O escritor salense Evel Rocha é o vencedor da 6ª edição do Prémio Literário Arnaldo França, com o romance Mata-me Depois. O romance, inédito, aborda vários momentos políticos vividos no país, a partir do percurso da personagem principal. Organizado pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, de Portugal, e a Imprensa Nacional de Cabo Verde, o Prémio tem o valor pecuniário de 5 mil euros e garante a publicação da obra pelos organizadores.
Ao telefone para o A NAÇÃO, a partir do sal, o escritor disse ter sido com “grande satisfação que recebeu a notícia”, salientando que “um prémio com o patrono de Arnaldo França acaba por prestigiar qualquer escritor”. No entanto, Evel disse que “há muita subsjectividade da atribuição do prémio, por mais que haja regras”, mas que “é com muita humildade que recebo o prémio.”
O romance premiado, neste concurso de inéditos, já fazia parte dos seus planos de escrita. “A intenção era escrever um livro sobre a actualidade política cabo-verdiana. A personagem principal é um político e eu tentei escrever sobre a sua trajectória, desde o início da sua carreira até ao final, passando por vários situações e momentos políticos, os diferentes regimes políticos que temos tido em Cabo Verde, desde o partido único até á abertura.”
Eva conta como tentou escrever “sobre o ambiente político que se viveu na altura, as peripécias, as promessas, os desavindos, as rupturas, com uma personagem que facilmente se identifica no meio político, mas apenas simbólica e não real.” No entanto, as histórias, essas são reais, afiança.
Confrontado com uma eventual mudança na sua habitual temática literária, o escritor garante que isso é só aparente. “O tema dos desfavorecidos mantém-se, falo da delinquência que, em certo sentido, está dentro da marginalidade, da delinquência política, se quisermos. A personagem principal vem da classe dos desfavorecidos e acaba por ganhar notoriedade, popularidade, ao passar para o outro lado, para o lado da marginalidade também.”
Evel Rocha diz não fugir, com este romance, à sua filosofia de escrita, já que traz a realidade social com as suas nuances, como sempre tem feito em livros anteriores. “E a delinquência política, se pensarmos, deve ser a pior praga que existe no nosso meio”, afirma.
Papel do escritor da sociedade
Questionado sobre o papel que o escritor deve ter na sociedade, o autor não tem qualquer dúvida: “Creio que o escritor é, sobretudo, um intervencionista naquilo que faz, seja na poesia, na prosa, ou em qualquer outra forma. Devemos ter sempre essa preocupação de trazer os problemas sociais à tona e falar deles, sejam quais forem. A escrita pode ser eterna, aquilo que se escreveu há duzentos, trezentos anos, ainda se pode ler.”
Cumprir um dever como cidadão, “mas trazer também a solução para os problemas, de forma a melhorar o nosso desemprenho”, adianta. E no ofício da literatura, adverte, “É importante saber o que os outros escrevem, pois serve para melhorar o nosso desempenho e como forma de aprendizagem.” Os seus livros, diz Evel Rocha, “não têm nenhuma novidade, não há nada que alguém não tenha escrito no passado ou esteja a escrever.”
Tudo isso para poder ser o melhor “porta-voz literário do Sal”, já que todas as outras ilhas, como explica, já tinham sido palco de romances de António Aurélio Gonçalves, Manuel Lopes, Germano Almeida e outros escritores nacionais. Por isso, decidiu fazer da ilha o “palco” dos seus livros. Mas, confessa que quando recebe mensagens de leitores de outros locais, como Luanda, S. Paulo, descobre que as suas histórias, afinal, não diferem muita daquelas dessas periferias. “Os problemas sociais do sal acabam por ser os mesmos, esses leitores identificam-nos, e isso é o que torna a literatura universal.”
Sobre Evel Rocha
Evel Rocha é o pseudónimo literário de Ildo Rocha, nascido na ilha do sal, em 1967. Foi vereador da Cultura, na Câmara Municipal do Sal, professor, com graduação em Psicologia, pós-graduação em Poder Local e mestre em Psicologia Counseling e em Supervisão Pedagógica. É doutorado em Ciências Sociais e está a concluir um segundo doutoramento em Literatura e Comunicação. É membro fundador da Academia cabo-verdiana de Letras e tem publicadas sete obras entre poesia e romance, entre eles, Versos d’Alma (1997); Estátuas de Sal (2003); Marginais (2010) Cinzas Douradas (2015) Cisne Branco (2017), Campo da Fortuna (2018) e Belga (2021).
Joaquim Arena