões, porque o desânimo parece generalizado e afeta principalmente os jovens, empurrando-os para uma emigração quase forçada, na busca de melhores oportunidades e alternativas, deixando o país com escassez de mão de obra física e intelectual, o que afeta também o ensino, a saúde e a segurança – evidente no facto de professores, profissionais de saúde, policiais ou várias quadros da administração publica cabo-verdiana pedirem cada vez mais licenças sem vencimento para fugirem do colapso e emigrarem.
É certo que o desenvolvimento é uma estrada sinuosa, acidentada e bastante irregular. Por isso o seu percurso requer atenção para a qualidade da educação, acessibilidade a cuidados de saúde, segurança e oportunidades de emprego, com um foco especial para a nossa juventude. As paisagens económicas e sociais atuais estão marcados por inúmeros desafios, considerando as desigualdades existentes e a necessidade de prover segurança e um sentido do futuro ao nosso povo.
Amílcar Cabral acreditava que a diversificação da economia garante a independência e o desenvolvimento, que é necessário criar economias mais equitativas, capazes de atender às necessidades das populações locais e reduzir a dependência de setores específicos, muitas vezes controlados por interesses externos. Exige-se por isso políticas públicas de transparência e de inclusão, onde cada voz possa ser ouvida, onde a juventude, as mulheres, as crianças e os idosos, possam expressar-se, com a certeza de serem partes importantes desta jornada coletiva, mas com a certeza de estarem a trilhar o próprio caminho rumo ao desenvolvimento sustentável e equitativo. E para isso é preciso coragem para uma estratégia económica eficaz, algo que o governo não está disposto a tomar.