15
Por: Seidy de Pina
“O povo unido jamais será vencido”- Este é um dos lemas mais célebres e entoados nas mobilizações populares que ocorrem em todo o mundo, simbolizando a força e a legitimidade da voz coletiva dos cidadãos.
Hoje, é consensual que manifestar-se, em qualquer democracia contemporânea, é exercer um direito fundamental assegurado pela Constituição e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que permitem aos cidadãos exprimirem as suas opiniões, ideias, reivindicações ou protestos sobre assuntos de interesse público, de forma coletiva e pacífica, sem necessidade de autorização prévia.
O direito de se manifestar
Contudo, a consolidação desse imaculado direito fundamental, que remonta aos tempos antigos, quando ainda os cidadãos se congregavam nas ágoras gregas ou nos fóruns romanos para discutir e decidir sobre os assuntos públicos, resultou de uma luta secular e, por vezes, cruenta. Isto porque tal direito nem sempre foi reconhecido e respeitado pelos governantes, que muitas vezes reprimiam as vozes dissidentes com violência e perseguição.
Hoje, não se pode negar que as manifestações são um direito fundamental e uma condição essencial para o progresso da sociedade.
Os primeiros assentamentos jurídico-constitucionais desse direito fundamental surgiram a partir do século XVIII, com o advento das revoluções liberais e democráticas, nomeadamente com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte da França em 1789, que afirmava no seu artigo 10º: “a livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, exprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.”
O ilustre cidadão britânico John Stuart Mill (1806-1873), por sua vez, considerado por muitos como o filósofo de língua inglesa mais influente do século XIX, defendeu que a liberdade de expressão e opinião dos cidadãos é uma condição essencial para o progresso da sociedade.
Igual entendimento é partilhado pela Hannah Arendt, filósofa política alemã de origem judaica, também uma das mais influentes do século XX, segundo a qual “o poder das demandas do povo é essencial para o progresso de uma nação”. Tendo defendido que “é através da participação ativa e da responsabilidade política que os cidadãos podem criar um espaço público de debate e de decisão sobre os assuntos comuns”.
Importância de uma sociedade vigilante e reivindicativa
Não podiam estar mais corretos ao defenderem tal entendimento. É evidente que o progresso de um país é fruto de um conjunto combinado de vários fatores. Mas, a presença de uma sociedade vigilante e reivindicativa pode ser fundamental para o progresso social e económico de qualquer país. Pois, de nada adianta um país rico em recurso natural, se os gestores da coisa pública não respeitam os princípios basilares que regem a coisa pública, tais como a transparência e o interesse público.
É certo que há instituições com competência para averiguar se esses princípios são cumpridos. Todavia, não há instituição melhor do que a própria sociedade civil para fiscalizar o cumprimento dos princípios que regem a gestão da coisa pública. Por isso, a sociedade tem de escrutinar a gestão da res publica, sob pena de ser também responsável pelo surgimento dos flagelos sociais tais como a corrupção, nepotismo, compadrio, serviço público deficiente etc.
De facto, as manifestações sociais constituem um instrumento fundamental para sindicalizar e emitir sinais claros aos gestores públicos. Pois, um povo atento e reivindicativo impulsiona o desenvolvimento do país, visto que a manifestação, desde sempre, exerce uma pressão aos governantes para atenderem às demandas populares, respeitarem os direitos humanos, combaterem a corrupção, promoverem a justiça social e garantirem a participação cidadã nas decisões políticas.
Independência de Cabo Verde e instalação da democracia em 1990
Ora, a independência de Cabo Verde, em 1975, foi o resultado de uma longa e sangrenta luta dos povos africanos, especialmente guineenses e cabo-verdianos, liderados por Amílcar Cabral, contra o colonialismo português.
A instalação da democracia, em 1990, foi graças a reivindicações internas e externas, que levaram à realização de eleições multipartidárias e à alternância de poder entre os dois principais partidos políticos do país.
No entanto, atualmente, nota-se uma certa passividade da população das ilhas face aos problemas atuais do país tais como a insegurança, a pobreza, o desemprego, a corrupção, a seca, a dependência externa e a vulnerabilidade às mudanças climáticas. Contudo, em março de 2015, na iminência da aprovação do estatuto dos titulares de cargos políticos, que previa um aumento salarial de 65% para os governantes cabo-verdianos, que alegavam ser essa uma oportunidade histórica para a democracia cabo-verdiana e para a transparência da gestão pública, os cidadãos saíram às ruas em protesto, e os parlamentares voltaram atrás. Porém, o movimento cívico que mobilizou os manifestantes não se manteve ativo depois dessa conquista, e hoje só vemos grandes aglomerados dos jovens nos festivais e nos comícios partidários.
Manifestações públicas mais recentes
Além disso, observa-se que as poucas manifestações públicas que ocorrem atualmente em Cabo Verde são de pequenas dimensões e de caráter setorial ou local.
A maioria dessas manifestações foi organizada por sindicatos, associações ou grupos informais, reivindicando questões relacionadas à educação, saúde, trabalho, habitação, ambiente ou cultura.
Outro aspecto que se nota é que as manifestações públicas em Cabo Verde são frequentemente influenciadas ou descredibilizadas pelo jogo político-partidário. Dependendo da relação com o poder, os políticos incentivam ou desincentivam as manifestações, conotando-as com interesses políticos ou ideológicos.
Finalizo com algumas questões que tanto me têm apoquentado: por que essa aparente contradição entre a tradição histórica de resistência e reivindicação do povo cabo-verdiano e a sua atual apatia política? Quais são os fatores que influenciam a emergência ou o desaparecimento dos movimentos sociais em Cabo Verde? Esse vazio das ruas e o silêncio sepulcral dos jovens é sinal de que tudo está bem? E concluo com um apelo à consciência cívica e política dos cabo-verdianos, especialmente dos jovens, que são o futuro do país. Não podemos ficar indiferentes aos problemas que nos afetam, nem deixar que outros decidam por nós. Temos de fazer valer a nossa voz e a nossa vontade, através das manifestações pacíficas e legítimas, que são um direito nosso e um dever para com a nossa nação. Só assim poderemos construir um Cabo Verde mais justo, mais próspero e mais democrático.