PUB

Colunistas

O dogma da infalibilidade

Por: Germano Almeida

Confesso ignorar se a igreja católica continua a defender o dogma da infalibilidade do Papa, pelo menos não se tem ouvido falar e o Papa Francisco mostra-se demasiado humano para alinhar nessas divindades. Mas já não é bem assim nos estados laicos, onde a infalibilidade é apanágio do tribunal constitucional: quando o CT diz que está morto, está morto e acabou-se!

 É claro que é suposto…É suposto não, é uma certeza!, que o tribunal constitucional é constituído pelo que de melhor uma sociedade pode produzir. Sem desprimor para essas bebidas, eles são como que a nata, o néctar, a ambrosia, o supremo, e até talvez mais que o supremo, se tal for concebível. E não apenas em termos de sapiência jurídica, onde têm que ser as luminárias sem par, as estrelas do Direito e da Justiça. Mas sobretudo em termos de probidade intelectual, de honorabilidade sem medo e sem mácula, enfim, acima de toda e qualquer ideia de dúvida ou suspeita de qualquer cristão, de modo que em nenhum tempo se possa botar defeito sobre qualquer sua decisão que acaba por ter o valor de um versículo da bíblia para quem é crente, ou de um oráculo!

 E por isso mesmo, se as decisões dos vulgares tribunais são longas para tentarem ser convincentes, normalmente entre dez a 20 páginas, as do TC são longuérrimas porque funcionam como bíblias. Por exemplo, esta da fiscalização sucessiva tem 31 páginas de letra tamanho pequenino. E a sabedoria ímpar, talvez até mais que divina, a genialidade, dos juízes do CT espelha-se vastamente no facto de que essas 31 páginas poderem sem escândalo ser resumidas na única frase final do acórdão: não declarar a inconstitucionalidade e a ilegalidade da resolução… 

 Aqueles que agora fazem parte da moda ecologista e acham este acórdão um desparrame em gasto de papel e tinta, estão a ser mesquinhos. É verdade que bem perfeitamente o resumo desse desmedido acórdão não poderia ser mais breve, assim uma espécie de uma pílula que os 15 deputados vão facilmente engolir com apenas um pouco de cuspo, enquanto ela sufoca o deputado preso Amadeu Oliveira. 

Houve duas resoluções em julgamento: uma que autorizou a detenção e prisão preventiva do deputado, diz o acórdão. Porquê? Bem, por nenhuma razão especifica. O deputado estava a brincar mangatchada com o procurador-geral e este pediu autorização para ele ser preso, e ele foi preso. Para isso, para essa coisa simples que é meter um deputado na cadeia, diz o CT, não era preciso autorização do parlamento reunido em plenário, a comissão permanente chegava e bastava.

  E ele assim ficou mais de um ano na Ribeirinha. Por qual razão e a fazer o quê? Sem nenhuma razão em especial, apenas a passar férias na cadeia. Enfim, um trato pessoal e amigável entre o Amadeu Oliveira, o Procurador-geral e o juiz Simão Santos.

  As coisas mudaram de figura foi quando decidiram levar o Amadeu a julgamento. Aí foi preciso atender aos rigores da lei. E se a lei exige votação secreta dos deputados reunidos em plenário, há que respeitar escrupulosamente, sob pena de nulidade. Podia-se até usar o direito canónico e dizer irritibilidade, palavra mais potente que a simples e prosaica nulidade, ainda que signifiquem quase o mesmo.  

  Os juízes conselheiros do TC decidem não declarar a inconstitucionalidade e a ilegalidade da Resolução da comissão permanente da assembleia nacional que mandou um deputado para a cadeia, porque afinal das contas a comissão permanente está farta de fazer assim e nunca houve protesto afora desta vez. Assim, a solução encaixada responde à angustia que se terá colocado aos juízes do CT: decidir  favoravelmente o pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade,incluía eliminar “da ordem jurídica o ato  impugnável e impugnado que é a Resolução da Comissão Permanente, com a consequente destruição retroativa dos  efeitos decorrentes da sua aplicação”. Exatamente, dado ser inconstitucional! Mas isso não tiveram coragem de fazer!                                                        No meio disso tudo, se alguém perguntar para que serve então o TC, se estamos a preferir nos conduzir pela regra dos precedentes, onde em tão pouco tempo já podemos contabilizar uma mão cheia deles, podemos perfeitamente responder que o TC é apenas mais um adereço da democracia, melhor dizendo, mais um adereço do estado de direito democrático.

 Embora seja certo que essa forma de decidir comporte perigos. Estou por exemplo a lembrar-me de quando tivemos aquele caso de duplo primeiro-ministro, um ativo, outro suplente. Foi um alarme pelo absurdo da ideia, porém o tribunal, que fazia as vezes de constitucional, validou-a perfeitamente, talvez não com tantas palavras, mas disse que sim senhor, a decisão está certinha, nada a opor. Bem, a história contou o resto. E neste caso não será diferente.

 O TC decidiu não declarar inconstitucional a resolução da comissão permanente que entregou o deputado ao procurador-geral. Não diz que ela não é inconstitucional, até porque nunca poderia dizer isso, na verdade ela é inconstitucional: viola a Constituição, portanto é inconstitucional! Simplesmente o TC não o declara, mesmo sabendo que é. Tinham os juízes do TC o direito de fazer isso, agir desse modo? Bem, pelo menos têm o poder de o fazer! No olimpo luminoso, os deuses tudo podem decidir. Porém, não muda nada em termos abstratos, continua inconstitucional. Mal comparado, seria como se decidissem declarar hoje que o sol não nasceu em Cabo Verde no dia 5 de julho de 1975. Seria inútil fazê-lo, porque a maioria das pessoas sabe que isso não é verdade. 

PUB

PUB

PUB

To Top