Por: Carla Grijó*
O mundo é hoje cada vez mais multipolar e isto traz consequências importantes para o modo como os países se relacionam entre si. Ao desafiar um sistema assente no primado do Direito Internacional que visa regular as relações internacionais com base em princípios estáveis, transparentes e aplicáveis a todos os países, a multipolaridade complexa que hoje vivemos acentua linhas divisórias e relações de força, aumentando a desconfiança e o potencial de conflito. Infelizmente, isto coincide com uma polarização crescente em muitas sociedades e com o recrudescimento de populismos de toda a espécie. Num mundo tão interligado como é o nosso, crises e conflitos propagam-se rapidamente, contagiando vizinhos e podendo atingir dimensão regional ou global.
Só uma coligação de defensores do multilateralismo e dos seus valores pode preservar a cooperação necessária para enfrentar uma realidade tão complexa. Uma coligação que promova uma visão comum sobre o modo de enfrentar tanto ameaças tradicionais como riscos emergentes, por exemplo os que decorrem da transformação digital e tecnológica, das alterações climáticas e da transição demográfica que atravessamos à escala planetária. Uma coligação que possa, sem demagogia, contrariar a instrumentalização do fornecimento de alimentos ou de energia, assim como das migrações, como formas de pressão; e que exponha, sem hesitação, narrativas falsas e combata a desinformação. Com efeito, todos estes fenómenos influenciam a estabilidade dos países e a paz e segurança internacionais e, para enfrentá-los, União Europeia e parceiros como Cabo Verde têm interesse em coordenar a sua ação e intensificar a cooperação em temas que afetam a sua segurança.
Cabo Verde tem revelado uma resiliência secular, sendo hoje uma democracia madura onde o Estado de Direito e o respeito pelos direitos humanos se encontram assegurados e sendo um exemplo de estabilidade na região. A meio caminho entre a Europa e a América Latina, o País situa-se na encruzilhada de algumas das principais rotas de navegação mundiais. A sua dimensão marítima é, aliás, essencial tanto nas relações externas como no plano interno, dada a ambição do País de desenvolver a Economia Azul e sua extensa Zona Economica Exclusiva. Porém, do mar provêm também ameaças e riscos – incluindo tráficos ilícitos como o narcotráfico, mas também a pesca ilegal, não regulamentada e não declarada ou potenciais ameaças a infra-estruturas críticas como cabos submarinos e portos ou ainda riscos ambientais como a poluição e a perda de biodiversidade.
Uma actuação isolada ou que não considere as interconexões dos vários riscos não permite enfrentar eficazmente a maioria deste desafios. Por isso, é essencial a colaboração entre parceiros de confiança. Ao longo dos seus mais de quinze anos de existência, o pilar “Segurança e Estabilidade” da Parceria Especial entre a UE e Cabo Verde produziu já resultados notáveis, com destaque para o reforço da presença de navios de marinhas europeias em àguas sob jurisdição caboverdiana, através das Presenças Marítimas Coordenadas. Este é um instrumento da UE que permite a coordenação, numa base voluntária, de meios navais e aéreos dos nossos Estados Membros e que , além da partilha de conhecimentos e informações e da promoção da cooperação, assegura uma presença europeia dissuasora de ameaças actuais e potenciais.
A União Europeia é também um forte apoiante dos esforços dos Estados costeiros do Golfo da Guiné para fazer face a desafios regionais, em particular os que comprometem a segurança marítima e a boa governação dos oceanos. Foi com este espirito que apoiámos a instalação na Praia do Centro Multinacional de Coordenação Marítima, cuja inauguração em Janeiro passado completou a Arquitetura de Yaoundé. Está, assim, criado um quadro que possibilita o reforço das capacidades regionais, podendo ancorar futuras ações de cooperação europeias.
Em contrapartida, Cabo Verde tem-se mostrado um parceiro valioso na segurança da região do Golfo da Guiné, área considerada como de “interesse especial” para a UE. Neste âmbito, o País contribui de forma significativa no combate a tráficos ilícitos que têm a Europa como destino final ou que ajudam a financiar o crime organizado internacional e redes terroristas em África. Além disso, tomou a decisão de participar na Missão de Treino da UE em Moçambique, tornando-se o primeiro parceiro africano a participar numa missão militar da União Europeia.
Queremos ouvir mais os nossos parceiros. Por isso, convidámo-los a participar na segunda edição do Fórum Schuman de Segurança e Defesa, o principal evento de alto nível organizado pela UE para debater temas nos domínios da paz, segurança e defesa que decorre em Bruxelas, a 28 e 29 de maio. Este será um momento de diálogo importante entre a União Europeia, os seus 27 Estados Membros e parceiros como Cabo Verde. O objectivo é o de explorar vias para uma cooperação reforçada naqueles domínios. Confiamos que este Fórum constituirá um marco na nossa cooperação com Cabo Verde.
*Embaixadora da União Europeia em Cabo Verde