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Uma resenha das origens da riqueza e da desigualdade das nações, segundo Oded Galor

Por: João Serra*

Nos artigos anteriores, vimos como os investigadores e autores David S. Landes, por um lado, e Daron Acemoglu e James A. Robinson, por outro lado, explicam as razões que estão na base dos diferentes níveis de desenvolvimento entre as nações – a cultura e as boas instituições, respetivamente.

Com o presente artigo, veremos uma nova perspetiva explicativa do fenómeno da riqueza e da pobreza das nações, apresentada por Oded Galor, investigador e autor israelita.

Na sua mais recente obra, intitulada a “A Jornada da Humanidade – As Origens da Riqueza e da Desigualdade”, publicada em 2022, Oded Galor, um dos economistas mais conceituados da atualidade e apontado como candidato ao Nobel, apresenta a sua inovadora teoria unificada do crescimento para responder a três perguntas cruciais: quais são as chaves para o progresso humano? Por que os padrões de vida são tão desiguais no mundo? De que forma todos os seres humanos podem prosperar e sobreviver?

Segundo Galor, o seu livro “baseia-se em 30 anos de extensa pesquisa sobre o tema, 30 anos em que teorias foram desenvolvidas e cada um dos seus elementos foi testado empiricamente.” 

A Teoria Unificada do Crescimento, de forma bastante resumida, pode ser descrita da seguinte forma:

– O cérebro do homo sapiens deu-lhe vantagem sobre as outras espécies e proporcionou a introdução de inovações. 

– As inovações possibilitam mais recursos para um grupo humano. Com mais recursos, mais crianças nascem, mais crianças conseguem sobreviver, e a população aumenta. 

– Consequentemente, com uma população maior, em determinado momento os recursos para sustentá-la tornam-se insuficientes e há um retorno às condições anteriores de pobreza. E esse esquema repete-se por centenas de milhares de anos. 

– O círculo vicioso progresso / estagnação de centenas de milhares de anos só acabou com a revolução industrial, no século 19, criando a necessidade de desenvolvimento educacional. Assim, as famílias optam por ter menos filhos para poderem investir na sua formação escolar. Em decorrência, as taxas de fertilidade caem.

Para Galor, o progresso tecnológico, desde a revolução industrial, converteu-se em mais prosperidade e não em uma população maior. Com efeito, desde então, a diminuição da mão-de-obra infantil, o investimento na educação e o decréscimo na taxa de fecundidade levaram a um enriquecimento geral da população. 

Todavia, essa riqueza viria a ser distribuída de forma muito desigual entre as nações, situação que persiste até hoje, fruto de forças que operaram no passado longínquo, conforme Galor.

Ou seja, certas condições geográficas, que estavam presentes em um passado distante, levaram em algumas sociedades ao surgimento de traços culturais propícios ao desenvolvimento, enquanto noutras sociedades ocorreu o oposto.

Do mesmo modo, a migração de humanos anatomicamente diferentes de África, há quase 300 mil anos, levou a diferentes níveis de diversidade em todo o mundo. Algumas sociedades são relativamente diversas, outras relativamente homogéneas, e um certo grau de diversidade está a afetar a prosperidade económica. “Mais uma vez, as forças que operaram no passado distante são essenciais para entender a desigualdade”, conclui Galor.

A desigualdade global é, por assim dizer, o produto de cinco fatores: migração, geografia, doença, cultura e instituições políticas.

Todavia, dentre esses cinco fatores, dois constituem os elementos essenciais da tese de Galor.

O primeiro fator são as vantagens geográficas. Por darem condições melhores para desenvolver a agricultura, as vantagens geográficas foram determinantes para as diferenças de riqueza entre os países até hoje. 

“Não é acidente que a revolução neolítica tenha ocorrido em diferentes épocas nas regiões do globo, com diferença de milénios”, diz. Na verdade, a biodiversidade de cada localidade determinava o aparecimento de um grande número de plantas e animais domesticáveis que criavam as circunstâncias para a agricultura.

E a agricultura faz surgir a elite do conhecimento. O homo sapiens surgiu há cerca de 300 mil anos em África. O seu cérebro diferenciado deu-lhe vantagem sobre as outras espécies. Porém, a evolução foi bastante lenta até a humanidade alcançar o estágio de domínio sobre a natureza. Apenas 12 mil anos atrás, aconteceria a revolução que fez com que o homo sapiens se tornasse o centro do mundo.

Com efeito, a revolução agrícola ou neolítica, além de tirar o ser humano do estágio de caça e coleta, levou a um ciclo de inovações que representou um imenso avanço tecnológico. Porém, trata-se de uma mudança crucial de consequências nem sempre positivas. Galor explica que “durante esse processo, o ser humano, primeiro, domestica plantas e animais, e isso permite a transição para a agricultura”. 

“Nesse período, as sociedades começam a se organizar em torno da produção agrícola e, sob certas circunstâncias, também é aberto um espaço para um grupo de indivíduos dedicar o seu tempo ao desenvolvimento da ciência, do conhecimento e das línguas.”

O segundo fator da tese de Galor para explicar a disparidade de riquezas entre as nações tem a ver com a formação de instituições. São instituições voltadas para garantir a segurança de trocas comerciais, o que levaria a um maior desenvolvimento económico de uma sociedade. 

Efetivamente, o progresso proporcionado pela agricultura tornou alguns grupos mais numerosos e complexos. A implementação de moedas únicas, a proteção de direitos de propriedade e um conjunto de leis aplicadas de maneira uniforme organizaram essas sociedades em torno de um ambiente favorável para negócios. 

Dado que forças que operaram no passado ainda afetam o desenvolvimento  económico, podemos questionar se a história determina o destino das nações. Para Galor, a resposta é não, de todo.

Na realidade, segundo ele, ao percebermos a história de cada nação, a condição geográfica, a diversidade, podemos projetar políticas destinadas a mitigar precisamente esses elementos. Por exemplo, algumas sociedades estão em localizações onde o retorno do cultivo é elevado. Isso faz com que tais sociedades dedicam à agricultura, ao processo de plantação e colheita, propiciando comportamentos de longo prazo.

Para Galor, esse tipo de comportamento é crítico para o desenvolvimento económico, na medida em que afeta as decisões de educação, a poupança e a adoção tecnológica. Efetivamente, a orientação para o futuro é muito mais acentuada nas sociedades que residem num local onde o retorno do investimento agrícola era grande do que nas sociedades que não foram abençoadas com essas localizações e que não puderam adquirir essa capacidade, na mesma dimensão.

Daí, a seguinte conclusão tirada por Galor: “Podemos desenhar políticas educacionais diferenciadas para cada sociedade. Podemos projetar políticas educacionais de forma a que as crianças aprendam a ser orientadas para o futuro, em lugares onde a geografia as limita, por exemplo.”

Aliás, para Galor, a política educativa / investimento na educação é o caminho para superar os obstáculos que impediram o crescimento por milhares de anos, ou seja, para mitigar o legado do passado, pelas seguintes razões:

– A educação pode incutir nas crianças o comportamento orientado para o longo prazo.

– Numa sociedade relativamente homogénea, a política educativa focada em ensinar as crianças a desafiar o “status quo”, a pensar fora da caixa, cria a diversidade que está ausente na sociedade e promove a inovação.

– Já numa sociedade excessivamente diversa, uma política educativa que enfatiza o respeito pela diferença, a tolerância, gera coesão social que permite à sociedade beneficiar da diversidade sem ser prejudicada pela falta de coesão social. 

Tal qual as teses de David S. Landes e de Daron Acemoglu e James A. Robinson, também a tese de Oded Galor não está imune a críticas.  Por exemplo, biólogos e antropólogos consideraram problemático estabelecer uma relação causal entre diversidade genética / cultural e sucesso económico.

Praia, 25 de junho de 2023

*Doutor em Economia

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