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Convidados

NOSi, e os seus 25 anos

Por: Jorge Lopes * 

Faço uso desta oportunidade para, publicamente, voltar a agradecer ao Conselho de Administração do NOSi, na pessoa do seu Presidente, pela atribuição e a S. E. o primeiro-ministro pela entrega do “Certificado de Honra ao Mérito como reconhecimento e homenagem pelas relevantes funções e inestimáveis contributos, no exercício do cargo de liderança, neste percurso de 25 anos da NOSi”.

Partilho esse gratificante gesto com todos e cada um dos colaboradores do NOSi, especialmente com aqueles que, comigo, fizeram uma fértil caminhada de 12 anos e 11 meses, pouco mais de metade dos 25 que ora se celebra. 

Apesar da abstração subjacente à associação de 25 anos ao NOSi, tenho por mim que, em rigor, se trata da celebração de 25 anos do percurso da governação eletrónica e do desenvolvimento das tecnologias digitais em Cabo Verde, o qual teve início em 1998, e decorreu em três etapas distintas e bem delimitadas no tempo, implementadas por três entidades com desenho institucional diverso e missões próprias. Vejamos.

O período pré-RAFE

Há quem sugira que o ponto de partida do percurso tecnológico/digital deva ser recuado no tempo, eventualmente a 1983, ano da inauguração do Centro de Informática em Cabo Verde ou ao INADI (Instituto Nacional de Apoio ao Desenvolvimento da Informática), criado nos anos 80 e extinto em 1992, entre outras iniciativas.

Trata-se de ações/empreendimentos louváveis do Governo, que deram os primeiros impulsos ao desenvolvimento e uso da informática, no limite do desenvolvimento das tecnologias dessa época.  Com efeito, elas estavam circunscritas ao estado da arte tecnológica da década de 80 e princípios da de 90, em que as tendências de consumo tecnológico eram bem diferentes. 

Não cabe, pois, considerar essas iniciavas como marco zero da governação eletrónica, tendo em consideração o período em que ocorreram, e ainda porque, segundo Chahin (2004), o governo eletrónico, como movimento mundial, começou após o lançamento, em 1993, do primeiro browser que permitia uma navegação fácil pela internet.

RAFE – fase I da governação eletrónica

Por definição, o Governo eletrónico ou e-gov, consiste no uso das TIC nos processos internos do governo e na entrega de produtos e serviços do Estado tanto aos cidadãos como à indústria.  Logo, a Unidade de Coordenação da Reforma Administrativa e Financeira do Estado (UC-RAFE), criada em 1998, através da Portaria nº 47/98 de 31 de agosto é, indubitavelmente, o primeiro marco de relevo no percurso para a e-GOV em Cabo Verde.

Com efeito, a sua missão, como indica a própria designação, tinha como foco a reforma de um dos processos internos mais relevantes do governo – a administração financeira do Estado, tinha o Ministério das Finanças como lar natural e sede institucional uma vez que era, então, importante criar uma boa capacidade de gestão financeira, capaz de gerar credibilidade junto dos parceiros de desenvolvimento.

Um ingente trabalho conduziu à introdução, em 2002, do Sistema Integrado de Gestão Orçamental e Financeira (SIGOF) como instrumento de preparação, execução e acompanhamento do Orçamento Geral do Estado, de forma integrada, célere e escrutável, uma das dimensões da governação eletrónica – o uso das TIC nos processos internos do governo. Dada a natureza e a transversalidade do setor financeiro, o SIGOF havia de se estender a todas as outras áreas da governação carecendo, para tal, do devido conforto institucional.   

Após um percurso de 4 anos e 10 meses, a RAFE foi extinta pela Resolução n.º 15/2003, de 7 de julho que cria o NOSi.

NOSi – fase II da governação eletrónica

Foi em 2001, que o Governo de Cabo Verde, no seu Programa e nas Grandes Opções do Plano de desenvolvimento, definiu um “papel relevante à sociedade de informação e do conhecimento na melhoria da competitividade da economia cabo-verdiana, nomeadamente pelas oportunidades que oferece de alteração das relações entre os cidadãos e o Estado e de reinvenção da organização do Estado.”

Fixado o desígnio, foi desenvolvido e aprovado um “Programa Estratégico para a Sociedade de Informação (PESI)” que contemplava as valências da Governação Eletrónica e do desenvolvimento da sociedade de informação

Na valência e-Gov e pela Resolução n.º 15/2003, de 7 de julho, foi desenhada uma arquitetura institucional composta por uma Comissão Interministerial para a Inovação e Sociedade de Informação (CIISI) subordinada ao primeiro-ministro e pelo Núcleo Operacional da Sociedade de Informação (NOSi), que esteve na veste institucional de estrutura especial para projeto por um período de 12 anos e 11 meses. 

Com este enquadramento e na linha do conceito de e-Gov, consubstanciado no PAGE (Plano de Ação para a Governação Eletrónica) foram, desde o início, cometidos ao NOSI o desenho e a execução de medidas para a promoção da sociedade de informação, para a transformação das estruturas organizacionais do Estado e a modernização da administração pública.

O NOSi deu continuidade aos desenvolvimentos até então realizados e alargou consideravelmente o leque de iniciativas de governo eletrónico. Ilustrando, em 2012, após uma década de produção e de evolução, Cabo Verde vence a 3.ª edição do Prémio Africano de Inovação para o Setor Público (AAPSIA 2012), com o SIGOF.

Mais de uma centena de soluções tecnológicas contribuíram, definitivamente, para a transformação das estruturas organizativas e modernização da administração pública e a prestação de serviços públicos ao cidadão, dos quais se destacam algumas: os sistemas de Registo, Notariado e Identificação; o Sistema de Informação Municipal (SIM); o Sistema integrado de Gestão Escolar (SIGE); o Sistema Nacional de Identificação e Autenticação Civil (SNIAC); as Certidões em linha; o Sistema de Registo Predial; o Cadastro Predial; Sistemas de Recolha e Processamento de Resultados Eleitorais; Sistemas de Licenciamento (Turismo, Indústria e Comércio); SIPS – Sistema Integrado da Previdência Social; SIS – Sistema de Informação da Saúde; SPE – Sistema de Pagamentos Eletrónicos. 

Foi desenvolvido e materializado o conceito de serviços públicos orientados para os eventos do ciclo de vida do cidadão, consubstanciado no projeto da Casa do Cidadão. Esses serviços passaram a ser acedidos em modo multicanal, com destaque para o portal PortondinosIlha, e fizeram aumentar a confiança dos cidadãos e empresas mudando radicalmente a imagem e a face da Administração Pública cabo-verdiana. 

Foi implementada uma Rede Tecnológica Privativa do Estado que garantiu toda a conectividade das instituições da Administração Pública, do Governo e de outros órgãos de soberania e que, em 2015, já servia mais de 14 000 utilizadores e de 500 instituições.

A internet, que crescia de forma exponencial a nível global, foi introduzida em Cabo Verde em 1996 e, para atender às legítimas expetativas dos jovens cabo-verdianos, foi generalizado o seu acesso gratuito através do projeto KONEKTA. 

A experiência cabo-verdiana de e-Gov integrada foi merecendo ao longo do tempo o reconhecimento e a apreciação de diversos países, instituições e organizações internacionais. Serviu igualmente de referência para diversos países do continente, tendo originado o estabelecimento de parcerias e acordos para prestação de serviços a nível internacional a países, como Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Guiné Equatorial. 

Impulsionados por estes ganhos e vislumbrando um futuro digital para Cabo Verde foi construído e montado, de forma colaborativa com as principais entidades interessadas, o projeto do Parque Tecnólogo, como um impulso maior ao sonho de um Cabo Verde Digital. 

NOSi EPE – fase III da governação eletrónica

Uma nova fase foi perspetivada pelo Decreto-Lei n.º 13/2014, de 25 de fevereiro, que o transformou numa entidade pública empresarial, designada NOSI, E.P.E., preservando-se a denominação da marca, pelo prestígio que havia alcançado. Porém, esse novo figurino institucional só passaria a ser efetivo a partir de 15 de junho de 2016, com a posse do seu primeiro Conselho de Administração. 

Também nessa altura, o PESI e o PAGE, documentos estratégicos de referência para Cabo Verde, completaram um percurso de cerca de 10 anos. Muitas e relevantes inovações tecnológicas ocorreram durante esse período e era imprescindível revisitar e avaliar a estratégia e conformá-la às novas exigências tecnológicas e de transformação digital. 

Assim, em 2017, entendeu o Governo que era “fundamental referir o enquadramento da evolução corrente e futura da governação digital em Cabo Verde” no contexto dos objetivos do Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável (PEDS), para o período 2017-2021.

Para uma inserção mais plena e aberta do país no Sistema Económico Mundial, o PEDS aposta numa Agenda Digital 2019-21 que visa fomentar um ecossistema de inovação e de empreendedorismo de base tecnológica para a criação do mercado das TIC, direcionada para o mercado nacional, regional e internacional.

Para o efeito, desenhou-se a Estratégia para a Governação Digital de Cabo Verde (EGDCV) norteada pela visão de “Um Cabo Verde digital, um Estado ágil, capaz, resiliente, confiável e transparente, mais próximo em todas as etapas de vida dos cidadãos e das empresas”. Os caminhos para a implementação da EGDCV foram fixados no Plano de Ação da Estratégia para a Governação Digital de Cabo Verde (PA-EGDCV) aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 52/2023, de 03 de agosto

Pelo exposto, infere-se que, nesta continuidade  existem aspetos diferenciados no que respeita ao pensamento estratégico como, por exemplo, um foco mais acentuado no empreendedorismo, sendo o NOSi EPE  tido como o principal driver no contexto de uma demanda maior ao setor privado, particularmente estrangeiro.

Novas soluções digitais vêm sendo desenvolvidas (Nha Card é exemplo), as soluções e plataformas tecnológicas dantes desenvolvidas têm vindo a passar por sucessivos upgrades como manda a inovação digital, e uma atenção particular tem sido dada às atividades e soluções tecnológicas que permitam ao Estado garantir e promover a identidade digital. 

Os obreiros desta empreitada

A e-Gov, como qualquer outro processo de transformação digital, consiste num paradigma assente em três pilares – processos, pessoas e tecnologias. Esse triângulo foi, no período ascendente da e-Gov, a principal alavanca e o fator crítico de sucesso da experiência cabo-verdiana.

O pilar ‘processos’ indica como devem ser geridos os negócios da administração. Ter processos certos, simplificados e alinhados com as pessoas certas asseguram valor ao serviço público.

Tendencialmente, pelo fascínio que encerra, é evidenciado o lado da tecnologia, ignorando-se, injustamente, as pessoas, em toda a estrutura. A tecnologia não basta. Apenas, e só apenas quando os colaboradores assimilam a importância da transformação e os benefícios que ela traz tanto para a melhoria dos serviços públicos, quanto para eles, é que o engajamento e o comprometimento acontecem. 

A concretização das grandes iniciativas e dos projetos mais estruturantes da e-Gov como, por exemplo, a Casa do Cidadão ou o SNIAC, só foi possível graças à criação, por Resolução do Conselho de Ministros, de uma estrutura de implementação coordenada pelo NOSi e constituída pelos diretores dos serviços envolvidos como, por exemplo, os serviços de Registo, Notariado e Identificação, do Processo Eleitoral, dos Estrangeiros e Fronteiras e dos Assuntos Consulares e Comunidades.

Assim, pois, neste momento de comemoração dos 25 anos do percurso da governação eletrónica, quero expressar o meu respeito e tributo a essas pessoas, verdadeiros obreiros desta empreitada!

*Ex Gestor do NOSi

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